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05/03/2018

Leitura espiirual

Jesus Cristo o Santo de Deus

CAPÍTULO VI

«TU AMAS-ME?»

O AMOR POR JESUS


2.Que significa amar Jesus Cristo

…/2

Esta ideia de que algo está acima do amor por Cristo apareceu, por vezes, no decorrer dos séculos, sob uma forma de uma “mística da essência divina”.

É colocada nela como vértice absoluto de amor divino, a contemplação e a união da própria essência simplicíssima de Deus, sem forma e sem nome, que se desenvolvendo âmago da alma, na ausência total de todas as imagens sensíveis, incluindo a imagem de Cristo e da Sua paixão.
O filósofo mestre Eckart fala de uma imersão da alma “no abismo indeterminado da divindade”, dando a impressão de que considera o “fundo da alma”, mais que a pessoa de Cristo, como o lugar e o meio para encontrar a Deus sem intermediários.
«O poder da alma, atinge Deus no Seu ser essencial, despojado de tudo» [i].

Santa Teresa de Ávila sentiu a necessidade de reagir a esta tendência presente também no seu tempo, em alguns ambientes espirituais, e fê-lo com esta página famosa em que ela afirma com grande vigor que não existe fase alguma da vida espiritual, por mais elevada que seja, na qual a pessoa se possa ou, pior ainda, se deva prescindir da humanidade de Cristo, para fixar-se directamente na essência divina [ii].
A santa explica ainda como um pouco de instrução e de contemplação, a tinham distraído, durante algum tempo, da humanidade do Salvador, mas, como em contrapartida, o progresso na instrução ena contemplação a tinham reconduzido definitivamente à humanidade de Cristo.

É significativo o facto que, na história da espiritualidade cristã, a tendência que defendeu uma união directa com a essência divina foi sempre olhada com desconfiança (como no caso da mística especulativa renana do séc. XV e, mais tarde, dos assim chamados “iluminados” e, sobretudo, o facto de ela não ter produzido nenhum santo reconhecido pela Igreja, embora tenha deixado obras de alto valor teórico e religioso.

O problema que aflorei até aqui voltou a ser actual nos nossos dias, num contexto diferente, por causa da difusão, entre os cristãos, de formas de oração e técnicas de espiritualidade de procedência oriental.
Sob o ponto de vista da fé cristã, elas não são em si mesmas prácticas más.
De certo modo, pertencem, também elas, àquela vasta “preparação evangélica”, de que faziam parte, segundo alguns padres, certas instituições religiosas dos gregos.
O mártir S. Justino dizia que tudo aquilo que fora dito ou inventado como verdadeiro e bom por alguém se deveria atribuir aos cristãos, visto que eles adoram o Verbo total; essas “sementes de verdade” não eram mais que manifestações suas, parciais e passageiras [iii].
A Igreja primitiva seguiu de facto este princípio, por exemplo, no seu relacionamento com as religiões e cultos daquela época, também, eles, em geral, de origem asiática,
Na verdade, embora rejeitasse todo o conteúdo mitológico e idolátrico implicado em tais cultos, a Igreja primitiva não hesitou em se apropriar da linguagem e até de alguns ritos e símbolos dos cultos mistéricos quando apresentava os mistérios cristãos.
Embora não se deva, de facto, exagerar a influência dos cultos pagãos sobre a liturgia cristã, também não a podemos negar de todo.

 Justamente por isso, num recente documento do magistério dedicado ao problema destas formas de espiritualidade oriental, afirma que «não se devem menosprezar excepcionalmente estas indicações como não cristãs» [iv].
O mesmo documento do magistério tem razão, porém, quando alerta os crentes sobres os perigos de se introduzir, também, juntamente com as técnicas de oração e meditação, outros assuntos alheios à fé cristã.
O ponto mais delicado é precisamente aquele que diz respeito a lugar de Jesus Cristo, homem-Deus.
Na lógica interna do budismo e do induísmo, nas quais se inspiram geralmente estas técnicas, existe a necessidade de superar tudo aquilo que é particular, sensível e histórico, para se poder mergulhar do Tudo ou Nada divino.
Elas podem, por isso, induzir a que se limite tacitamente a mediação de Jesus, já que para nós, cristãos, essa é a única possibilidade oferecida aos homens para atingirem a eternidade e o absoluto.
Portanto, não é possível deixar Cristo de lado para nos aproximarmos de Deus, pois somente podemos fazer essa aproximação «por meio d’Ele» [v].
Ele é o “caminho e a verdade”, isto é, não é somente o meio para se chegar, mas também a própria meta.

Aquelas formas de espiritualidade são por isso positivas na via que nos leva a Cristo, mas mudam totalmente e tornam-se negativas, no momento em que, em vez de serem colocadas “antes”, são colocadas “depois”, ou para “além” de Cristo.
Nesse caso, são uma tentativa para ultrapassar a fé, tentativa essa que já o evangelista S. João censurava nos antigos gnósticos [vi].
São o resvalar da fé para se confiar nas obras.
São o contentar-se novamente com os “elementos do mundo”, menosprezando-se o facto de que é somente em Cristo que está a “plenitude da divindade”.
É repetir o erro que o Apóstolo censurava aos Colossenses [vii].

Porém, neste recurso dos cristãos a formas de espiritualidade oriental, talvez não baste fazer somente crítica; é preciso fazer também uma autocrítica.
Devemos perguntar-nos, noutras palavras, porque que é que isso acontece e tantos cristãos à procura de uma experiência pessoal e vivida de Deus são levados a procura-la fora das nossas estruturas e comunidades.
Se se assiste à procura do Espírito sem Cristo, é talvez porque foi apresentado um Cristo e um cristianismo sem o Espírito.


(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Eckart, Deutsche Predigten und Tratakt
[ii] Stª Teresa de Ávila, Vida, 22, Iss
[iii] Cfr. S. Justino, III Apologia, 10,13
[iv] Congregação para a doutrina da Fé. «Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da meditação cristã», V, 16.
[v] Cfr. Jo 14,6
[vi] Cfr. 2Jo 9
[vii] Cfr. C1 2,8-9

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