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13/09/2017

Tratado da vida de Cristo 173

Questão 57: Da Ascensão de Cristo

Em seguida devemos tratar da ascensão de Cristo.


E nesta questão discutem-se seis artigos:


Art. 1 — Se devia Cristo ascender ao céu.
Art. 2 — Se ascender ao céu convinha a Cristo enquanto de natureza divina.
Art. 3 — Se Cristo subiu por virtude própria.
Art. 4 — Se Cristo subiu acima de todos os céus.
Art. 5 — Se o corpo de Cristo subiu acima de todas as criaturas espirituais.
Art. 6 — Se a ascensão de Cristo é a causa da nossa salvação.

Art. 1 — Se devia Cristo ascender ao céu.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ascender ao céu.

1. — Pois, segundo o Filósofo, os seres dotados da maior perfeição possível fruem bem próprio sem precisar mover-se. Ora, Cristo tinha a maior perfeição possível, por ser o sumo bem, em virtude da sua natureza divina, e ser, pela sua natureza humana soberanamente glorificado. Logo, fruía sem nenhum movimento a seu bem. Ora, a ascensão é um movimento. Logo, Cristo não devia ascender ao céu.

2. Demais. — Tudo o que se move visa um fim melhor. Ora a Cristo não era melhor estar no céu que na terra; pois, nenhum bem se lhe acrescentou por estar no céu, nem quanto à alma nem quanto ao corpo. Logo, parece que Cristo não devia subir ao céu.

3. Demais. — O Filho de Deus assumiu a natureza humana para a nossa salvação. Ora, seria melhor para a salvação dos homens que sempre se conservasse connosco na terra, e por isso ele próprio disse aos discípulos: Lá virá tempo que em vós desejareis ver um dia do Filho do homem e não no vereis. Parece, logo, que Cristo não devia subir ao céu.

4. Demais. — Como diz Gregório, o corpo de Cristo não sofreu nenhuma mudança depois da ressurreição. Ora, não subiu ao céu imediatamente depois da ressurreição; pois, ele próprio o disse depois dela: Ainda não subi a meu Pai. Logo, parece que nem depois dos quarenta dias devia subir ao céu.

Mas, em contrário, o Senhor diz: Vou para meu Pai e vosso Pai.

O lugar deve proporcionar-se ao que nele está colocado. Ora, Cristo depois da ressurreição entrou na sua vida imortal e incorruptível. Ora, a terra que habitamos é um lugar em que seres nascem e morrem; ao contrário, o céu é um lugar onde não há morte. Logo Cristo não devia, depois da ressurreição, permanecer na terra, mas devia subir ao céu.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O ser soberanamente perfeito que possui o seu bem sem ter necessidade nenhuma de mover-se, é Deus: pois é absolutamente imutável, segundo a Escritura - Eu sou o Senhor e não mudo. Ao contrario, toda criatura é de certo modo mutável, como o adverte Agostinho. E como a natureza assumida pelo Filho de Deus permaneceu criatura, conforme do sobre dito se colige, não há inconveniência em lhe atribuir algum movimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Por ter subido, ao céu nenhum bem se lhe acrescentou a Cristo, sua glória essencial, nem quanto ao corpo nem quanto à sua alma. Mas lhe constituiu um novo bem o esplendor da sua mansão gloriosa. Não que ao corpo lhe adviesse, do corpo celeste, maior perfeição ou conservação, senão só o conveniente esplendor. O que de certo modo lhe redundava em glória. E esse esplendor lhe causava alegria; não que começasse então a gozá-la, quando subiu ao céu; mas porque de novo modo gozou dele, como de um bem completo. Por isso, sobre o dito da Escritura — Deleites na tua direita para sempre, diz a Glosa: As minhas delícias e a minha alegria serão quando estiver sentado ao teu lado, longe dos olhares humanos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora da presença corporal de Cristo os fiéis ficassem privados pela ascensão, contudo têm a presença da sua divindade sempre eles, segundo o Evangelho: Eu estou convosco todos os dias, até à consumação do século. Pois, o que subiu aos céus não abandonou os seus filhos adoptivos, como diz Leão Papa.

Mas, a própria ascensão de Cristo ao céu, fazendo-nos ficar privados da sua presença corporal, nos foi mais útil que essa presença. — Primeiro, pelo aumento da fé, cujo objecto é o invisível. Por isso o próprio Senhor disse aos seus discípulos, que o Espírito Santo, quando vier, arguirá o mundo da justiça, isto é, dos que crêem; pois, a simples comparação dos fiéis com infiéis é a condenação a destes últimos. E por isso acrescenta: Porque vou para o Pai e vós não me vereis mais. Mas felizes são os que, não vendo, crêem. Será, pois, vossa a justiça, de que será o mundo arguido, por crerdes em mim, a quem não vedes. — Segundo, para fundar a nossa esperança. Por isso ele próprio o disse: Depois que eu for e vos aparelhar o lugar, virei outra vez e tomar-vos-ei para mim mesmo, para que onde eu estou estejais também. Elevando assim ao céu Cristo a natureza humana assumida, deu-nos a esperança de lá chegar: porque em qualquer lugar em que estiver o corpo, aí se hão de ajuntar também as águias. E por isso diz a Escritura: Ascende abrindo o caminho adiante deles. — Terceiro, a fim de elevar o afecto da caridade para os bens celestes. Donde o dizer o Apóstolo: Buscais as coisas que são lá de cima, onde Cristo está sentado à dextra de Deus; cuidai nas coisas que são lá de cima, não nas que há sobre a terra. Pois, na frase do Evangelho, onde está o teu tesouro aí está também o teu coração. E sendo o Espírito Santo o Amor que nos arrebata para os bens celestes, por isso o Senhor diz aos discípulos: A vós convém-vos que eu vá, porque se eu não for, não virá a vós o Consolador; mas se for vo-lo enviarei. O que Agostinho assim expõe: Não sois capazes de receber o Espírito, enquanto persistis em só conhecer a Cristo segundo a carne. Cristo, separando-se deles corporalmente, não somente o Espírito Santo, mas ainda o Pai e o Filho residiram neles espiritualmente.

RESPOSTA À QUARTA. — Embora o lugar conveniente a Cristo ressuscitado para a vida imortal fosse morada celeste, contudo diferiu a sua ascensão para que comprovasse a verdade da sua ressurreição. Por isso declara a Escritura: Depois da sua Paixão manifestou-se a si mesmo vivos os discípulos com muitas provas, por quarenta dias. Ao que uma certa glossa diz: Por ter estado morto durante quarenta horas, confirma que está vivo, durante quarenta dias. Ou podemos entender que esses quarenta dias são a imagem da vida presente, durante a qual Cristo reside na sua Igreja. Neste sentido, que o homem se compõe de quatro elementos e que a Igreja o educa para a observação do decálogo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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