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17/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

Capítulo III

ACREDITAS?

A divindade de Cristo no Evangelho de S. João


6. “Corde creditur: Crê-se com o coração.”

Tudo isto nos estimula a fazermos uma purificação da nossa fé.
S. Paulo que «crê-se com o coração, para alcançar ajustiça, e com a boca faz-se a profissão de fé, para alcançar a salvação» [i].
Na perspectiva católica, a profissão da fé, isto é, o segundo momento deste processo, ganhou por vezes tanto relevo que deixou na sombra o primeiro momento, o qual é o mais importante e se desenrola nas profundezas recônditas do coração.
«É das raízes do coração donde brota a fé» [ii].
Corde creditur, crê-se com o coração, ou melhor, não se crê verdadeiramente senão com o coração.

Este primeiro acto de fé, precisamente porque nasce do coração, é um acto “singular”, que só pode ser feito por cada um de nós, em total recolhimento com Deus.
No evangelho de S. João ouvimos Jesus fazer repetidamente a pergunta:
«Acreditas?»
Faz esta pergunta ao cego de nascença, depois de o ter curado:
«Acreditas no Filho do Homem?» [iii];
Faz a mesma pergunta a Marta:
«Acreditas nisto?» [iv];
E esta pergunta faz brotar sempre do coração o grito da fé:
«Sim, Senhor, eu creio!».
O símbolo da fé da Igreja também começa assim, no singular:
«eu creio…» e não: «nós cremos…».

Quando a palavra “creio!” é pronunciada assim, em estado de verdadeira confissão, esse é o instante em que o tempo se abre para a eternidade «quem acredita n’Ele tem a vida eterna», ainda que esse instante se possa perfeitamente colocar num estado ou num acto permanente de fé e não nascer do nada e acabar em si mesmo.
Este é o caso mais sublime e poético da “revelação do ser”; o ser escondido na própria palavra do homem Jesus ou na própria palavra “Deus” revela-Se, ilumina-Se e então – dizia S. João – acontece que se vê e se contempla a glória de Deus.
Não se crê somente, mas também se reconhece, se vê e se contempla:
«Nós acreditámos e conhecemos» [v];
«Nós comtemplámos a Verdade da vida» [vi]

Através do baptismo, a Igreja antecipou e prometeu a Deus a minha fé; tornou-se garante para mim, ainda criança, de que um dia mais tarde, tornado adulto, eu viria também a crer.
Agora tenho de demonstrar que a Igreja não se enganou a meu respeito.
Não posso crer por interpostas pessoas ou interpostas instituições.
Não deve ser a Igreja a crerem vez de mim.
“Acreditas?”.
Não nos podemos refugiar na multidão nem entrincheirar atrás da Igreja.
Temos de aceitar também nós passar através deste momento e sujeitar-nos a este exame.
Não podemos considerar-nos dispensados.
Se àquela pergunta de Jesus responderes prontamente e sem reflectires: “é claro que creio!” e achares, porventura, estranho que uma pergunta deste género seja dirigida a um crente, a um Sacerdote ou a um Bispo, provavelmente quer dizer que ainda não descobriste o que significa crer verdadeiramente que Jesus é Deus e que nunca desceste às profundezas da fé.
Nunca experimentaste a grande vertigem da razão que precede o acto de fé.
É uma fé que ainda não passou através do escândalo.

Sucedeu que em determinado momento os discípulos pensavam ter chegado ao vértice da fé:
«Agora – disseram a Jesus – sabemos que Tu sabes tudo… Por isso acreditamos que Tu vieste de Deus».

Jesus responde: «Credes agora?», e então pronunciou-lhes de daí a pouco tempo se escandalizariam d’Ele e todos se dispersariam, deixando-O sozinho [vii].
Quantas vezes a nossa fé em Jesus se assemelha à dos discípulos nesta circunstância!
Estamos certos, ingenuamente, que acreditamos intensa e definitivamente, a passo que Jesus, que nos conhece, sabe bem que apenas cheguem as provações, a realidade será bem diferente e demonstrará que afinal não acreditamos n’Ele verdadeiramente.
Aquela expressão «agora cremos!» faz recordar muitas vezes o retrato da nossa fé.

A verdadeira fé é aquela que advém depois de se terem superado os baixios perigosos das provações e do escândalo e não aquela que nunca sentiu essas dificuldades.
Se alguém, por força de tanto ter ouvido falar disso, considerar quase natural que Jesus – este homem – é Deus, e Deus é homem, isso é um deplorável sinal de superficialidade que ofende a Deus tanto ou mais ainda do que a incredulidade de quem considera isso demasiado sublime, algo demasiado indigno de Deus e impossível, tão grande é a ideia que tem da diferença qualitativa e infinita entre Deus e o homem.
Não se deve menosprezar aquilo que Deus levou a cabo fazendo-Se homem, como se isso fosse coisa normal e compreensível.

Antes de tudo, é preciso destruir em nós crentes, e em nós homens da Igreja, a falsa persuasão de que já cremos; é preciso provocar a dúvida – não a respeito de Jesus, claro, mas a nosso respeito – para, então, podermos ir à procura de uma fé mais autêntica.
Quiçá não seja benéfico que, por uns tempos, não se queira revelar nada a ninguém, mas se procure interiorizar a fé e redescobrir as suas raízes no coração!
Jesus perguntou a Pedro por três vezes:
«Tu amas-me
Sabia que à primeira e à segunda vez, a resposta tinha sido demasiado depressa, para ser a verdadeira.
Finalmente, à terceira vez, Pedro compreendeu.
Também a pergunta sobre a nossa fé nos deve ser posta assim: por três vezes, com insistência, a fim de também nós compreendamos e entremos na verdade:
‘Acreditas? Acreditas? Acreditas? Crês verdadeiramente?’
No fim, talvez tenhamos que responder:
‘Não, Senhor, eu não creio verdadeiramente. Ajuda-me a superar a minha incredulidade!’

(cont)

rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Rm 10,10
[ii] Stº Agostinho, In Ioh. 26,2 (PL. 35,1697)
[iii] Jo 9,35
[iv] Jo 11,26
[v] Jo 1,14
[vi] Cfr. I Jo 1,1
[vii] Cfr. Jo 16,29-32

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