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11/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

CAPÍTULO II

JESUS CRISTO, O HOMEM NOVO

1.       «Se o Filho vos libertar…»

Tudo isto resume a proclamação de Cristo homem novo.
Mas, mais ainda que proclamar ao mundo o homem novo, nós somos chamados a revestir-nos dele e a vive-lo:
Deveis despojar-vos do homem velho segundo o qual foi a vossa antiga conduta, homem que se corrompe seguindo as paixões enganadoras, e deveis renovar-vos no espírito da vossa mente e revestir-vos do homem novo, que foi criado segundo Deus na justiça e na verdadeira santidade [i].

Nós não podemos imitar Cristo enquanto Deus, fazendo milagres ou ressuscitando. Além disso, não devemos imitá-lo enquanto homem verdadeiro, já que, pelo contrário, como homem, foi ele quem nos imitou a nós.

(Fala-se sempre - diz Deus - da imitação de Jesus Cristo.
Que é a imitação, a fiel imitação do Meu Filho por parte dos homens... mas, afinal, é preciso não esquecer que o Meu Filho tinha começado com aquela extraordinária imitação do homem. Uma imitação extraordinariamente fiel, porque foi levada até à identidade perfeita. Quando tão fielmente e tão perfeitamente Ele se revestiu do género humano, quando tão fielmente e tão perfeitamente o imitou no nascimento, no sofrimento, na vida e na morte [ii].

Nós, portanto, não podemos imitar Jesus enquanto Deus e não devemos imitá-lo enquanto verdadeiro homem.
Mas podemos e devemos imitar Jesus Cristo enquanto homem novo, homem sem pecado.

Todos nós podemos proclamar ao mundo o Cristo homem com a palavra e a escrita. Fê-lo em várias ocasiões o Concílio Vaticano II, e fá-lo frequentemente, nos seus discursos e sobretudo na Encíclica O Redentor do Homem, o Papa João Paulo II.
Mas todos podem vivê-lo e testemunhá-lo em si mesmos.
São Francisco de Assis pouco falou do homem novo, porém todos os Seus biógrafos, depois da sua morte, exprimem a mesma convicção: com ele tinha aparecido no mundo o homem novo: Gentes de todas as idades acorriam para ver e ouvir aquele homem que tinha sido dado pelo Céu ao mundo, [iii]

Também aquele que é chamado a proclamar com a palavra, ao mundo de hoje, o homem novo que é Cristo, sabe que, afinal, as suas palavras somente serão credíveis com o testemunho da sua vida e, ainda mais ainda, da sua morte.
Nós os crentes entristecemo-nos por vezes face à cegueira e à dureza de coração dos nossos contemporâneos que exaltam a independência e a autonomia absoluta do homem, tanto em relação à moral como a Deus.
Ficamos verdadeiramente estupefactos perante a enormidade e a hybris de certas declarações como as que atrás foram recordadas.

Apercebemos que nada podemos fazer, que as palavras não são suficientes e que os apelos mais autorizados, como os lançados pelo Concílio Vaticano II, caem em saco roto.
Pois bem, há uma coisa que podemos fazer e é precisamente a de não procederemos como eles, e de não os limitarmos!

Não façamos nós também da nossa liberdade e independência um tesouro ciumento que ninguém pode tocar, como se fosse um ídolo.
Vejo de facto em mim mesmo, sem necessidade de ir mais longe, como é fácil reconhecer a gravidade daquelas declarações de autonomia absoluta, escritas nos livros dos filósofos e posta em prática pelos homens meus contemporâneos, sem me dar contra, pelo contrário, de quantas vezes elas estão presentes na minha própria vida e têm tanta influência nas minhas opções.
O homem velho possui um exército aguerrido em defesa da sua liberdade.
Está disposto a sacrificar quase tudo, até a saúde, mas não a sua liberdade.
Tudo - diz ele - menos a liberdade!
E, no entanto, é essa mesma liberdade que devemos restituir a Deus, pois foi daí também que começou o caminho do afastamento de Deus.

Teremos, então, que levar muito a sério o convite para nos despojarmos do homem velho com as suas concupiscências. Despojar-vos do homem velho significa renunciar à nossa vontade, e revestirmo-nos do homem novo significa abraçarmos a vontade de Deus. Todas as vezes que decidirmos, mesmo nas coisas mais pequenas, contrariar a nossa vontade carnal e renegar-nos a nós próprios, danos mais um passo em direção a Cristo homem novo.
Está escrito dele que não procurou agradar a si próprio: Christian non sibi placuit [iv].
Está é uma espécie de regra geral para o discernimento dos espíritos.
Não procurar e não fazer de imediato aquilo que, humanamente falando, nos agradaria fazer ou dizer.
Nós não podemos saber, em todas as circunstâncias, qual é a vontade de Deus que devemos fazer, e o que Deus quer e não quer de nós; em compensação sabemos qual é a nossa vontade de não a fazer. Reconhecemo-la através de certos sinais infalíveis, conhecidos por todos os que estão habituados a examinar-se a si próprios. Aprendamos a repetir também nós, como uma espécie de jaculatória, perante todas as dificuldades e dúvidas, aquilo que Jesus dizia:

«Não busco a Minha vontade, mas a vontade daquele que Me enviou [v]; desço do Céu, não para fazer a Minha vontade, mas a vontade daquele que Me enviou» [vi].
Não estou aqui neste emprego, nesta situação, para fazer a Minha vontade, mas a vontade de Deus!
A novidade do homem novo mede-se como já vimos, pela Sua obediência e conformidade à vontade de Deus.

(cont)

rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Ef 4,22-24
[ii] Ch. Péguy, «O mistério dos Santos inocentes», in Oeuvres poétiques, Paris, 1975, p. 692
[iii] S. Boaventura, Legendas Maior, IV, 5 (FF, n. 1072).
[iv] Rom 15,13
[v] Jo 5,30
[vi] Jo 6,38

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