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11/02/2018

Leitura espiritual

RESUMOS DA FÉ CRISTÃ

TEMA 6 A Criação

A doutrina da Criação constitui a primeira resposta às questões fundamentais sobre a nossa origem e o nosso fim.

Introdução

A importância da verdade da criação baseia-se «no fundamento de todos os projectos divinos de salvação; [...] é o primeiro passo para a Aliança do Deus único com o seu povo; é o início da história da salvação que culmina em Cristo» [i].

Quer a Bíblia [ii] quer o Credo começam com a profissão de fé em Deus Criador.

A diferença dos outros grandes mistérios da nossa fé – a Trindade e a Encarnação – a criação é «a primeira resposta às questões fundamentais do homem acerca da sua própria origem e do seu fim» [iii], que o espírito humano coloca e pode também, em parte, responder, como mostra a reflexão filosófica e os relatos das origens pertencentes à cultura religiosa de tantos povos [iv], não obstante, a especificidade da noção de criação, somente se captou, de facto, com a revelação judaico-cristã.

A criação é, pois, um mistério de fé e, ao mesmo tempo, uma verdade acessível à razão natural [v].

Esta peculiar posição entre fé e razão, faz da criação um bom ponto de partida na tarefa de evangelização e diálogo que os cristãos estão sempre – particularmente nos nossos dias [vi] – chamados a realizar, como já fizera São Paulo no Areópago de Atenas [vii].

Costuma fazer-se a distinção entre acto criador de Deus – a criação active sumpta – e realidade criada, que é efeito de tal acção divina – a criação passive sumpta [viii].

Seguindo este esquema expõem-se a seguir os principais aspectos dogmáticos da criação.

1. O acto criador

1.1. «A criação é obra comum da Santíssima Trindade» [ix]
A Revelação apresenta a acção criadora de Deus como fruto da Sua omnipotência, da Sua sabedoria e do Seu amor.

Costuma atribuir-se a criação, particularmente, ao Pai [x], assim como a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito Santo.

Do mesmo modo, as obras “ad extra” da Trindade – a primeira delas, a criação – são comuns a todas as Pessoas e, por isso, é lógico perguntar qual o papel específico de cada Pessoa na criação, pois «cada pessoa divina realiza a obra comum segundo a Sua propriedade pessoal» [xi].

É este o sentido da, igualmente, tradicional apropriação dos atributos essenciais – omnipotência, sabedoria, amor – respectivamente, ao operar criador do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

No Símbolo niceno-constantinopolitano confessamos a nossa fé «num só Deus, Pai omnipotente, criador do céu e da terra»; «num só Senhor Jesus Cristo [...] por quem tudo foi feito»; e no Espírito Santo «Senhor que dá a vida» [xii].

A fé cristã fala, portanto, não somente de uma criação ex nihilo, do nada, que indica a omnipotência de Deus Pai; mas também de uma criação feita com inteligência, com a sabedoria de Deus – o Logos por meio do qual tudo foi feito [xiii]; e de uma criação ex amore [xiv], fruto da liberdade e do amor que é o próprio Deus, o Espírito que procede do Pai e do Filho.

Em consequência, as processões eternas das Pessoas estão na base do Seu operar criador [xv].

Assim, como não há contradição entre a unicidade de Deus e ser três pessoas, de modo análogo não se contrapõe a unicidade do princípio criador com a diversidade dos modos de operar de cada uma das Pessoas.

«Criador do céu e da terra»

«”No princípio, Deus criou o céu e a terra”.

Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: Deus eterno deu um princípio a tudo quanto existe fora d’Ele.

Só Ele é criador (o verbo “criar” – em hebreu bara – tem sempre Deus por sujeito).

E tudo quanto existe (expresso pela fórmula “o céu e a terra”) depende d’Aquele que lhe deu o ser» [xvi].

Só Deus pode criar em sentido próprio [xvii], o que implica originar as coisas a partir do nada – ex nihilo – e não a partir de algo preexistente; para isso requer-se uma potência activa infinita, que só a Deus corresponde [xviii].

É congruente, portanto, apropriar a omnipotência criadora ao Pai, já que Ele é na Trindade (segundo uma clássica expressão) fons et origo, quer dizer, a Pessoa de quem procedem as outras duas, princípio sem princípio.

A fé cristã afirma que a distinção fundamental na realidade é a que se dá entre Deus e as Suas criaturas.

Isto supôs uma novidade nos primeiros séculos, nos quais, polaridade entre matéria e espírito motivava visões inconciliáveis entre si (materialismo e espiritualismo, dualismo e monismo).

O cristianismo quebrou estes moldes, sobretudo com a sua afirmação de que também a matéria, como o espírito, é criação do único Deus transcendente. Mais tarde, São Tomás desenvolveu uma metafísica da criação que descreve Deus como o próprio Ser subsistente – Ipsum Esse Subsistens.

Como causa primeira, é absolutamente transcendente ao mundo e, ao mesmo tempo, em virtude da participação do Seu ser nas criaturas, está presente intimamente nelas, as quais dependem, em tudo, d’Aquele a que pertence a fonte do ser.

Deus é superior summo meo e ao mesmo tempo, intimior intimo meo [xix].

(cont)

Santiago Sanz





[i] Compêndio, 51
[ii] Gn1, 1
[iii] Compêndio, 51
[iv] cf. Catecismo, 285
[v] cf. Catecismo, 286
[vi] Entre outras muitas intervenções, cf. Bento XVI, Discurso aos membros da Cúria romana, 22-XII-2005; Fé, Razão e Universidade (Discurso em Regensburg), 12-IX2006; Angelus, 28-I-2007.
[vii] Act17, 16-34
[viii] cf. São Tomás, De Potentia, q. 3, a. 3, co.; o Catecismo segue este mesmo esquema.
[ix] Catecismo, 292
[x] cf. Compêndio, 52
[xi] Catecismo, 258
[xii] DS 150
[xiii] Jo 1, 3
[xiv] GS 19
[xv] cf. São Tomás, Super Sent., lib. 1, d. 14, q. 1, a. 1, co.: «são a causa e a razão da processão das criaturas».
[xvi] Catecismo, 290
[xvii] Por isso se diz que Deus não necessita de instrumentos para criar, já que nenhum instrumento possui a potência infinita necessária para criar. Daí também que, quando se fala, por exemplo, do homem como criador ou inclusive como capaz de participar no poder criador de Deus, o emprego do adjectivo “criador” não é analógico mas metafórico.
[xviii] cf. Catecismo, 296-298
[xix] Santo Agostinho, Confissões, 3, 6, 11; cf. Catecismo, 300

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