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01/03/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO V

O SUBLIME CONHECIMENTO DE CRISTO

3.   «A fé termina nas coisas»
…/2

Devemos passar da atenção à essência da pessoa, para a atenção à existência da pessoa de Cristo.
Eis como um filósofo contemporâneo descreveu aquilo que produz a descoberta improvisada da existência das coisas:
«Eu estava – escreve ele – num jardim público. As raízes do castanheiro aprofundavam-se na terra, mesmo debaixo do meu assento. Não me lembrava já que eram raízes.
As palavras tinham desaparecido e, com elas, o significado das coisas, os modos do seu uso, os ténues sinais de distinção que os homens gravaram sobre a sua superfície.
Estava sentado, um pouco curvado, com a cabeça inclinada para o chão, sozinho diante daquela massa enorme, nodosa e tão feia que me causava medo. E depois aquele lampejo de iluminação. Fiquei sem respiração.
Nunca, até então, eu tinha pressentido o significa “existir”, afinal era como os outros, como aqueles que passeavam na praia do mar, vestidos de festa.
Também eu dizia como eles:
«O mar é verde; aquele ponto branco acolá é uma gaivota»; mas eu não sentia que isso existia, que a gaivota era uma gaivota existente»; habitualmente a existência esconde-se.
Mas ela está aqui, junto de nós, não se podem dizer duas palavras sem falar dela e, afinal, não a apalpamos.
Quando eu julgava que pensava nela, evidentemente não pensava em nada, tinha a cabeça vazia, ou tinha na cabeça somente uma palavra, apalavra “existir”…E depois, de repente, eis que estava ali, límpida coo o dia: a existência tinha-se improvisadamente revelado» [i]

Para se conhecer Cristo em pessoa, Ele mesmo, “em carne e osso”, é preciso passar por uma experiência semelhante.
Temos que nos aperceber que Ele existe.
Isto, de facto, não é possível somente em relação às raízes de um castanheiro, ou seja, com qualquer coisa que se vê e se apalpa, mas, pela fé, também com as coisas que não se vêm e com o próprio Deus.
Foi assim que numa noite o crente B. Pascal descobriu o Deus vivo de Abraão e O recordou, com breves e inflamadas frases de exclamação:
«Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob, não dos filósofos e dos eruditos.
Ele não Se encontra senão através do Evangelho.
Certeza. Sentimento. Alegria. Paz.
Esquecimento do mundo e de tudo, excepto de Deus» [ii]

Naquela noite, Deus tinha-Se tornado para ele “realidade activa”.
Uma pessoa “que respira”, como lhe chama P. Claudel.

4.   O Nome e o Coração de Jesus            

Como é possível fazer uma experiência deste tipo?

Depois de, durante muito tempo e com todos os métodos, ter procurado atingir o ser das coisas e de lhes arrancar, por assim dizer, o seu mistério, uma corrente de filosofia existencial teve que se render e reconhecer (aproximando-se assim sem o saber do conceito cristão de graça) que a única maneira, para que tal possa acontecer, é que o próprio ser se revele e venha por sua iniciativa, ao encontro do homem.
E o lugar onde isto pode acontecer é na linguagem, que é uma espécie de “casa do ser”.
Ora, isto é verdade certamente, se, por “ser”, entendemos dizer o Ser (Deus, ou Cristo ressuscitado) e por “linguagem” entendemos dizer a palavra ou o kerigma.
Cristo ressuscitado em pessoa revela-Se-nos e nós podemos encontrá-Lo pessoalmente na Sua palavra.
Esta é verdadeiramente a Sua “casa”, cuja porta é aberta pelo Espírito Santo aos que a ela batem.

No Apocalipse, Ele vai ao encontro da Igreja, dizendo:
«Eu sou o Primeiro e o Último e o que vive. Eu estive morto, mas agora estou vivo» [iii] .
Ressoam também agora, depois que morreu e ressuscitou, aquelas palavras de Cristo:
«Eu Sou!»
Quando Deus Se a presentou a Moisés com estas palavras, o seu significado parece ter sido: «Eu estou», ou seja, existo para vós; não sou mais um dos muitos deuses ou ídolos que têm boca, mas não falam, que têm olhos, mas não vêm. Eu existo verdadeiramente.
Jesus Cristo diz o mesmo agora.

Pudéssemos nós aperceber-nos disto e fazer esta experiência como afez S. Paulo:
«Quem és Tu, Senhor? Eu sou Jesus»!
Então a nossa fé mudaria e tornar-se-ia contagiosa.
Descalçaríamos as sandálias, como fez Moisés naquele dia, e diríamos como Job:
«Eu conhecia-te por ter ouvido falar de Ti, mas agora os meus olhos vêm-Te» [iv].
Também nós ficaríamos sem respiração!

Tudo isto é possível
Não se trata de exaltação mística já que se fundamenta sobre um dado objectivo que é a promessa de Cristo:
«Ainda um pouco – dizia Jesus aos discípulos na Última Ceia – e o mundo não Me verá mais. Vós, porém, ver-me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis» [v].
Depois da Sua ressurreição e ascensão ao Céu – porque é a este tempo que Jesus Se refere – os discípulos verão Jesus com uma visão nova, espiritual e interior, mediante a fé, mas de tal modo real que Jesus pôde dizer simplesmente:
«Vós ver-Me-eis».
E a explicação de tudo isto é que Ele «vive».


(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] J. P. Sartre, A náusea
[ii] B. Pascal, «Memorial», in Pensamentos, Apêndice
[iii] Ap1,18
[iv] Job 42,5
[v] Jo14,19

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