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28/05/2017

Tratado da vida de Cristo 162

Questão 54: Da qualidade de Cristo ressuscitado

Art. 2 — Se o corpo de Cristo ressuscitou inteiro.

O segundo discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não ressuscitou inteiro. 

1. — Pois, a carne e o sangue pertencem à integridade do corpo humano. Ora, Cristo parece que não os teve, conforme o Apóstolo: A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus. Ora, Cristo ressuscitou na glória do reino de Deus. Logo, parece que não tinha carne nem sangue.

2. Demais. — O sangue é um dos quatro humores. Se, pois, Cristo teve sangue, pela mesma razão também teve os outros humores, donde resulta a corrupção aos corpos dos animais. Donde se seguirá, que o corpo de Cristo era corruptível. O que é inadmissível. Logo, não teve carne nem sangue.

3. Demais. — O corpo de Cristo ressuscitado subiu aos céus. Ora, uma parte do seu sangue é reservado como relíquia em certas Igrejas. Logo, o corpo de Cristo não ressuscitou na integridade de todas as suas partes.

Mas, em contrário, o Senhor diz, falando aos discípulos, depois da ressurreição: Um espírito não tem carne nem ossos como vós vedes que eu tenho.

Como dissemos, o corpo de Cristo teve, ressuscitado, a mesma natureza, mas uma glória diferente. Donde, tudo o pertencente à natureza do corpo humano existiu totalmente no corpo de Cristo ressuscitado. Ora, é manifesto que da natureza do corpo humano fazem parte as carnes, os ossos, os sangues e atributos semelhantes. Donde, tudo isso existiu no corpo de Cristo ressuscitado; e também integralmente, sem nenhuma diminuição do contrário a ressurreição não seria perfeita, se não se reintegrasse tudo o que se desagregou pela morte. Por isso o Senhor fez aos seus fiéis a seguinte promessa: Até os mesmos cabelos da vossa cabeça, todos eles estão contados. E noutro lugar: Não se perderá um cabelo da vossa cabeça. — Quanto a afirmar que o corpo de Cristo não tinha carne nem ossos nem as demais partes naturais ao corpo humano, isso constitui o erro de Entíquio, bispo da cidade de Constantinopla. Dizia ele que o nosso corpo, na glória da ressurreição, será impalpável e mais subtil que o vento e o ar. E que o Senhor, depois de ter confirmado o coração dos seus discípulos, fazendo-os apalpar-lhe o corpo, tornou então subtil tudo o que antes nele podia ser tocado. Mas essa doutrina Gregório a refuta no mesmo lugar, pois o corpo de Cristo não sofreu, depois da ressurreição, nenhuma mudança, segundo o Apóstolo: Tendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre. De modo que o bispo infiel retratou-se na morte, do que disse. Pois, se é inadmissível que Cristo tivesse recebido, na sua concepção, um corpo de outra natureza, por exemplo, celeste, como Valentiniano afirmava, muito mais inadmissível é que, na ressurreição, reassumisse um corpo de natureza diferente, pois que o corpo reassumido na ressurreição, para a vida imortal, foi o mesmo que assumiu, na concepção, para a vida mortal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Carne e sangue, no lugar citado, não se tomam pela natureza deste e daquela, mas ou pela culpa da carne e do sangue, como diz Gregório; ou pela corrupção da carne e do sangue, porque, no dizer de Agostinho, não havia aí corrupção nem mortalidade da carne e do sangue. Ora, a carne, na sua substância, possui o reino de Deus, conforme o lugar — Um espírito não tem carne nem ossos como vós vedes que eu tenho. Mas a carne, entendida como corruptível, não o possui. Por isso imediatamente o Apóstolo acrescentou as palavras: Nem a corrupção possuirá a incorruptibilidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, talvez o tratar-se do sangue dará a ocasião a um esmerilador mais minucioso de objectar, que se houve sangue no corpo de Cristo ressuscitado, porque não houve também a pituita, isto é, o flegma; porque não o fel amarelo, isto é, a bílis e o fel negro ou a melancolia, cujos quatro humores a ciência médica declara constituídos da natureza da carne? Acrescente-se-lhes o que se quiser, mas evitando acrescentar a corrupção — não vá contaminar-se a integridade e a pureza da fé. Mas Deus pode deixar algumas de suas propriedades a corpos, de natureza visíveis e palpáveis e privá-los, contudo, de outras, conforme quiser; de sorte que guardem a sua forma exterior sem nenhuma falha ou corrupção, o movimento sem a fadiga, o poder de comer sem a necessidade. de nutrir-se.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Todo o sangue corrido do corpo de Cristo, pertencendo realmente à natureza humana, ressuscitou com o seu corpo. E o mesmo devemos dizer de todas as partículas realmente pertencentes á natureza humana em sua integridade. Quanto ao sangue conservado por certas Igrejas como relíquias, esse não correu do lado de Cristo; mas é considerado como tendo jorrado milagrosamente de alguma imagem sua, objecto de qualquer violência. 

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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