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14/02/2018

Leitura espiritual

RESUMOS DA FÉ CRISTÃ


TEMA 7 A elevação sobrenatural e o pecado original

Ao criar o homem, Deus constituiu-o num estado de santidade e de justiça; além disso, deu-lhe a possibilidade de participar na Sua vida divina, com o bom uso da sua liberdade.  

1. A elevação sobrenatural

Ao criar o homem, Deus constituiu-o num estado de santidade e de justiça, oferecendo-lhe a graça de uma autêntica participação na vida divina [i].
Assim interpretaram a Tradição e o Magistério ao longo dos séculos a descrição do Paraíso contida no Génesis.
Este estado denomina-se teologicamente elevação sobrenatural, pois indica um dom gratuito, inalcançável somente com as forças naturais, não exigido, embora congruente, com a criação do homem à imagem e semelhança de Deus.
Para a recta compreensão deste ponto há que ter em conta alguns aspectos:
a) Não convém separar a criação da elevação à ordem sobrenatural. A criação não é “neutra” a respeito da comunhão com Deus, mas está orientada para ela. A Igreja sempre ensinou que o fim do homem é sobrenatural [ii], pois fomos «eleitos em Cristo antes da criação do mundo para sermos santos» [iii].
Quer dizer, nunca existiu um estado de “natureza pura”, pois Deus desde o princípio oferece ao homem a Sua aliança de amor.

b) Embora o facto do fim do homem ser a amizade com Deus, a Revelação ensina-nos que, no princípio da história, o homem se rebelou e recusou a comunhão com o seu Criador: é o pecado original, também chamado queda, precisamente porque antes tinha sido elevado à proximidade divina.
Não obstante, ao perder a amizade com Deus, o homem não fica reduzido ao nada, mas continua a ser homem, criatura.

c) Isto ensina-nos que, embora não convenha conceber o desígnio divino em compartimentos estanques (como se Deus criasse primeiro um homem “completo” e depois “a seguir” o elevasse), hão-de distinguir-se, dentro do único projecto divino, diversas ordens [iv].

Baseada no facto de que o homem com o pecado perdeu alguns dons, mas conservou outros, a tradição cristã distinguiu a ordem sobrenatural (a chamada à amizade divina, cujos dons se perdem com o pecado) da ordem natural (o que Deus concedeu ao homem ao criá-lo e que permanece também, apesar do seu pecado).
Não são duas ordens justapostas ou independentes, pois de facto o natural está, desde o princípio, enxertado e orientado para o sobrenatural; e o sobrenatural aperfeiçoa o natural sem o anular.
Ao mesmo tempo distinguem-se, pois a história da salvação mostra que a gratuidade do dom divino da graça e da redenção é distinta da gratuidade do dom divino da criação, sendo aquela uma manifestação imensamente superior da misericórdia e do amor de Deus [v].

d) É difícil descrever o estado de inocência perdida de Adão e Eva [vi], sobre o qual há poucas afirmações no Génesis [vii].
Por isso, a tradição costuma caracterizar tal estado indirectamente, inferindo, a partir das consequências do pecado narrado em Gn 3, os dons de que gozavam os nossos primeiros pais, que deviam transmitir aos seus descendentes.
Assim, afirma-se que receberam os dons naturais, que correspondem à sua condição normal de criaturas e formam o seu ser criatural.
Receberam também os dons sobrenaturais, quer dizer, a graça santificante, a divinização que essa graça comporta e a chamada última à visão de Deus.
Com estes, a tradição cristã reconhece a existência no Paraíso dos “dons preternaturais”, ou seja, dons que não eram exigidos pela natureza humana, mas congruentes com ela, a aperfeiçoavam na linha natural, e constituíam, afinal, uma manifestação da graça.

Tais dons eram a imortalidade, a isenção de dor (impassibilidade) e o domínio da concupiscência (integridade) [viii], [ix].

2. O pecado original

Com o relato da transgressão humana do mandato divino de não comer do fruto da árvore proibida, por instigação da serpente [x], a Sagrada Escritura ensina que no início da história os nossos primeiros pais se rebelaram contra Deus desobedecendo-Lhe, sucumbindo à tentação de quererem ser como deuses.
Como consequência, receberam o castigo divino, perdendo grande parte dos dons que lhes tinham sido concedidos [xi] e foram expulsos do paraíso [xii].

Isto foi interpretado pela tradição cristã como a perda dos dons sobrenaturais e preternaturais, bem como um dano na própria natureza humana, se bem que não ficasse essencialmente corrompida.
Fruto da desobediência, de se preferirem antes si próprios em vez de Deus, o homem perde a graça [xiii] e também a harmonia com a criação e consigo mesmo: o sofrimento e a morte fazem a sua entrada na história [xiv].

O primeiro pecado teve o carácter de uma tentação aceite, pois por detrás da desobediência humana está a voz da serpente, que representa Satanás, o anjo caído.
A Revelação fala de um pecado anterior, seu e de outros anjos, os quais – tendo sido criados bons – recusaram irrevogavelmente Deus.
Após o pecado humano, a criação e a história ficam sob o influxo maléfico do «pai da mentira e homicida desde o princípio» [xv].
Embora o seu poder não seja infinito, mas muito inferior ao divino, causa realmente danos muito graves em cada pessoa e na sociedade, e o facto da permissão divina da actividade diabólica não deixa de constituir um mistério [xvi].
O relato contém também a promessa divina dum Redentor [xvii].
A Redenção ilumina assim o alcance e a gravidade da queda humana, mostrando a maravilha do amor de um Deus que não abandona a sua criatura, mas que vem ao seu encontro com a obra salvadora de Jesus.
«É preciso conhecer Cristo como fonte da graça para conhecer Adão como fonte do pecado» [xviii].
«”O mistério da iniquidade” [xix] só se esclarece à luz do “Mistério da piedade” [xx]» [xxi].

