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07/02/2018

Leitura espiritual

RESUMOS DA FÉ CRISTÃ

TEMA 4 A natureza de Deus e a Sua actuação

Diante da Palavra de Deus que se revela só pode haver lugar à adoração e ao agradecimento; o homem cai de joelhos diante de um Deus que sendo transcendente é meu íntimo.  

1. Quem é Deus?

Ao longo da história, colocou-se em todas as culturas esta pergunta; tanto assim é que os primeiros sinais de civilização se encontram geralmente no âmbito religioso e do culto.
Crer em Deus é o mais importante para o homem de todos os tempos [i].

A diferença essencial é em que Deus se crê. De facto, nalgumas religiões pagãs o homem adorava as forças da natureza enquanto manifestações concretas do sagrado e contava com uma pluralidade de deuses ordenada hierarquicamente. Na antiga Grécia, por exemplo, também a divindade suprema entre um panteão de deuses, era regida, por sua vez, por uma necessidade absoluta, que abarcava o mundo e os próprios deuses [ii].

Para bastantes estudiosos da história das religiões, em muitos povos deu-se uma progressiva redução a partir de uma “revelação primigénia” do Deus único; mas, em todo o caso, inclusivamente nos cultos mais degradados podem encontrar-se luzes ou indícios nos seus costumes da religiosidade verdadeira: a adoração, o sacrifício, o sacerdócio, a oferta, a oração, a acção de graças, etc.

A razão, tanto na Grécia, como noutros lugares, procurou purificar a religião, mostrando que a divindade suprema tinha que se identificar com o Bem, a Beleza e o próprio Ser, enquanto fonte de tudo o que é bom, de todo o belo e de tudo o que existe.

Mas, isto sugere outros problemas, concretamente o afastamento de Deus por parte do fiel, pois, desse modo, a divindade suprema ficava isolada numa perfeita autarquia, já que a própria possibilidade de estabelecer relações com a divindade era vista como um sinal de fraqueza.
Além disso, também não via solucionada a presença do mal, que aparece de algum modo como necessária, pois o princípio supremo está unido por uma cadeia de seres intermédios sem solução de continuidade com o mundo.

A revelação judaico-cristã alterou radicalmente este quadro: Deus é apresentado na Escritura como criador de tudo o que existe e origem de toda a força natural.

A existência divina precede absolutamente a existência do mundo, que é radicalmente dependente de Deus.
Está aqui contida a ideia de transcendência: entre Deus e o mundo a distância é infinita e não existe uma conexão necessária entre eles.

O homem e toda a criação poderiam não ser, e no que são dependem sempre de outro; enquanto que Deus é, e é por Si mesmo.
Esta distância infinita, esta absoluta pequenez do homem diante de Deus mostra que tudo o que existe é querido por Deus com a Sua vontade e a Sua liberdade: tudo o que existe é bom e fruto do amor [iii].

O poder de Deus não é limitado, nem no espaço, nem no tempo e, por isso, a Sua acção criadora é dom absoluto: é amor.

O Seu poder é tão grande que quer manter a Sua relação com as criaturas; e inclusive salvá-las se, por causa da sua liberdade, estas se afastaram do Criador.

Portanto, a origem do mal há que situá-lo na relação com o eventual uso equivocado da liberdade por parte do homem – coisa que de facto ocorreu, como narra o Génesis [iv] e não como algo intrínseco à matéria.
Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que, em abono do que se acaba de assinalar, Deus é pessoa que actua com liberdade e amor. As religiões e a filosofia interrogavam-se sobre o que é Deus; pelo contrário, pela Revelação, o homem é impulsionado a perguntar-se quem é Deus [v]; um Deus que sai ao seu encontro e procura o homem para lhe falar como a um amigo [vi].
Tanto é assim que Deus revela a Moisés o Seu nome, «Eu sou aquele que sou» [vii], como prova da sua fidelidade à aliança e de que o acompanhará no deserto, símbolo das tentações da vida.
É um nome misterioso [viii] que, em todo o caso, nos dá a conhecer as riquezas do seu mistério inefável: só Ele é, desde sempre e para sempre, Aquele que transcende o mundo e a história, mas que também se preocupa com o mundo e conduz a história.
Foi Ele que fez o céu e a terra, e os conserva.
Ele é o Deus fiel e providente, sempre próximo do Seu povo para o salvar.
Ele é o Santo por excelência, “rico em misericórdia” [ix], sempre pronto a perdoar.
É o Ser espiritual, transcendente, omnipotente, eterno, pessoal, perfeito. É verdade e amor [x].

Assim sendo, a Revelação apresenta-se como uma absoluta novidade, um dom que o homem recebe do alto e que deve aceitar com reconhecimento agradecido e religioso obséquio.

Portanto, a Revelação não pode ser reduzida a meras expectativas humanas, vai muito mais além: diante da Palavra de Deus que se revela só pode ter lugar a adoração e o agradecimento, o homem cai de joelhos diante do assombro de um Deus que, sendo transcendente, se faz interior intimo meo [xi], mais próximo de mim do que eu próprio e que procura o homem em todas as situações da sua existência:
«O criador do céu e da terra, o Deus único que é fonte de todo o ser, este único Logos criador, esta Razão criadora, ama pessoalmente o homem, mais ainda, ama-o apaixonadamente e quer, por sua vez, ser amado.
Por isso, esta Razão criadora, que ao mesmo tempo ama, dá vida a uma história de amor (...), amor[que] se manifesta cheio de inesgotável fidelidade e misericórdia; é um amor que perdoa para além de todo o limite» [xii].

