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23/12/2017

Leitura espiritual

A PAZ NA FAMÍLIA

MAIS VIRTUDES AMÁVEIS

Virtudes amáveis criam vida amável. Páginas atrás, mencionávamos a resposta daquele velho amigo que acabava de celebrar as Bodas de Ouro, à pergunta sobre o que, na opinião dele, mais tinha contribuído para a paz familiar. – “A educação”, respondeu.
Os detalhes de educação, as gentilezas, as delicadezas sorridentes, não são só para praticar fora de casa, com os estranhos, nem são coisas ultrapassadas pelo à-vontade moderno (que é tão antigo como a mais velha grosseria). Não sei por quê, mas parece que basta atravessar a porta do lar para que se afrouxem e se soltem todas as normas da educação.
Vem-me agora à memória um facto recente, nada exemplar. Falava-me alguém, com tristeza, de um casal que se tratava de maneira rude e grosseira. Num daqueles dias, após uma briga com troca de insultos, em que a mulher chamou o marido de “cavalo”, acabou gritando-lhe, quando ele estava saindo de casa:
– “Não se esqueça de levar a ferradura!”
E ele retrucou, no mesmo nível:
– “Não, vou deixá-la aqui mesmo. Com certeza você vai precisar muito dela”.
Diálogos desse teor – e bem mais cavalares e chulos –, infelizmente, não são infrequentes nos lares.
Sabemos dizer “Por favor”? Sabemos ceder o melhor lugar na sala para assistir à televisão? Sabemos escolher o pior pedaço nas refeições? Sabemos apressar-nos no banho, para não fazer esperar outros? Sabemos agradecer, dizendo “Obrigado, muito obrigado, já percebi que você se lembrou de me comprar tal coisa”? Sabe o marido dizer, com um brilho sincero nos olhos: “Você está linda com esse vestido novo”, “Você prepara o melhor vatapá do Brasil”, “O que seria desta casa sem você?” Sabe ela “esperar” o marido, não para despejar-lhe em cima a carga elétrica acumulada durante o dia, mas para cumulá-lo de pequenas atenções?
Para os maridos, concretamente, parece-me interessante transcrever um caso narrado, com estilo de ficha médica, por outro psiquiatra:
“Ele tem vinte e nove anos e ela vinte e quatro. Classe média. Têm pouco mais de dois anos de casados, e já um ano depois de morarem juntos começaram fortes tensões entre os dois, com momentos muito difíceis. Numa dessas ocasiões, ela foi para a casa dos pais e voltou poucos dias depois. Têm um filho”.
O médico pede à jovem esposa que faça uma lista das coisas de que sente mais falta, e ela indica os seguintes pontos:
“1. Que, durante o café da manhã, fale comigo e não se dedique a ler o jornal sem me dizer nada; que me conte o que vai fazer nesse dia, ainda que ache que não é importante.
“2. Que me beije ao sair de casa e ao voltar.
“3. Que diga alguma coisa agradável sobre a minha apresentação: «Hoje você está linda», «como lhe fica bem essa blusa» ou alguma coisa simpática e bem-humorada..., como costumava fazer no namoro.
“4. Que me pergunte como foi o meu dia, o que fiz, como me sinto.
“5. Que não se mostre mais carinhoso só quando quer ter relações íntimas comigo.
Isso é uma coisa que me revolta.
“6. Que «perca o tempo» com seu o filho quando chega do serviço, e não se feche no quarto com os seus papéis.
“7. Que colabore em algumas pequenas tarefas da casa: preparar a mesa, trazer os guardanapos, tirar as pedras de gelo da geladeira, etc.
“8. Que, nos dias «especiais», me leve a jantar fora, como fazíamos quando namorávamos ou logo depois de casados; e que se arrume e não vá com a mesma roupa com que esteve trabalhando” [i].
Também os maridos poderiam fazer listas análogas. E os filhos. E os pais. E todos eles deveriam lembrar-se de que existe um ato, um gesto precioso e insubstituível, que torna cálidas e luminosas todas as amabilidades e serviços: o sorriso.

