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25/12/2017

Leitura espiritual

MARIA, A MÃE DE JESUS 2


DEUS FALA DE MARIA

É um facto que o Evangelho fala relativamente pouco da Mãe de Jesus. Os textos mais extensos circunscrevem-se, principalmente, à concepção, nascimento e infância de Cristo.
No entanto, se o Evangelho fala pouco, ao mesmo tempo diz muito. Não acompanharemos aqui passo a passo todos os “evangelhos de Maria”.
Debruçar-nos-emos apenas sobre alguns textos evangélicos, guiados pelo desejo de captar o que acima se mencionava:
Que nos diz Deus de Maria?
O que é que Ele pensa e quer dela?
Simultaneamente, guiar-nos-á o propósito de verificar se a devoção a Maria, tal como a vivem os fiéis católicos, está em sintonia com a vontade de Deus.
Para este fim, parece-nos especialmente esclarecedor, como ponto de partida, meditar a narração de São Lucas sobre a Visitação de Maria a sua prima Santa Isabel.

Quando Maria se encaminhou à casa de Isabel, ainda soavam nos seus ouvidos e no seu coração os ecos da mensagem da Anunciação.
No seu seio, o Verbo – a segunda Pessoa da Santíssima Trindade – já se fizera carne.
Ela era mãe e, em seu corpo virginal, trazia Deus feito homem, formava-lhe um corpo.
Por uma alusão incidental do Anjo Gabriel na Anunciação, Maria tomou conhecimento de que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês daquela que se dizia estéril [i].
A sua reação imediata foi pensar que Isabel precisaria de ajuda.
E é por isso que vai sem demora oferecer o seu auxílio à prima idosa, que se preparava para a primeira experiência da maternidade:
Levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel [ii].

Até aqui, o Evangelho apresenta uma cena de delicada caridade.
Mas, a partir desse momento da narrativa, a cena familiar do encontro das duas mulheres eleva-se a um plano diverso, ganhando uma significação inesperada.
Deus intervém.

São Lucas descreve o que se passou com os acentos do imprevisto:
«Aconteceu», diz. Passou-se algo que não era esperado. «Aconteceu que, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seu ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse... [iii]».

Não há a menor dúvida de que o Evangelho mostra neste texto que Deus vai falar por boca de Isabel.
Vai falar como o fizera pelos Profetas, cheios do Espírito Santo; e todos sabemos que a voz dos Profetas era a voz de Deus:
Deus falou outrora muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos Profetas” – assim começa a Epístola aos Hebreus [iv].
Agora dispõe-se a falar de novo.
Pensando bem, o que é que seria lógico esperar dos lábios de Isabel, quando o Espírito Santo a invade – a ela e ao filho que traz nas entranhas –, inundando-a da alegria de receber em sua casa o Salvador de que Maria é portadora, o Messias esperado por séculos e séculos a fio, o próprio Deus habitando entre os homens?
Em princípio, seria razoável esperar que, perante um facto de tal transcendência, Isabel – movida pelo Espírito Santo – entoasse um cântico de adoração e de agradecimento ao Deus, Senhor de céus e terra, que se dignava chegar a sua casa.
Diante da presença do Deus vivo, tudo se obscurece, todas as criaturas passam a um segundo plano, como sombras que, quando muito, refletem tenuemente os raios do Sol divino.
Certamente Isabel louva o seu Senhor e exulta n’Ele em alegre agradecimento. Mas a verdade é que todas as palavras que pronuncia são – do começo ao fim – um louvor e uma glorificação de Maria.
É Deus quem fala por ela – precisamos repisá-lo –, e em consequência essas palavras inspiradas expressam o que Deus nosso Senhor “pensa” e “quer dizer” daquela que escolheu como Mãe.
Prestemos atenção ao texto do Evangelho:

«...Isabel ficou repleta do Espírito Santo». Exclamou ela em alta voz e disse:
«Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas» [v].

Cada palavra, cada frase, tem um peso.
Se acompanharmos o ritmo das expressões de Isabel, na sua sequência linear, perceberemos logo que começam com um louvor a Maria, que identifica a Virgem com a mulher abençoada por Deus de uma forma única entre todas as mulheres; e que se segue um louvor a Cristo, mas a Cristo contemplado através de Maria, precisamente como filho dela: «bendito o fruto do teu ventre».
Esta é a primeira palavra que Deus profere sobre Nossa Senhora por intermédio de Isabel.