2. Como é Deus?

O Deus da Sagrada Escritura não é uma projecção do homem, pois a Sua absoluta transcendência só pode ser descoberta a partir de fora do mundo e, por isso, como fruto de uma revelação; quer dizer, não há propriamente uma revelação intra-mundana.
Ou, dito de outro modo, a natureza como lugar da revelação de Deus [xiii] remete sempre para um Deus transcendente.

Sem esta perspectiva, não teria sido possível para o homem chegar a estas verdades. Deus é ao mesmo tempo exigente [xiv] e amante, muito mais do que o homem se atreveria a esperar.

De facto, podemos imaginar facilmente um Deus omnipotente, mas custa-nos reconhecer que essa omnipotência nos possa amar [xv].

Entre a concepção humana e a imagem de Deus revelada há, simultaneamente, continuidade e descontinuidade, porque Deus é o Bem, a Beleza, o Ser, como dizia a filosofia, mas, ao mesmo tempo, esse Deus amame a mim, que sou nada em comparação com Ele.
O eterno procura o temporal e isso altera radicalmente as nossas expectativas e a nossa perspectiva de Deus.

Em primeiro lugar Deus é Uno, mas não no sentido matemático como um ponto, mas é Uno em sentido absoluto desse Bem, dessa Beleza e desse Ser de quem tudo procede.
Pode dizer-se que é Uno porque não há outro deus e porque não tem partes; mas, ao mesmo tempo, há que dizer que é Uno porque é fonte de toda a unidade.
De facto, sem Ele tudo se decompõe e regressa ao não ser: a Sua unidade é a unidade de um Amor que também é Vida e dá a vida.
Por isso, esta unidade é infinitamente mais do que uma simples negação da multiplicidade.

(cont)

Giulio Maspero





[i] O ateísmo é um fenómeno moderno que tem raízes religiosas, enquanto nega a verdade absoluta de Deus apoiando-se numa verdade que é igualmente absoluta, ou seja, a negação da Sua existência. Precisamente por isso, o ateísmo é um fenómeno secundário em relação à religião e pode também entender-se como uma “fé” de sentido negativo. O mesmo se pode dizer do relativismo contemporâneo. Sem a revelação, estes fenómenos de negação absoluta seriam inconcebíveis.
[ii] Os deuses estavam sujeitos ao Destino (Fado), que tudo dirigia como uma necessidade, muitas vezes, sem sentido: daí o sentimento trágico da existência que caracteriza o pensamento e a literatura gregos.
[iii] cf. Gn 1
[iv] Gn 3
[v] cf. Compêndio, 37
[vi] cf. Ex 33, 11
[vii] Ex 3, 14
[viii] «Deus revela-Se a Moisés como o Deus vivo: “o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob” (Ex 3, 6). Ao mesmo Moisés, Deus revela também o seu nome misterioso: “Eu Sou aquele que Sou (YHWH)”. O nome inefável de Deus, já nos tempos do Antigo Testamento, foi substituído pela palavra Senhor. Assim, no Novo Testamento, Jesus, chamado o Senhor, aparece como verdadeiro Deus» (Compêndio, 38). O nome de Deus admite três possíveis interpretações: 1) Deus revela que não é possível conhecê-Lo, afastando do homem a tentação de se aproveitar da sua amizade com Ele como se fazia com as divindades pagãs mediante as práticas mágicas, afirmando a Sua própria transcendência; 2) de acordo com a expressão hebraica utilizada, Deus afirma que estará sempre com Moisés, porque é fiel e está ao lado de quem confia n’Ele; 3) de acordo com a tradução grega da Bíblia, Deus manifesta-Se como o próprio Ser (Cf. Compêndio, 39), em harmonia com as intuições da filosofia.
[ix] Ef 2, 4
[x] cf. Compêndio, 40
[xi] Santo Agostinho, Confissões, 3, 6, 11.
[xii] Bento XVI, Discurso na IV Assembleia Eclesial Nacional Italiana, 19-X-2006.
[xiii] João Paulo II, Enc. Fides et Ratio, 14-IX-1998, 19.
[xiv] Deus pede ao homem – a Abraão – que saia da terra prometida, que deixe as suas seguranças, confia nos pequenos, pede coisas de acordo com uma lógica diferente da humana, como no caso de Oseias. É claro que não pode ser uma projecção das aspirações ou dos desejos humanos.
[xv] «Como é possível darmo-nos conta disso, apercebermo-nos de que Deus nos ama e não enlouquecermos também nós de amor? É necessário deixar que essas verdades da nossa fé vão calando na alma, até mudarem toda a nossa vida. Deus amanos! O Omnipotente, o Todo Poderoso, o que fez os céus e a terra» (São Josemaria, Cristo que Passa, 144).

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