Em seguida devemos tratar da causalidade
da ressurreição de Cristo. E nesta questão discutem-se dois
artigos:
Art. 1 — Se a ressurreição de Cristo é a
causa da ressurreição dos corpos.
Art. 2 — Se a ressurreição de Cristo é a
causa da ressurreição das almas.
Art. 6 — Se as provas aduzidas por
Cristo manifestaram suficientemente a verdade da sua ressurreição.
Art.
1 — Se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição dos corpos.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição dos corpos.
1. — Pois, posta a causa suficiente,
necessariamente se lhe segue o efeito. Se, pois, a ressurreição de Cristo é a
causa suficiente da ressurreição dos corpos, imediatamente depois da
ressurreição dele todos os mortos deviam ressuscitar.
2. Demais. — A causa da ressurreição dos mortos é a justiça divina; e esta exige que
os corpos sejam premiados ou punidos simultaneamente com as almas, com a qual
participaram do mérito ou do pecado, como diz Dionísio e também Damasceno.
Ora, a justiça de Deus haveria de cumprir-se necessariamente, mesmo se Cristo
não tivesse ressuscitado. Logo, ainda sem ter Cristo ressuscitado, os mortos ressuscitariam.
Portanto, a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição dos corpos.
3. Demais. — Se a ressurreição de Cristo
é a causa da ressurreição dos corpos, ou é a causa exemplar, ou a eficiente ou
a meritória. — Ora, não é a causa exemplar, porque Deus é quem operara
a ressurreição dos corpos, segundo o Evangelho: o Pai ressuscita os mortos. E demais, Deus não precisa voltar-se
para nenhum exemplar exterior a si. — Semelhantemente, também não é a
causa eficiente. Pois a causa eficiente não age senão por contacto, espiritual
ou corpóreo. Ora, é manifesto que a ressurreição de Cristo não tem nenhum
contato corpóreo com os mortos que ressuscitam, por causa da distância de tempo
e de lugar. Nem tão pouco contacto espiritual, mediante a fé e a caridade,
pois, também os infiéis e os pecadores ressuscitarão. — Nem é a causa
meritória, enfim; porque Cristo ressuscitado já não era viandante e, portanto,
não podia mais merecer. — E, portanto, de nenhum modo a ressurreição
de Cristo parece ser a causa da nossa ressurreição.
4. Demais. — Sendo a morte a privação da
vida, destruir a morte nenhuma outra causa há-de ser senão tornar a infundir a
vida, o que constitui a ressurreição. Ora, Cristo, morrendo, destruiu a nossa
morte. Logo, a morte de Cristo, e não, portanto, a sua ressurreição, é a causa
da nossa ressurreição.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os
mortos, etc. E a Glosa: Que é a causa
eficiente da nossa ressurreição.
Tudo o primário em qualquer género é a causa do mais que se lhe segue,
como diz Aristóteles. Ora, o que é primário no género da verdadeira
ressurreição é a ressurreição de Cristo, como do sobredito resulta. Donde, há-de
necessariamente a ressurreição de Cristo ser a causa da nossa ressurreição. E
tal o diz o Apóstolo: Ressuscitou Cristo
dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem; porque como a morte
veio na verdade por um homem, também por um homem deve vir a ressurreição dos
mortos. — E com razão. Pois, o princípio da vida humana é o Verbo
de Deus, do qual diz a Escritura: Em ti
está a fonte da vida. Donde o dizer o próprio Senhor: Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim também dá o
Filho vida àqueles a quem quer. Ora, a ordem natural das causas instituídas
por Deus exige que qualquer causa primeiro obre sobre o que lhe está mais
próximo e depois, por esse meio, ao que lhe está mais remoto. Assim, o fogo
primeiro aquece o ar que lhe está próximo e, mediante o ar, aquece os corpos
distantes. E Deus primeiro ilumina as
substâncias que lhe estão mais próximas e, por meio delas, as mais remotas,
como diz Dionísio. Donde, o Verbo de Deus primeiro dá a vida imortal ao corpo,
que lhe está naturalmente unido e, por ele, causa a ressurreição em todos os
outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Como dissemos, a ressurreição de Cristo é a causa da nossa, por virtude do
Verbo que lhe está unido. O qual a opera pela sua vontade. Donde, não é
necessário que o seu efeito se lhe siga imediatamente, mas segundo a disposição
do Verbo de Deus; de modo que primeiro nos afeiçoemos com Cristo, que sofreu e
morreu, em nossa vida passível e mortal; em seguida, cheguemos a participar da
semelhança da ressurreição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A justiça de Deus
é a causa primeira da nossa ressurreição; a ressurreição de Cristo, porém, a
causa secundária e como instrumental. Pois, embora a virtude do agente
principal não fique determinada por nenhum instrumento em particular, contudo
desde que obra mediante esse instrumento, este é a causa eficiente. Assim,
pois, a justiça divina, quanto é de si, não é obrigada a causar a nossa
ressurreição, pela ressurreição de Cristo. Pois, Deus podia salvar-nos por
outro modo que não a Paixão e a ressurreição de Cristo, como dissemos. Mas
desde que decretou esse modo de nos salvar, é manifesto que a ressurreição de
Cristo é a causa da nossa.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A ressurreição de
Cristo não é, propriamente falando, a causa meritória da nossa, mas a causa
eficiente e exemplar. — Eficiente, porque a humanidade de Cristo,
segundo a qual ressuscitou, é de certo modo o instrumento da sua divindade, e
obra em virtude dela, como se disse. Donde, assim como o mais que Cristo na sua
humanidade fez ou sofreu contribui, em virtude da sua divindade, para nossa
salvação, como dissemos, assim também a sua ressurreição é a causa eficiente da
nossa, pela virtude divina, que tem o poder de vivificar os mortos. E essa
virtude atinge com a sua presença dos os lugares e tempos; sendo que esse
contacto virtual basta para a referida eficiência causal. Ora, segundo
dissemos, a causa primordial da ressurreição humana é a justiça divina, pela
qual Cristo tem o poder de emitir o seu juízo, enquanto Filho do homem. Donde,
a causalidade eficiente da sua ressurreição estende-se não só nos bons, mas
também aos maus, que lhe estão sujeitos ao juízo. — Mas, assim como a
ressurreição do corpo de Cristo, por estar ele pessoalmente unido ao Verbo, foi
a primeira no tempo, assim também foi a primeira em dignidade, como diz a Glosa
a um lugar do Apóstolo. Ora, o perfeitíssimo é sempre o exemplar imitado pelo
menos perfeito, ao seu modo. Donde, a ressurreição de Cristo é a causa exemplar
da nossa. O que é necessário, não da parte do autor da ressurreição que não
precisa de exemplar; mas da dos ressuscitados, que hão de afeiçoar-se à
ressurreição de Cristo, segundo o Apóstolo: Reformará
o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso. Embora,
pois, a eficiência da ressurreição de Cristo se estenda à ressurreição tanto
dos bons como dos maus, contudo a sua exemplaridade estende-se propriamente só
aos bons, que fez conformes à sua filiação, na frase do Apóstolo.
RESPOSTA À QUARTA. — Pela causalidade
eficiente, dependente do poder divino, em geral tanto a morte de Cristo como
também a sua ressurreição é a causa tanto da destruição da morte como da
reparação da vida. Mas, quanto à causa exemplar, a morte de Cristo, pela qual
deixou a vida mortal, é a causa da destruição da nossa morte. Ao passo que a
sua ressurreição, pela qual entrou na vida imortal, é a causa da reparação da
nossa vida. Mas além disso a Paixão de Cristo é a causa meritória, como
dissemos.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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