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24/12/2017

Leitura espiritual

MARIA, A MÃE DE JESUS

MARIA NA PERSPECTIVA DE DEUS UM TESTAMENTO DE CRISTO

Faltam apenas alguns minutos para que Cristo, no alto da Cruz, entregue a sua alma ao Pai.
O Seu olhar inclina-se para baixo e busca primeiro os olhos de sua Mãe; depois, desvia-se para João, o discípulo amado.
Os seus lábios esforçam-se por articular umas poucas palavras. Jesus está exausto, agonizante, mas quer falar.
A sua voz enfraquecida esforça-se por dizer exatamente o que o Filho de Deus, naquele momento em que se consuma a Redenção dos homens, está querendo dizer.
Vendo Jesus a sua Mãe e junto dela o discípulo que ele amava, disse à sua Mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua Mãe. E, desta hora em diante, o discípulo a levou para sua casa [i].
É da maior importância perceber o que Cristo, nessa hora, realmente quis afirmar.
O seu pensamento humano tinha toda a lucidez do pensamento divino; e, por sua vez, essas derradeiras palavras, pouco antes de morrer, possuíam a força de uma mensagem precisa, que devia ficar gravada sem equívocos, pois expressava uma “última vontade” de Deus feito homem.
Qual foi, portanto, o sentido dessa dupla afirmação: “Eis a tua Mãe” e “eis o teu filho”?
Para o compreendermos com exatidão, pode ser conveniente que pensemos primeiro naquilo que Jesus não disse.
Poderia, por exemplo, ter pedido a João:
 “Cuida da minha Mãe, toma conta dela”.
Mas não o disse, e seria pouco explicável que a sua intenção se polarizasse apenas nisso – o cuidado material da Mãe –, tendo em conta que Maria, conforme sabemos pelo Evangelho, tinha perto dela parentes próximos, que eventualmente a podiam atender, e nos consta que em parte já o estavam fazendo [ii].
Também não teria sido lógico que, com as palavras “Eis aí o teu filho”, quisesse
e colocar o discípulo sob o amparo de uma nova mãe adoptiva, Maria. É bem conhecido, pelo Evangelho, que o discípulo amado tinha a mãe viva, Salomé, que esta era uma das santas mulheres que fielmente seguiam Jesus [iii], e que, além disso, zelava maternalmente, até exageradamente, pelos seus filhos Tiago e João, ao ponto de ter pedido a Cristo que lhes concedesse os primeiros lugares no seu Reino [iv].
Fica excluído, por isso, que na sua última hora Jesus tenha pretendido resolver apenas, ou principalmente, problemas relativos ao futuro da Mãe ou do discípulo.
Resta então uma só hipótese, a que se depreende das palavras de Jesus, tal como João – que escreve no Evangelho as suas recordações vividas – as compreendeu. João era, na agonia de Jesus, o único discípulo que se encontrava ao pé da Cruz.
E é precisamente com essa palavra – “discípulo” – que se designa a si mesmo.
Entende que a sua condição de discípulo de Jesus vale mais do que o seu nome e a sua ascendência.
Naquele momento, com efeito, ele era acima de tudo “o discípulo”, aquele que encarnava e, por assim dizer, representava todos os discípulos, mais ainda, todos os homens resgatados na Cruz pelo divino Mestre e chamados a segui-Lo.
Sendo assim, a intenção de Cristo torna-se transparente.
Está proclamando uma nova e sobrenatural maternidade, atribuída por Deus a Maria sobre todos os chamados a ser discípulos do Redentor.
É a clara expressão da Vontade de Deus, que confere a Maria – dentro dos planos da Salvação – uma maternidade de ordem espiritual sobre todos os homens e, especialmente, sobre aqueles que, por serem “discípulos”, têm em Jesus, o Filho de Maria, o Primogénito entre muitos irmãos [v].
Toda a vinculação da alma cristã com Maria se resume, assim, nos laços de uma relação filial: “Eis a tua Mãe”.
Ora, a filiação – como a maternidade – é um vínculo real e também, inseparavelmente, um sentimento; e o sentimento, mais do que a razão, atinge o coração, aquelas fibras secretas e íntimas da afectividade que a razão só muito a custo consegue penetrar.
Tendo a devoção a Maria – o amor filial a Maria – raízes fundas e próprias no coração dos cristãos, é natural que extravase com frequência naqueles modos e “razões do coração” que – como dizia Pascal – “a razão não conhece”. E é também explicável que esse amor filial, ao desabrochar ao ritmo pouco esquematizado do afecto, se expresse em transbordamentos cordiais e detalhes espontâneos, que façam estremecer os moldes mentais um tanto geométricos do pensamento racionalista.
Seria muito difícil chegar a ter autêntico acesso a uma mãe pela via do raciocínio filosófico ou da lógica estreita e bem comportada. Sem dúvida é por isso – melhor, por não ter compreendido isso – que alguns se escandalizam com o que julgam “exageros” católicos da devoção a Maria.
Quem é que não conta no seu histórico com a lembrança de uma conversa – talvez de uma discussão – com um amigo protestante de boa fé, que recriminava à Igreja Católica os “absurdos” da devoção a Maria? – Vocês, os católicos, fazem da devoção a Nossa Senhora uma idolatria; será que não percebem que esse culto a Maria chega a ser uma verdadeira superstição? Até parece que colocam Maria num plano de igualdade ou mesmo acima de Cristo, esquecendo-se de que só Ele é o Salvador, o único Mediador entre Deus e os homens...

