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25/12/2017

Natal. É Deus que nos pede esmola. (2017)

Neste Natal em que tanta gente tem de recorrer à esmola e tanta outra procura atender generosamente essa dolorosa necessidade, é bom ver Nosso Senhor também a pedir esmola e a agradecer a esmola que Lhe dermos, a Ele directamente, pelo amor, e a todos os que passam fome e com quem Ele se identificam: «Porque tive fome e me destes de comer, sede e me destes de beber, estava nu e me vestistes…», enfim, porque «tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes…» (Mt 25, 35 e 40).

Grande mistério, que a todos nos comove: o próprio Deus, Deus Criador e Omnipotente, a pedir e a agradecer esmolas das suas criaturas!

É uma verdade estranha, mas evidente; e quanto mais evidente, mais estranha parece. Mas não veio Ele pedir-nos licença de entrar neste nosso mundo? Ele, que é o Senhor do mundo; Ele, «em Quem nós nos movemos, existimos e somos» (Act 17, 28); Ele que nos criou e nos mantém na existência; Ele, Deus todo-poderoso; não envia porventura um embaixador insigne, um Príncipe celestial, a pedir a uma menina de Nazaré a esmola de O receber no seu seio?
Mistério maravilhoso! Estabelece-se um diálogo diplomático; ela pergunta em que condições o Senhor deseja ser concebido; é esclarecida; e, com a maior simplicidade, responde que sim. - Sim, Senhor Embaixador, aceito Deus como meu Filho. Pode entrar no meu seio desde já. «Faça-se em mim, segundo a tua palavra» (Lc 1, 38).

Porque é que o Senhor é tão cerimonioso e delicado? Porque precisa de nos pedir licença para encarnar?

Reparemos na diferença entre a filiação humana e a procriação animal: a mesma que há entre o homem e o animal - a consciência e a liberdade. A geração humana é consciente e livre; a procriação animal é inconsciente e fatal.

Nosso Senhor quis ser verdadeiramente «filho do homem», isto é, verdadeiro homem, entrando no mundo segundo uma autêntica e plena geração humana. Podia ter assumido natureza humana sem mãe nem pai, mas nesse caso seria para nós um extra-terrestre; teria uma natureza igual à nossa, mas não faria parte da nossa natureza. Não faria parte da humanidade que vinha salvar. Ou podia nascer de uma mulher, sem lhe pedir licença, mas, nesse caso, não teria verdadeira mãe, não seria verdadeiro filho nosso, da nossa raça; seria um intruso; a sua entrada no mundo seria uma violência divina.

Nosso Senhor fez-Se verdadeiro pedinte. Pediu primeiro um coração e um seio maternos. As crianças não pedem a sua própria concepção, porque só existem a partir dela; mas Cristo é anterior à sua própria concepção, e pediu-a expressamente. E continuou a pedir: pediu para vir ao mundo dentro de uma família, e isso já foi mais difícil, porque José demorou a compreender o pedido. Foi preciso explicar-lhe que, embora Ele não fosse filho seu pela carne, queria ser Filho seu por vontade divina… E também José acabou por aceitá-Lo como verdadeiro pai. Como dizia Santo Agostinho, «à piedade e caridade de José nasceu o Filho da Virgem Maria, que é o mesmo Filho de Deus». (Sermo 51, 30). Quem afirma que Ele não é filho de José por não ter sido gerado carnalmente, explica o santo doutor, dá mais importância à libido do que ao amor, quando o amor é que determina a paternidade humana (Cf. idem, 26). Enfim, assim como Maria não O gerou pela carne, mas pelo Espírito Santo, também José O recebeu do Pai pelo seu Espírito de Amor.

Pediu um pai, pediu uma família, pediu toda uma parentela, como qualquer homem recebe desde o primeiro momento; pediu que O deixássemos nascer e uma casa onde vir ao mundo… Essa foi a primeira esmola que Lhe recusámos. Fechámos-Lhe todas as portas. E teve de vir à luz na escuridão de uma toca de animais!

«Coitadinho de Nosso Senhor!», dizemos nós agora, como os Pastorinhos em Fátima, ao contemplá-Lo agora no presépio. Tem algum sentido esta exclamação? Sim, é a expressão da nossa misericórdia; misericórdia é a virtude que consiste na compaixão pelas carências alheias e nos leva a socorrer quem padece alguma necessidade; é a virtude que nos leva a partilhar a miséria dos outros e a procurar remediá-la; da misericórdia é que procede a esmola; e a primeira esmola é precisamente a compaixão, a companhia de outrem no seu sofrimento. Mas isto remedeia alguma coisa? Com certeza, sobretudo quando uma das coisas de que o próximo mais necessita é o nosso amor.

Ora, o que buscava Jesus Cristo no mundo não eram certamente as coisas materiais, porque d’Ele é tudo o que existe; o que buscava e continua a buscar é o nosso coração, o nosso amor. Isso era o que mais queria e vinha pedir-nos. Se lho damos agora, estamos a remediar, de facto, o que de nós esperava nessa altura e continua a esperar.

H.A (em «Celebração Litúrgica» 1 /2017-2018)

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