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16/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

Capítulo III

ACREDITAS?

A divindade de Cristo no Evangelho de S. João


1.       «Bem-aventurado aquele que não se escandaliza por causa de Mim»

Ninguém pode, portanto, tornar-se crente, segundo esta perspectiva, sem caminhar para Cristo no Seu estado de submissão, como sinal de escândalo e objecto de fé.

Ele ainda não voltou na Sua Glória e é para sempre Aquele que Se rebaixou.
A esta visão falta qualquer coisa, é verdade.
Falta a atenção que é devida à Ressurreição de Cristo.
Nós, hoje, encontramos Aquele que Se rebaixou e que foi exaltado, e não somente Aquele que foi rebaixado.
Falta também. a devida atenção ao testemunho apostólico.
O Espírito Santo -Dizia Jesus - «dará testemunho de Mim, e também vós dareis testemunho de Mim» [i].
Nós somos testemunhas desses factos – dizias. Pedro, falando da Ressurreição de Cristo- tanto nós como o Espírito Santo que Ele deu aqueles que a Ele se submeteram [ii].
Por isso não é de todo exacto dizer-se que não há senão uma prova do cristianismo: a prova interior, o argumentum Spirictus Sancti» [iii].
Há uma prova invisível constituída pelo testemunho do Espírito e uma prova exterior diferente, mas também ela importante, constituída pelo testemunho dos Apóstolos.
Para além da dimensão pessoal, existe na fé uma dimensão comunitária:
«O que nós vimos e ouvimos, nós vo-lo anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco» [iv].
A afirmação de Kierkegaard, segundo a qual a única verdadeira relação com Cristo não acontece graças aos “dezoito séculos” de história do cristianismo, mas sim graças à contemporaneidade, é uma afirmação que deve ser esclarecida.
Os dezoito séculos de história e a contemporaneidade não devem contrapor-se, mas manter-se unidos.
A contemporaneidade, tal como a entende o Novo Testamento, não é outra coisa senão o Espírito Santo que é precisamente a presença e a permanência de Jesus no mundo e Aquele que «permanece connosco para sempre» [v]; os dezoito séculos – agora já á passados vinte – em termos teológicos, não são outra coisa senão a Igreja.
Na perspectiva católica, por isso, o Espírito Santo e a Igreja são as condições peculiares da possibilidade da nossa relação com Cristo, relação que se torna importante, é verdade, somente através da fé e da imitação do modelo que é Cristo.

Porém, não obstante estas reservas, existe naquela descrição da fé na divindade de Cristo um profundo elemento de verdade, do qual é necessário tomarmos consciência, especialmente nós católicos.
De facto, que queriam dizer, em palavras mais simples, todas aquelas afirmações de Kierkegaard sobre o crer enquanto contemporâneos?
Queriam dizer que crer na divindade de Cristo é tarefa de cada um de nós,
Crer em situações de contemporaneidade significa também crer na solidão.
A divindade de Cristo – dizia eu mais tarde – é o Evereste da fé.
Mas na escalada deste Evereste não há carregadores, “sherpas” para nos transportarem a nós e à nossa bagagem até uma determinada cota, deixando-nos somente a tarefa de caminharmos os últimos metros.
Cada um de nós deve fazer por completo essa escalada.
Trata-se, na verdade, de um salto infinito, onde um século ou um milénio a mais nada acrescentam ou diminuem.
O facto de serem apenas dois, ou dois biliões, os que creem, isso não muda essencialmente a dificuldade dessa tarefa.
É claro que se houver outros crentes à nossa volta, isso pode servir-nos de ajuda na nossa crença, mas tal não é ainda crer naquele sentido peculiar que tem por motivo somente Deus.
Não podemos, por isso, raciocinar que os crentes que nos antecederam tivessem tido a tarefa mais difícil e a nós coubesse somente trabalho de concluir o seu esforço.
Se assim fosse, deveria ser progressivamente cada vez mais fácil acreditar em Cristo, à medida que se avança na história; pelo contrário, verificamos que não é isso que sucede.
Não é mais fácil ou mais difícil crer hoje que nos tempos de João, de Atanásio, ou de Lutero.
Tudo assenta sobre a “força demonstrativa que tem de per si a Palavra de Deus operante nas palavras e nos actos de Jesus” e sobre o facto que ela encontre ou não uma disposição para a acolher.

Não há dúvida que existem “sinais” e “actos”.
Jesus aponta frequentemente para eles.
Jesus dizia que, ao menos, acreditassem nas Suas obras, e que se Ele não tivesse feito tantos milagres, persistiam mil razões para permanecer na incredulidade.
«Apesar de tantos prodígios que fizera na sua presença, não acreditavam n’Ele» diz o Evangelista [vi].
A história do cego de nascença serve para ilustrar precisamente Este facto: que mesmo perante o mais clamoroso dos milagres permanece a possibilidade de alguém se abrir ou fechar para a luz.
Uma outra vez, tinha Jesus acabado de fazer o grande prodígio da multiplicação dos pães, e já alguns Lhe faziam a seguinte pergunta:
«Que milagres fazes Tu, para que possamos crer em Ti» [vii], como se o milagre acabado de fazer não tivesse relevância.
De resto, é o próprio Jesus que nos põe de sobreaviso em relação a uma fé baseada somente nos milagres; desconfia daqueles que, se não virem prodígios, não creem [viii]. E quando alguns, «vendo os milagres, acreditaram n’Ele, diz o Evangelista que Jesus não acreditava neles» [ix].

É, preciso, portanto, não depreciar os sinais.
Se existe uma certa predisposição interior para reconhecer a Verdade, as obras de Cristo são a prova evidente de que nelas age o próprio poder divino e que, por consequência, Jesus era o Mediador de vida eterna.
Mas que peso poderiam ter essas obras e esses prodígios, fora do momento em que foram feitos?
Bastariam para se concluir que se tratava de Deus em pessoa?
O mundo helenístico não conhecia ele também tantos outros taumaturgos, isto é, operadores de prodígios?
Por isso é preciso concluir que, para S. João, as obras de Cristo não se resumiam a algumas curas esporádicas, mas a toda a Sua obra, de ter trazido à terra a vida eterna.
Quem escutava a boa nova era convidado a considerar se, de facto, não se poderia encontrar na Igreja um novo género de vida [x].
Mas tal experiência só poderia ser feita indo ao encontro de Cristo, isto é, acreditando n’Ele.
E isto demonstra, mais uma vez, que somente na fé se obtém o conhecimento suficiente sobre Jesus e que a fé é testemunho de si mesma.

(cont)

rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Jo 15, 26-27
[ii] Cf. Act 5,12
[iii] Cf. S. Kierkegaard, Diário, ário, X I A, 481
[iv] 1 Jo 1,3
[v] Jo 14,16
[vi] Jo 12,37
[vii] Jo 6,36
[viii] Cf. Jo 4,48
[ix] Cf. Jo 2,23
[x] Ch. C. H. Dodd, op. Cit., P. 409

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