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25/01/2018

Leitura espiritual

CAPÍTULO IV

«ELE É O VERDADEIRO DEUS E A VIDA ETERNA»            

Divindade de Cristo e anúncio da eternidade

3. Passar do dogma para a vida

5. Nostalgia da eternidade!

Dizia eu que a eternidade não é para os crentes somente uma nostalgia do ”Totalmente Outro”. E, no entanto, ela é isso também.
Não é que eu acredite na preexistência das almas e que caímos depois do tempo, após termos vivido antes da eternidade como pensavam Platão e Orígenes.
Falo aqui de nostalgia no sentido em que nós fomos criados para a eternidade e trazemos no coração o natural anseio pela eternidade e é por isso que o nosso coração se inquieta e fica insatisfeito enquanto não repousa nela.
Aquilo que Stº Agostinho dizia da felicidade, podemos nós dizê-lo também da eternidade:
«Onde terei conhecido eu a eternidade se tanto a recordo e desejo?» [i].

A que estado fica reduzido o homem, se se lhe retira a eternidade do coração e da mente?
Altera-se-lhe a natureza, no sentido forte do termo, se é verdade como diz a própria filosofia, que o homem “é um ser finito, capaz de infinito”.
Se se negar o eterno no homem, então deve-se exclamar, como Nacbeth depois de ter morto o rei:
“Não há nada de sério na vida mortal, é tudo um artifício; a glória e a honra morreram; o vinha da vida foi derramado” [ii].

Mas creio que se pode falar de nostalgia de eternidade também num sentido mais simples e concreto.
Quem é que, ao recordar os anos da sua juventude, se não lembra de um momento ou de uma circunstância da vida em que teve como como que um certo vislumbre da eternidade, mesmo que porventura não consiga agora reconstituir esse momento?
Lembro-me de um momento desses da minha vida.
Era eu ainda bastante jovem. Era Verão e cheio de calor tinha-me deitado de costas na relva.
O meu olhar fora atraído pelo céu azul, o qual era atravessado somente por uma ou outra nuvem muito branca E eu dava largas à minha imaginação:
‘O que é que existe para lá daquela abóboda azul? E mais acima? E aina mais acima?’
E, assim, em ondas sucessivas, a minha mente elevava-se para  o infinito e perdia-se, como quem fixando o sol, fica deslumbrado e não enxerga mais nada. O infinito do espaço fazia reviver o infinito do tempo.
‘Que significa – dizia para mim mesmo – a eternidade? Sempre, nunca, sempre, nunca! Mil anos passados são somente o começo; milhões e biliões de anos são ainda só o começo’.
De novo, a minha mente se perdia,  mas era uma sensação agradável que me fazia crescer.
Compreendia aquilo que o poeta Giacomo Leopardi escreve no seu livro “O Infinito”:
“É suave para mim naufragar neste mar”.
Eu percebia aquilo que o poeta queria dizer quando fala dos “intermináveis espaços e silêncios sobre-humanos” que chegam à mente. Posso agora dizer aos jovens:
‘Parai, estendei-vos vós também, se necessário, sobre a relva e lançai o vosso olhar, com calma, para o céu. Não queirais procurar o calafrio do infinito noutro lugar, como a droga, onde só há engano e morte.
Existe uma outra maneira, bem diferente para sair dos “limites” e se experimentar a emoção genuína da eternidade.
Procurai o infinito nas alturas e não cá em baixo.
Procurai-o acima e não abaixo de vós’.

Eu sei o que é que muitas vezes nos impede de falar assim, e qual é a dúvida que tira aos crentes essa “franqueza”.
O peso da eternidade poderá ser desmedido e maior que o peso das amarguras; mas nós carregamos a nossa cruz no tempo e não na eternidade; caminhamos na fé, não na visão, como diz o Apóstolo [iii].
Na verdade, não temos nada para opor aos atractivos das coisas visíveis a não ser a esperança das coisas invisíveis; nada temos para opor ao prazer senão a promessa da vida eterna.
“Queremos ser felizes nesta carne e é tão doce esta vida” – diziam já os contemporâneos de Stº Agostinho.

Mas é este, precisamente, o erro que nós, crentes, temos de banir.
De facto, não é verdade que a eternidade cá em baixo seja somente uma promessa e uma esperança.
É também uma presença e uma experiência!
Lembremos aqui o que aprendemos sobre o dogma cristológico.
Em Cristo, «a vida eterna que estava com o Pai fez-se visível». Nós – diz João – ouvimo-la, vimo-la com os nossos olhos, contemplámo-la, tocámo-la com as nossas mãos [iv].
Com Cristo, Verbo Encarnado, a eternidade irrompeu no tempo, e nós experimentamo-la todas as vezes que cremos, porque aquele que crê «possui já a vida eterna» [v]; todas as vezes que na Eucaristia, recebemos o Corpo de Cristo; todas as vezes que ouvimos, de Jesus, «as palavras de vida eterna» [vi].

É uma experiência provisória e imperfeita, mas verdadeira e suficiente para nos dar a certeza de que a eternidade existe verdadeiramente, de que o tempo não é tudo.



(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Cfr. Stº Agostinho, Confissões, X, 21
[ii] W. Shakespeare, Macbeth, II act. Cena 3
[iii] 2Cor 5,7
[iv] Cfr. IJo 5,13
[v] Cfr.IJo5,13
[vi] Cfr JO 6,68.

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