Lê-se a seguir uma segunda frase, cujo significado é este: a proximidade de Maria, a presença e a conversa com a Virgem, é um bem, é uma bênção para a alma a quem Ela se chega.

«Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo?»
 Isabel sente-se beneficiada por um dom imerecido.
Não se limita a agradecer à sua parenta a atenção que está tendo com ela; se se sente honrada, para além de todo o merecimento, é porque recebeu a visita da “Mãe do meu Senhor”.
É isto justamente o que a comove: que, diante dos seus olhos, está a Mãe de Deus, e a Mãe de Deus é portadora das bênçãos do céu.
Esta referência emocionada de Isabel ao dom, ao benefício recebido pela visita da Mãe do seu Senhor, torna-se ainda mais explícita e clara nas palavras que profere a seguir, com a fluência de um cântico:

«Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre».

Só entenderemos cabalmente esta frase se não esquecermos que, pouco antes, São Lucas já se referira a um duplo efeito – um duplo dom – produzido pelas palavras de “saudação” proferidas por Maria:
Por um lado, a alegria sobrenatural de João Batista, que saltou no seio de sua mãe; por outro, a efusão do Espírito Santo na alma de Isabel. É da maior importância perceber que esse duplo dom, conforme diz o Evangelho, tenha sido concedido por Deus em virtude da presença de Maria.
O texto, com efeito, expressa uma autêntica relação de causalidade entre a chegada de Maria, a voz de Maria, e os dons divinos derramados na alma de Isabel e do seu filho.
Tudo aconteceu “apenas Isabel ouviu a voz de Maria”, «logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos», e aconteceu “por isso”.

Aqui não se está falando de sentimentos ou de reações emocionais subjectivas – do estado psicológico provocado humanamente pela visita de Maria –, mas de uma iniciativa divina, de uma acção directa de Deus sobre Isabel – «ficou repleta do Espírito Santo» –, que o Evangelho vincula a Maria como causa instrumental.
Deus agiu por intermédio d’Ela.
Também encerram uma grande riqueza as últimas palavras pronunciadas por Isabel. Trata-se de um novo louvor:
«Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas».
Se esta frase não se encontrasse no Evangelho, provavelmente acharíamos excessivo o que ela diz.
Surpreendentemente, Isabel – Deus por ela – afirma sem ambiguidades que “as coisas que da parte do Senhor foram ditas a Maria” se cumprirão porque Ela acreditou.
Ora, o que é que são essas coisas ditas da parte do Senhor, senão as que pouco antes o Anjo Gabriel anunciara à Virgem?
Darás à luz um filho..., será grande, será chamado Filho do Altíssimo..., reinará sobre a casa de Jacob eternamente, e o seu Reino não terá fim [vi].
Sem dúvida, as “coisas que foram ditas” são, nem mais nem menos, o plano divino da Redenção da humanidade através da Encarnação, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Então, também é fora de dúvida que Isabel afirma que este plano se há de cumprir porque Maria acreditou, isto é, porque abraçou com fé e confiança plenas o convite de Deus para ser a Mãe do Redentor.
Isto significa que Deus, em seus desígnios imperscrutáveis, quis fazer depender a Redenção da humanidade, de algum modo, da colaboração de Maria.
Por outras palavras, Deus quis contar com a Virgem Santíssima, não como simples instrumento passivo, mas como parte activa e colaboradora livre da obra da Redenção.
Estas considerações simples abrem-nos desde já como que uma janela, através da qual podemos contemplar o mistério de Maria a partir da perspectiva de Deus, e, simultaneamente, permitem-nos avaliar – segundo a mesma perspectiva – o sentido da devoção que o povo cristão dedica a Maria Santíssima.
Na verdade, esses “pensamentos” de Deus são verdadeiros focos de luz, que iluminam por dentro os mistérios da vida e da vocação de Nossa Senhora.

(cont)

FRANCISCO FAUS. [vii]




[i] Lc 1,36
[ii] Lc 1, 39-40
[iii] Lc 1, 41-42
[iv] 1, 1
[v] Lc 1, 41-45
[vi] Lc 1, 31-32
[vii] MARIA, A MÃE DE JESUS QUADRANTE, São Paulo Copyright © 1987 Quadrante, Sociedade de Publicações Culturais

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