Uma vez por outra, todos tivemos de tentar esclarecer invectivas deste tipo.
Na realidade, a única coisa que essas censuras pretendem afirmar é que a Igreja Católica, com a devoção a Maria – santuários, rezas, velas, procissões, imagens em todas as igrejas, nos lares, etc. – se teria afastado da pureza do Evangelho, introduzindo no cristianismo uma excrescência espúria, ou no mínimo um exagero supersticioso, que toldaria, se não desvirtuaria, a autenticidade evangélica da fé cristã.
É possível que, ao surgirem essas questões, nos tenhamos esforçado por aduzir as nossas razões em favor da devoção a Maria.
Se eram apenas razões pessoais, mal fundamentadas, pouco peso podiam ter.

Na realidade, o que afinal importa não é o que nós, católicos ou protestantes, possamos pensar ou dizer particularmente a respeito da Mãe de Jesus.
O que é absolutamente decisivo é o que Deus pensa e diz de Maria.

Estas páginas pretendem ser, sobretudo, uma escuta atenta e serena precisamente disso: que nos diz Deus sobre Maria?

O que é que Ele afirma sobre o papel de Maria na salvação dos homens?
 Uma vez colocado assim o problema, é natural que se levante uma pergunta: como é que nós podemos sabê-lo?

Se Deus não tivesse falado, certamente não o poderíamos.
Acontece, porém, que Deus falou. Se há um ponto de absoluta coincidência entre todos os cristãos, católicos ou não, é que a Bíblia contém a palavra de Deus, e que essa palavra se tornou plena na Palavra – no Verbo – que se fez carne, isto é, em Jesus Cristo e no seu Evangelho.
É nele, portanto, que deve ser buscada e achada a resposta, antes de mais nada.
Qualquer esclarecimento válido deve mergulhar aí as suas raízes e deduzir daí as suas conclusões.

(cont)

FRANCISCO FAUS. [vi]




[i] Jo 19, 26-27
[ii] cfr Mc 3, 31
[iii] cfr Mc 15, 40-41
[iv] cfr. Mt 20, 20 e segs.
[v] Rom 8, 29
[vi] MARIA, A MÃE DE JESUS QUADRANTE, São Paulo Copyright © 1987 Quadrante, Sociedade de Publicações Culturais

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