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19/08/2017

Fátima: Centenário - Vida de Maria - 61



Centenário das aparições da Santíssima 

Virgem em Fátima


Fuga para o Egipto


A voz dos poetas


Desterrado parte o Menino,

e chora;

disse-lhe Sua Mãe assim,

e chora.

Calai, meu Senhor, agora.

Ouvi prantos de amargura,

pobreza, temor, tristura,

águas, ventos, noite escura,

com que vai Nossa Senhora,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

O desterro que sofreis

é a chave com que abris

ao mundo que redimis,

a cidade em que Deus mora

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Não pode ficar nisto;

morrereis, e não tão presto;

mas a cruz do serás posto

me trespassa desde agora,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Calai-vos, minha luz é aviso,

pois que vosso Pai quis

que sejais do paraíso

Flor que nunca se desflora,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Oh grande Rei de minhas entranhas,

como ides pelas montanhas,

fugindo para terras estranhas

da mão matadora!

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Vós tomais esta viagem

por guardar a homenagem

que fizeste à linhagem

da gente pecadora,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Com seu Filho já fugindo,

já cansado, já temendo,

já tremendo, já correndo

atrás da fé, sua guia,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Chora o Menino do látego,

da água e do desabrigo

com a Mãe, que é testemunha,

nossa luz que ilumina,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Oh os que vão caminhando,

temendo e atrás mirando

se os ia já alcançando

a gente perseguidora!

E chora;

calai, meu Senhor, agora.

À Virgem sem mancha

a verde palma se humilha,

em sinal de maravilha,

que é do céu imperadora,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Este frio não Vos fatigue,

nem Herodes, que vos persegue,

pelo grande bem que se segue

desta vida penosa,

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Pela ira herodiana

que sofreis, Filho, de gana,

dai a glória soberana

ao que tal desterro adora

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

Estando o Menino nos seus braços,

faixazinha de retalhos,

desfizeram-se em mil pedaços

os ídolos a destempo

e chora;

calai, meu Senhor, agora.

¡Oh se soubesses, Egipto,

quanto já és bendito

pelo tesouro infinito

que hoje em ti se entesoura!

E chora;

calai, meu Senhor, agora.


Ambrósio de Montesino (século XV), Cancionero.

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