A Igreja entendeu sempre este episódio como um facto histórico – mesmo que nos tenha sido transmitido em linguagem certamente simbólica [xxii] –, que foi denominado tradicionalmente (a partir de Santo Agostinho) como “pecado original”, por ter ocorrido nas origens.

O pecado não é “originário” – mesmo que “originante” dos pecados pessoais realizados na história –, mas entrou no mundo como fruto do mau uso da liberdade exercida pelas criaturas (primeiro os anjos, depois o homem).

O mal moral não pertence, pois, à estrutura humana, não provém nem da natureza social do homem, nem da sua materialidade, nem, obviamente, sequer de Deus, ou de um destino inamovível.

O realismo cristão põe o homem diante da sua própria responsabilidade: pode fazer o mal como fruto da sua liberdade, e o responsável por isso não é outro, mas ele próprio [xxiii].
 Ao longo da história, a Igreja formulou o dogma do pecado original em contraste com o optimismo exagerado e o pessimismo existencial [xxiv].

Face a Pelágio, que afirmava que o homem pode realizar o bem usando apenas as suas forças naturais, e que a graça é uma mera ajuda externa, minimizando, assim, quer o alcance do pecado de Adão, quer a redenção de Cristo – reduzidos a um mero mau ou bom exemplo, respectivamente –, o Concilio de Cartago (418), seguindo Santo Agostinho, ensinou a prioridade absoluta da graça, pois o homem depois do pecado ficou debilitado [xxv].

Contra Lutero, que defendia que depois do pecado o homem está essencialmente corrompido na sua natureza, que a sua liberdade fica anulada e que em tudo o que faz há pecado, o Concílio de Trento (1546) afirmou a relevância ontológica do baptismo, que apaga o pecado original; embora permaneçam as suas sequelas – entre elas, a concupiscência, que não se há-de identificar, como fazia Lutero, com o próprio pecado – o homem é livre nos seus actos e pode merecer com obras boas, apoiadas pela graça [xxvi].

Santiago Sanz

Bibliografia básica:

Catecismo da Igreja Católica, 374-421. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 72-78. João Paulo II, Creo en Dios Padre. Catequesis sobre el Credo (I), Palabra, Madrid 1996, 219 seg. DS, n. 222-231; 370-395; 1510-1516; 4313. Leituras recomendadas João Paulo II, Memória e Identidad e, Bertrand Editora, Lisboa 2005. Bento XVI, Homilia, 8-XII-2005. Joseph Ratzinger, Creación y pecado, Eunsa, Pamplona 1992.

Notas:






[i] cf. Catecismo, 374, 375
[ii] cf. DS 3005
[iii] Ef 1,4).
[iv] O Concílio de Trento não diz que o homem foi criado na graça, mas constituído, precisamente para evitar a confusão de natureza e graça (cf. DS 1511).
[v] Precisamente por isto se aventou a hipótese teológica da “natureza pura”, para sublinhar a ulterior gratuidade do dom da graça a respeito da criação. Não porque tal estado se tenha verificado historicamente, mas porque em teoria podia ter-se dado, embora de facto assim não seja. Esta doutrina foi estabelecida contra Bayo, uma das suas teses condenadas dizia: «a integridade da primeira criação não foi exaltação indevida da natureza humana, mas a sua condição natural» (DS 1926).
[vi] Esta dificuldade aumenta actualmente devido à influência de uma visão de tipo evolucionista da totalidade do ser humano. Numa visão desse tipo, a realidade evolui sempre de menos para mais, enquanto que a Revelação nos ensina que houve no começo da história uma queda de um estado superior para outro inferior. Isto não quer dizer que não tenha existido um processo de “hominização”, que há que distinguir da “humanização”.
[vii] cf. Gn 1,26-31; 2,7-8.15-25
[viii] cf. Catecismo, 376
[ix] Sobre a imortalidade, que se há-de entender com Santo Agostinho como um não poder morrer (non posse mori), mas um poder não morrer (posse non mori ), é lícito interpretá-la como uma situação na qual o trânsito para um estado definitivo não fosse experimentado com o dramatismo próprio da morte que o homem padece depois do pecado. O sofrimento é sinal e antecipação da morte e por isso a imortalidade trazia com ela, de alguma maneira, a ausência de dor. Isto implicava, também, um estado de integridade no qual o homem dominava sem dificuldade as suas paixões. Tradicionalmente, costuma acrescentar-se um quarto dom, o da ciência, proporcionada ao estado em que se encontravam.
[x] Gn 3,1-13
[xi] vv. 16-19
[xii] v. 23
[xiii] cf. Catecismo, 398399
[xiv] cf. Catecismo, 399-400
[xv] Jo 8,44
[xvi] cf. Catecismo, 391-395
[xvii] Gn 3,15
[xviii] Catecismo, 388
[xix] 2 Ts 2,7
[xx] 1 Tm 3,16
[xxi] Catecismo, 385
[xxii] cf. Catecismo, 390
[xxiii] cf. Catecismo, 387
[xxiv] cf. Catecismo, 406
[xxv] cf. DS 223.227; cf. também o Concilio II de Orange, no ano 529: DS 371-372
[xxvi] cf. DS 1511-1515

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