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08/03/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

CAPÍTULO VI

«TU AMAS-ME?»

O AMOR POR JESUS


2. Que significa amar Jesus Cristo

…/4

A célebre afirmação de Stº Agostinho, dirigindo-se a Deus:
«Tu fizeste-nos para Ti e o nosso coração fica inquieto enquanto não repousar em Ti» [i] é claramente também talvez voluntariamente aplicada a Cristo por Cabasillas.
Ele é “o lugar do nosso repouso”, é aquele para o qual tendem as aspirações mais íntimas do coração humano.
Não como para um objecto diferente, o que é indicado pela palavra “Deus”, mas sim para aquele mesmo objecto na forma que Ele quis assumir para nós e que desde a eternidade tinha projectado.

Com isto não se quer de modo algum menosprezar ou ocultar a grande variedade de meios que existe para as almas se aproximarem de Deus, consoante a diversidade das faculdades oferecidas a cada um ou consoante a diferente psicologia e estrutura mental de cada pessoa.
Há quem tenha um amor e uma prece mais voltados para o Pai, quem os tenha mais voltados para Jesus Cristo, quem os tenha voltados mais para o Espírito Santo e quem os tenha voltados mais para a SS Trindade no seu conjunto, amor e preces através dos quais constantemente ama, reza e louva “o Pai por meio do Espírito Santo”.
Há, finalmente, quem oriente o seu amor e a sua prece simplesmente para “Deus”, compreendendo, com a palavra “Deus”, o “Deus-Trindade da Bíblia, como Stª Ângela de Foligno quando exclamava «Quero Deus!».
Todos eles são caminhos bons e largamente experimentados pelos santos, que se alternam muitas vezes na vida e na experiência de uma mesma pessoa.
Através da mútua compenetração das pessoas divinas entre si, amando-Se uma delas, amam-se todas as outras, porque cada uma está em todas e todas em cada uma., por força da Sua única natureza e vontade.
Aquilo que eu pretendi dizer é simplesmente que quem ama Jesus Cristo não caminha por isso por um nível inferior e num estado imperfeito, mas sim ao mesmo nível de quem ama o Pai.

3.Como cultivar o amor por Jesus?

Procurei responder assim à pergunta “que significa amar Jesus Cristo?», mas estou convencido de que aquilo que disse nada é em comparação com o que poderia dizer e que só os Santos poderiam exprimir num hino da liturgia que se recita frequentemente nas festividades de Jesus, canta assi:

Nenhuma língua pode dizer
Nenhuma palavra pode exprimir
Somente o entendido pode julgar
Aquilo que é amar Jesus. [ii]

Esta nossa recolha não pode ser senão uma recolha das migalhas que caem da mesa dos donos [iii],, isto é, um enriquecimento através da experiência dos grandes amantes de Jesus.
É a eles que fizeram essa experiência, que devemos recorrer para aprendermos a arte de amar Jesus Cristo.
Recorrer por exemplo a S. Paulo que ansiava desfazer-se do corpo «para estar com Cristo» [iv], ou a Santo Inácio de Antioquia que, a caminho do martírio, escrevia:
«É belo deixar este mundo pelo Senhor e ressuscitar com Ele… Somente me interessa encontrar Jesus Cristo… Vou ao encontro d’Aquele que morreu por mim, anseio por Aquele que ressuscitou por mim!»[v].

Mas é possível amar Jesus, agora que o Verbo da vida Se não pode ver, apalpar e contemplar com os nossos olhos de carne?
S. Leão Magno dizia que «tudo aquilo que havia de visível em Nosso Senhor Jesus Cristo, depois da Sua Ascensão, passou para os Sacramentos da Igreja» [vi].
É através dos Sacramentos, por isso, e através especialmente da Eucaristia, que se alimenta o amor de Cristo porque neles se realiza a inefável união com Ele.
É uma união mais forte do que a que existe entre os sarmentos e a videira, entre os esposos e do que qualquer outro tipo de união.
É possível “amar” a Jesus Cristo, pelo motivo que demonstrámos no capítulo precedente: porque Ele é uma pessoa viva e “existente”.
Isto é, não se trata somente de uma personagem da História ou uma noção de filosofia, mas de um “tu”, um “amigo” que se pode, por isso, amor com amor de amizade.
São inúmeros os meios para cultivar esta amizade com Jesus e cada um de nós tem a sua maneira preferida, o seu dom, o seu caminho.
Pode ser a Sua palavra, na qual cada um de nós O sente vivo e em diálogo connosco, pode ser simplesmente a oração.
Porém é necessário, em todos os casos, que haja a unção do Espírito, porque somente o Espírito Santo sabe quem é Jesus e sabe inspirar o amor por Jesus.
Queria chamar ainda a atenção para um meio que sempre mereceu o carinho da Tradição, especialmente da tradição da Igreja ortodoxa: a memória de Jesus.
Foi Ele mesmo que Se confiou à memória dos discípulos, quando disse: «Fazei isto em memória de Mim» [vii].
A memória é a porta do coração. Pois que – escreve ainda Cabasillas – a dor cheia de graça nasce do amor de Cristo, e o amor nasce dos pensamentos que têm Cristo como objecto e o Seu amor pelos homens; é de grande ajuda conservar na memória tais pensamentos, ligá-los intimamente e não deixar de o fazer a todos o momento…
Pensar em Cristo é a ocupação própria das almas baptizadas [viii].
Já S. Paulo comparava o amor de Cristo com a Sua recordação:
«O amor de Cristo constrange-nos ao pensamento de que um morreu por todos» [ix].
Quando nós reflectimos e sopesamos na mente (krimantes) este facto, ou seja, que Ele morreu por nós, por todos, nós somos como que compelidos a amar Jesus.
O pensamento ou a recordação d’Ele “acende” o amor.

Neste sentido, podemos dizer que para amar Jesus Cristo é necessário redescobrir e cultivar um certo gosto pela interioridade e contemplação.
O Apóstolo estabelece esta prova: na medida em que nós «nos corroboramos no homem interior”, Cristo habita pela fé no nosso coração; então arreigados e fundados em caridade, nós possamos compreender a amplitude, o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer «o amor de Cristo que excede todo o entendimento» [x].
É preciso, portanto, começar por fortalecer o homem interior, o que para o crente significa crer mais, esperar mais, rezar mais, deixar-se guiar mais pelo Espírito.
«Cristo, no Qual temos a esperança da glória» [xi]: esta é a definição da interioridade cristã.




(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Stº Agostinho, Confissões, I. 1; IX, 9
[ii] Hino Jesu dulcis memoria
[iii] Cfr.Mt 15,27
[iv] Cfr. Fl 1,23
[v] Stº Inácio de Antioquia, Aos romanos, 2.1 5; 6,1
[vi] S. Leão Magno, Discurso 2 sobre a Ascensão, 2 (PL 54,398
[vii] Lc 22,19
[viii] Cabasillas, op. Ci. VI, 4 (PG 150, 653.600
[ix] 2Cor 5,14
[x] cf. Ef 3,14-19
[xi] Cfr.1,27

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