CARAS SORRIDENTES

“Não esqueças – dizia Mons. Escrivá – que, às vezes, faz-nos falta ter ao lado caras sorridentes” [ii]. Ele o recomendava, e – sou testemunha disso – praticava-o em favor dos outros todos os dias e a todas as horas. Costumava dizer – por experiência própria – que, em muitas ocasiões, “sorrir é a melhor mortificação”, pois com ela prestamos um grande serviço, tornando a vida mais amável e alegre aos que convivem connosco.
É estranho, mas alguns pensam que sorrir sem ter vontade é hipocrisia. Não é verdade. Fazer o esforço de sorrir para evitar preocupações, angústias, tormentas ou cerração no lar é um grande acto de amor. O sorriso dissipa nuvens, desarma irritações, abre uma nesga de céu por onde entra o sol da alegria. Por isso, deve-se lutar esforçadamente para não privar desse bem os outros. Sorrir não é só uma reação espontânea, uma atitude “natural” incontrolável; pode – deve, muitas vezes – ser um ato voluntário de amor, praticado com esforço consciente, pensando no bem dos outros.
A este propósito, gosto de recordar um cartão de Boas-Festas que um padre amigo me mandou em fins de 1992. Era uma folha de papel simples, xerocada na paróquia, e trazia uma espécie de poema. Não sei se era da autoria dele, ou se o tomara emprestado de alguma publicação. Seja como for, o conteúdo era extremamente simpático. Debaixo do cabeçalho –
Um sorriso –, vinham as seguintes frases:
– “Não custa nada e rende muito.
– “Enriquece quem o recebe, sem empobrecer quem o dá.
– “Dura somente um instante, mas os seus efeitos perduram para sempre.
– “Ninguém é tão rico que dele não precise.
– “Ninguém é tão pobre que não o possa dar a todos.
– “Leva a felicidade a todos e a toda a parte.
– “É símbolo da amizade, da boa vontade, é alento para os desanimados, repouso para os cansados, raio de sol para os tristes, ressurreição para os desesperados.
– “Não se compra nem se empresta.
– “Nenhuma moeda do mundo pode pagar o seu valor.
– “Não há ninguém que precise tanto de um sorriso como aquele que já não sabe sorrir.
– “Quando você nasceu, todos sorriram, só você é que chorava. Viva de tal maneira que, quando você morrer, todos chorem e só você sorria”.
Como vemos, doçura, mansidão, paciência, educação, gentileza, sorriso..., são fontes de paz no lar. Não haverá outras “virtudes amáveis” que também colaborem para a paz? Há muitas, com certeza. Por exemplo, uma virtude que poucos relacionam com o nosso tema: a virtude da ordem. Torna-se mais fácil a paz num lar em que, sem esquemas excessivamente rígidos, existe ordem material, pontualidade, previdência e ordem nos horários. O ambiente de ordem facilita a tranquilidade e elimina muita confusão e agitação. Todos temos a experiência de que a desordem e o desmazelo – como lembrávamos antes – criam inquietações e mal-estar.
Outro exemplo de virtude amável: a confiança em Deus. Perante os problemas, sofrimentos e incertezas que sempre pairam ameaçadoramente sobre a vida familiar, a pessoa que não confia em Deus sente-se insegura, angustia-se e transmite aos outros essa sua intranquilidade. Se soubesse confiar em Deus, manter-se-ia serena e difundiria segurança à sua volta.
Poderíamos pensar ainda na virtude da afabilidade, na importância de cultivar o bom humor, no esforço por comentar o lado positivo das coisas, na necessidade de evitar apreciações apocalípticas sobre a vida, e em tantas outras manifestações de virtudes, que contribuem poderosamente para a paz no lar. Mas, como não é o caso de prosseguir até ao infinito, teremos que encerrar estes comentários por aqui... Deixaremos apenas estas reticências, para que o leitor as preencha com as suas belas experiências de paz familiar.
Em todo o caso, de tudo o que – sem pretensões de esgotar o tema [iii]– foi comentado nestas páginas, talvez possa ficar-lhe, com a ajuda de Deus, uma linha de rumo, uma directriz para a consciência cristã: a certeza de que a paz só morre nas mãos do egoísmo, só é destruída pela falta de virtudes pessoais; e, ao mesmo tempo, a convicção de que a paz – em quaisquer circunstâncias – só é edificada e garantida pelo amor abnegado e pelas amáveis virtudes que Cristo nos ensinou.

 FRANCISCO FAUS [iv]




[i] Enrique Rojas, op. cit., págs. 217-218;
[ii] Sulco, n. 57.
[iii] Sobre o tema das virtudes na vida do lar, vale a pena ler também as obras de Georges Chevrot, As pequenas virtudes do lar, 4a ed., Quadrante, São Paulo, 1990, e O Evangelho no lar, Quadrante, São Paulo, 1992.
[iv] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, os títulos:
O valor das dificuldades; O homem bom; Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens; A língua; A paciência; A voz da consciência.

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