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24/01/2018

Leitura espiritual

CAPÍTULO IV

«ELE É O VERDADEIRO DEUS
                          E A VIDA ETERNA»            

Divindade de Cristo e anúncio da eternidade

3. Passar do dogma para a vida

4. Eternidade, eternidade!

…/3

S. Francisco Assis, no célebre “Capítulo das esteiras”, fez um memorável sermão aos seus frades sobre este tema:
«Meu filhos nós prometemos a Deus grandes coisas, mas as coisas que Deus nos prometeu a nós são muito maiores.
Cumpramos as que Lhe prometemos e esperemos com confiança asque Ele nos prometeu.
Os prazeres do mundo são passageiros, porém as penas que deles resultam são eternas.
É Pequeno o sofrimento desta vida, ao passo que a glória da outra vida é infinita» [i].
O nosso amigo filósofo Kierkegaard exprimia, com uma linguagem mais esmerada, este mesmo conceito de S. Francisco de Assis:
«Sofre-se uma só vez, porém o triunfo é eterno. Que quer isto dizer?
Que se triunfa também uma só vez?
Certamente.
Todavia, há uma diferença infinita: o período do sofrimento é o instante, ao passo que o período do triunfo é a eternidade; a fase do sofrimento, uma vez passada, não se repete; igualmente, mas noutro sentido, a fase do triunfo também não se repete porque nunca passa; o período do sofrimento é uma passagem ou uma transição; o período do triunfo dura eternamente» [ii].

Vamos imaginar um numeroso grupo de pessoas heterogéneas e atarefadas.: a quem trabalhe, quem ria, quem chore, quem ande de um lado para o outro e quem esteja, à parte, amargurado.
Eis que chega, então, ofegante, um ancião vindo de longe e vai segredar uma palavra aos ouvidos da primeira pessoa que encontra.
Sempre correndo, o ancião repete essa palavra a uma outra pessoa.
Que ouviu essa palavra corre a repeti-la também a outra, e assim sucessivamente.
Assiste-se então a uma mudança inesperada: aquele que estava apartado e amargurado levanta-se e corre para sua casa a fim de repetir aquela palavra aos seus familiares; aqueles que andavam atarefados, param e voltam para trás; alguns que litigavam e estavam prestes a agredir-se acabam por se abraçar chorando.
Que palavra foi essa que provocou uma tal mudança?
Foi a palavra “eternidade”.

A humanidade inteira é essa multidão.
E a palavra que deve correr no meio dela, como um archote ardente, como o sinal luminoso que as sentinelas antigamente transmitiam entre si de uma guarita para outra, é precisamente a palavra: “Eternidade, eternidade!”

A Igreja deve ser aquele velho mensageiro.
Ela deve fazer ressoar aos ouvidos das pessoas e proclamar por toda a parte essa palavra.

Mal seria se também a Igreja perdesse “a medida”; seria como se o sal perdesse o sabor
Quem preservará então a vida da corrupção e da vaidade?

Quem terá a coragem de repetir aos homens de hoje aquele verso tão cheio de sabedoria cristã:
“Tudo, a não ser o que é eterno, no mundo é vão”?

Tudo é vão a não ser o que é eterno e aquilo que, de algum modo, conduz a ele.

Filósofos, poetas, todos podem falar de eternidade e de infinito, mas só a Igreja como guardiã do mistério do homem Deus pode fazer desta palavra mais do que um vago sentimento de “nostalgia do Totalmente Outro”.

Existe, de facto, também este perigo: que “que se arraste a eternidade no tempo como um espectáculo para a fantasia”.

“Representada assim ela exerce um efeito fascinante; não se sabe se é o sonho ou a realidade; a eternidade olha para o tempo com olhos melancólicos, meditabundos, sonhadores”.

O Evangelho impede que se esvazie assim a eternidade, indicando-nos de imediato o discurso daquilo que se deve fazer:

«Que devo fazer para obter a vida eterna» [iii].

A eternidade torna-se o grande “objectivo” da vida no qual nos devemos empenhar noite e dia.


(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Fioretti, cap. XVII
[ii] S. Kierkegaard, Discursos cristãos, II, I.
[iii] Lc 18,18

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