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22/11/2017

Tratado da vida de Cristo 183

Questão 59: Do poder judiciário de Cristo

Em seguida devemos tratar do poder judiciário de Cristo. Da execução do juízo final trataremos mais desenvolvidamente quanto examinarmos o concernente ao fim do mundo. Por agora basta tratarmos só do que respeita à dignidade de Cristo.

E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se o poder judiciário deve ser especialmente atribuído a Cristo.
Art. 2 — Se o poder judiciário convém a Cristo enquanto homem.
Art. 3 — Se Cristo conquistou por seus méritos o poder judiciário.
Art. 4 — Se Cristo tem o poder judiciário sobre todas as coisas humanas.
Art. 5 — Se além do juízo proferido no tempo presente haverá um outro juízo universal.
Art. 6 — Se o poder judiciário de Cristo se estende aos anjos.

Art. 1 — Se o poder judiciário deve ser especialmente atribuído a Cristo.

Parece que o poder judiciário não deve ser especialmente atribuído a Cristo.

1. — Pois, julgar é um poder próprio de quem é senhor, em relação aos seus súbditos. Por isso pergunta o Apóstolo: Quem és tu que julgas o servo alheio. Ora, ter o domínio das criaturas é comum a toda a Trindade. Logo, o poder judiciário não deve ser atribuído especialmente a Cristo.

2. Demais. — Daniel diz: O antigo dos dias se sentou. E acrescenta: Sentou-se o juízo e abriram-se os livros. Ora, pelo Antigo dos dias entende-se o Pai; porque, como diz Hilárío, o Pai é eterno. Logo, o poder judiciário deve ser atribuído antes ao Pai que a Cristo.

3. Demais. — Compete julgar a quem compete arguir. Ora, arguir compete ao Espírito Santo, conforme o diz o Senhor: Ele quando vier, isto é, o Espírito Santo, arguirá o mundo do pecado e da justiça e do juízo. Logo, o poder judiciário deve ser atribuído antes ao Espírito Santo que a Cristo.

Mas, em contrário, a Escritura, referindo-se a Cristo: Ele é o que por Deus foi constituído juiz de vivos e mortos.

A emissão de um juízo exige três condições. Primeiro, o poder de governar súbditos, donde o dizer a Escritura: Não pretendas ser juiz se não tens valor para romperes com esforço por entre as iniquidades. Em segundo lugar é necessário a rectidão do zelo, isto é, não devemos proferir o juízo por ódio ou inveja, mas por amor da justiça, segundo diz Escritura: Porque o Senhor castiga aquele a quem ama e acha nele a sua complacência como um pai a seu filho. Terceiro, é necessária a sabedoria, fundada na qual formamos o juízo, donde o dizer a Escritura: O juiz sábio fará justiça ao seu povo. Ora, as duas primeiras condições o juízo exige-as préviamente; mas na terceira é que propriamente se funda a sua forma, pois, a razão própria do juízo é a lei da sabedoria ou da verdade, segundo a qual julgamos. — E como o Filho é a Sabedoria gerada e a Verdade procedente do Pai, que perfeitamente o representa, por isso o poder judiciário é atribuído como próprio ao Filho de Deus. Por isso diz Agostinho: Esta é aquela Verdade incomutável, acertadamente chamada a lei de todas as artes e a arte do Artífice omnipotente. Pois, assim como nós e todas as almas racionais julgamos com rectidão os nossos inferiores, fundados na Verdade, assim só a Verdade é quem nos julga, quando estamos a ela unidos. Mas julgá-la a ela nem o Pai o pode, pois não é menor que ele. Por isso, o que o Pai julga, por meio dela é que julga. E depois conclui: Portanto o Pai não julga a ninguém, mas deu ao Filho todo poder de julgar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A razão aduzida prova que o poder judiciário é comum a toda a Trindade; o que é verdade. Contudo e por uma certa apropriação, o poder judiciário é atribuído ao Filho, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, ao Pai é atribuída à eternidade para pôr em evidência o princípio, implicado na ideia de eternidade. Assim, no mesmo lugar diz ainda, que o Filho é a arte do Pai. Donde, a autoridade de julgar é atribuída ao Pai enquanto princípio do Filho; mas a função própria de julgar é atribuída ao Filho, que é a arte e a sabedoria do Pai. De modo que, assim como o Pai faz tudo pelo Filho, como a sua arte que é, assim também tudo julga pelo Filho, por ser este a sua sabedoria e a sua verdade. Tal é o significado das palavras de Daniel, quando diz que o Antigo dos dias se sentou, acrescentando depois, que o Filho do homem chegou até o Antigo dos dias e lhe deu o poder e a honra e o reino. Dando assim a entender, que a autoridade de julgar é própria do Pai, de quem o Filho recebe o poder de julgar.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como explica Agostinho, quando Cristo disse que o Espírito Santo arguirá o mundo do pecado, é como se tivesse dito: Ele difundirá nos nossos corações a caridade. E é assim que, livres do temor, tereis a liberdade de arguir. Donde, ao Espírito Santo é atribuído o juízo, não quanto à sua essência, mas quanto ao desejo de julgar, que os homens têm.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.

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