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11/06/2017

Tratado da vida de Cristo 164

Questão 54: Da qualidade de Cristo ressuscitado


Art. 4 — Se o corpo de Cristo devia ressuscitar com cicatrizes.

O quarto discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não devia ressuscitar com cicatrizes.

1. — Pois, diz o Apóstolo, que os mortos ressuscitarão incorruptíveis. Ora, tanto as cicatrizes como as feridas implicam de certo modo corrupção e defeito. Logo, Cristo autor da ressurreição, não devia ressuscitar com cicatrizes.

2. Demais. — O corpo de Cristo ressuscitou íntegro. Ora, feridas abertas contrariam a integridade do corpo, pois causam nele descontinuidade. Donde, parece que o corpo de não devia Cristo conservar quaisquer aberturas de feridas, embora nele se conservassem certos sinais delas, suficientes para percebê-las a vista pela qual Tomé acreditou, ele a quem foi dito: Tu creste, Tomé, porque me viste.

3. Demais. — Damasceno diz: Depois da ressurreição de Cristo, certas causas atribuímos-lhe, como as cicatrizes em sentido próprio, não porém segundo a natureza, senão só excepcionalmente, para significar que o mesmo corpo que sofreu foi também o que ressuscitou. Ora, cessada a causa, cessa o efeito. Donde, parece que uma vez certificados os discípulos da sua ressurreição, não era já necessário que conservasse as cicatrizes. Mas não convinha à imutabilidade da sua glória, que assumisse qualquer causa que perpetuamente nele não existisse. Logo, parece que não devia, ressuscitar, assumindo um corpo com cicatrizes. Mas, em contrário, o Senhor diz a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e mete-a no meu lado.

Devia a alma de Cristo, na ressurreição, reassumir o seu corpo com as cicatrizes. — Primeiro, por causa da própria glória de Cristo. Assim, como diz Beda, conservou as cicatrizes, não por não as poder fazer desaparecer, mas a fim de manifestar a todos e perpetuamente o triunfo da sua vitória. E por isso diz Agostinho, que talvez no reino celeste veremos nos corpos dos mártires as cicatrizes das feridas, que sofreram pelo nome de Cristo. O que lhes constituirá, não uma deformidade, mas uma dignidade; e então há de refulgir neles a beleza da virtude existente no corpo, mas sem ser do corpo. — Segundo, para confirmar o coração dos discípulos na fé da sua ressurreição. — Terceiro, para mostrar sempre, ao orar ao Pai por nós, que género de morte sofreu pelo homem. — Quarto, para relembrar incessantemente àqueles a quem resgatou com a morte, a misericórdia de que usou para com eles. — E enfim, para também desse modo mostrar, no juízo, aos condenados, quão justamente o foram. Pois, como diz Agostinho, Cristo sabia porque queria conservar no seu corpo as cicatrizes. Porque, assim como as mostrou a Tomé, que não queria crer senão tocando-as e vendo-as, assim também há de mostrar, mesmo aos seus inimigos, as suas feridas, para que a Verdade, ao confundi-las, lhes declare: Eis o homem a quem crucificaste. Vedes as feridas que me causastes. Reconhecei o lado que trespassastes — aberto por vós e por causa vossa, sem, contudo, nele terdes querido entrar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Essas cicatrizes que permaneceram no corpo de Cristo, não implicam nenhuma corrupção nem qualquer defeito, mas um maior cúmulo de glória, como uns sinais da sua virtude. E nesses lugares das feridas se manifestará um esplendor especial.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora essas feridas abertas impliquem uma certa solução de continuidade, tudo isso é recompensado, porém por um maior esplendor da glória, de modo que o corpo longe de perder da sua integridade, mais perfeito se tornará. Tomé, porém, não só viu, mas também tocou as feridas; porque, como diz Leão Papa, bastava-lhe à sua fé ter insto o que vira; mas foi em nosso proveito o ter tocado aquele a quem via.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo quis que as cicatrizes permanecessem no seu corpo, não só para certificar a fé dos discípulos, mas ainda por outras razões. Donde se conclui que essas cicatrizes sempre lhe permaneceram no corpo. Pois, diz Agostinho: Creio que o corpo do Senhor está no céu como existia quando a ele subiu. E Gregório diz, se alguma causa podia mudar-se no corpo de Cristo, depois da ressurreição, o Senhor podia voltar a morrer, depois de ressuscitado — contra a afirmação verídica de Paulo. Mas quem com estultícia ousará dizê-lo, senão quem negar a verdadeira ressurreição da carne? Donde é claro que as cicatrizes que Cristo mostrava no seu corpo, depois da ressurreição, nunca mais se deliram dele. 


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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