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02/06/2016

O Rei e a morte

Resultado de imagem para filipe primeiroO rei de Espanha, estando para morrer, mandou chamar o filho e, entreabrindo as vestes reais, mostrou-lhe o peito roído de vermes, dizendo:

– Príncipe, vê como se morre, e onde vêm a parar as grandezas do mundo.

Depois exclamou:

– Quem me dera ter sido simples frade de qualquer ordem e não monarca!

Ao mesmo tempo, mandou lançar ao pescoço uma corda da qual pendia uma cruz de madeira, e, tendo disposto tudo para a morte, acrescentou:

– Meu filho, quis que estivesses presente a este acto para veres bem como na morte o mundo trata os próprios reis. Quem tiver vivido melhor, achará lugar melhor junto de Deus.

Esse filho, depois Felipe II, quando, por sua vez, estava para morrer na idade de 23 anos, disse:

– Meus vassalos, não faleis no meu elogio fúnebre senão no que estais vendo agora. Dizei que na morte de nada serve ser rei, senão para sentir maior tormento de o haver sido.

Em seguida, exclamou:

– Prouvera a Deus que nunca tivesse sido rei e tivesse vivido num deserto no serviço de Deus! Poderia apresentar-me agora com mais confiança ao seu tribunal e não correria tamanho risco de me condenar.

De que servem, porém, tais desejos na hora da morte senão para maior mágoa e desespero do que não amou a Deus durante a vida?

Com razão dizia Santa Teresa:
‘Não se deve fazer caso das coisas que acabam com a vida; a verdadeira vida consiste em viver de tal modo que não se tenha de recear a morte. Se desejamos ver o que valem os bens da terra, consideremo-los com os olhos fitos na morte e digamos: as honras, as dignidades, os prazeres, as riquezas acabarão um dia: assim atendamos em nos fazer santos e ricos daqueles bens que nos acompanharão para a eternidade e nos tornarão contentes para sempre.’

Ah, meu Redentor, padecestes tantos sofrimentos e ignomínias por meu amor, e eu amei tanto os prazeres e bens passageiros deste mundo que, por causa deles, cheguei a calcar aos pés a vossa graça. Mas se Vós, quando eu Vos desprezava, não deixastes de me procurar, não posso temer, ó meu Jesus, que me rejeiteis agora que Vos procuro e Vos amo de todo o coração e me arrependo mais de Vos ter ofendido que se tivesse sofrido qualquer outra desgraça.

santo afonso maria de ligório – Extraído de Meditações, Para todos os Dias e Festas do Ano, Tomo II


(Revisão da versão portuguesa por ama)

Antigo testamento / Êxodo 22

Êxodo 22

Protecção da propriedade

1 "Se alguém roubar um boi, ou uma ovelha, e abatê-lo ou vendê-lo, terá que restituir cinco bois pelo boi e quatro ovelhas pela ovelha.

2 "Se o ladrão que for apanhado arrombando for ferido e morrer, quem o feriu não será culpado de homicídio, "O ladrão terá que restituir o que roubou, mas, se não tiver nada, será vendido para pagar o roubo, mas, se isso acontecer depois do nascer do sol, será culpado de homicídio.

3 Se o que foi roubado for encontrado vivo em seu poder, seja boi, seja jumento, seja ovelha, ele deverá restituí-lo em dobro.

4 "Se alguém levar o seu rebanho para pastar num campo ou numa vinha e soltá-lo de modo que venha a pastar no campo de outro homem, fará restituição com o melhor do seu campo ou da sua vinha.

5 "Se um fogo se espalhar e alcançar os espinheiros e queimar os feixes colhidos ou o trigo plantado ou até a lavoura toda, aquele que iniciou o incêndio restituirá o prejuízo.

6 "Se alguém entregar ao seu próximo prata ou bens para serem guardados e estes forem roubados da casa deste, o ladrão, se for encontrado, terá que restituí-los em dobro.

7 Mas, se o ladrão não for encontrado, o dono da casa terá que comparecer perante os juízes para que se determine se ele não lançou mão dos bens do outro.

8 Sempre que alguém se apossar de boi, jumento, ovelha, roupa ou qualquer outro bem perdido, mas alguém disser: 'Isto pertence-me’, as duas partes envolvidas levarão o caso aos juízes. Aquele a quem os juízes declararem culpado restituirá o dobro ao seu próximo.

9 "Se alguém der ao seu próximo o seu jumento, ou boi, ou ovelha ou qualquer outro animal para ser guardado e o animal morrer, for ferido ou for levado sem que ninguém o veja, a questão entre eles será resolvida prestando-se um juramento diante do Senhor de que um não lançou mão da propriedade do outro. O dono terá que aceitar isso e nenhuma restituição será exigida.

10 Mas, se o animal tiver sido roubado do seu próximo, este terá que fazer restituição ao dono.

11 Se tiver sido despedaçado por um animal selvagem, ele trará como prova o que restou dele; e não terá que fazer restituição.

12 "Se alguém pedir emprestado ao seu próximo um animal e este for ferido ou morrer na ausência do dono, terá que fazer restituição.

13 Mas, se o dono estiver presente, o que tomou emprestado não terá que restituí-lo. Se o animal tiver sido alugado, o preço do aluguel cobrirá a perda.

Responsabilidade social

14 "Se um homem seduzir uma virgem que ainda não tenha compromisso de casamento e se deitar com ela, terá que pagar o preço do seu dote, e ela será sua mulher.

15 Mas, se o pai recusar-se a entregá-la, ainda assim o homem terá que pagar o equivalente ao dote das virgens.

16 "Não deixem viver a feiticeira.

17 "Todo aquele que tiver relações sexuais com um animal terá que ser executado.

18 "Quem oferecer sacrifício a qualquer outro deus, e não unicamente ao Senhor, será destruído.

19 "Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vós fostes estrangeiros no Egito.

20 "Não prejudiquem as viúvas nem os órfãos; porque, se o fizerem e eles clamarem a mim, eu certamente atenderei o seu clamor.

21 Com grande ira matarei vocês à espada; as vossas mulheres ficarão viúvas e os vossos seus filhos, órfãos.

22 "Se fizerem empréstimo a alguém do meu povo, a algum necessitado que viva entre vocês, não cobrem juros dele; não emprestem visando a lucro.

23 Se tomarem como garantia o manto do vosso próximo, devolvam-no até o pôr-do-sol, porque o manto é a única coberta que ele possui para o corpo. Em que mais se deitaria? Quando ele clamar a mim, eu o ouvirei, pois sou misericordioso.

24 "Não blasfemem contra Deus nem amaldiçoem uma autoridade do seu povo.

25 "Não retenham as ofertas das vossas colheitas.
"Consagrem-me o vosso primeiro filho e a primeira cria das vacas, das ovelhas e das cabras. Durante sete dias a cria ficará com a mãe, mas, no oitavo dia, entreguem-na a mim.

26 "Vós sereis o meu povo santo. Não comam a carne de nenhum animal despedaçado por feras no campo; atirem-na aos cães.


(Revisão da versão portuguesa por ama)

Doutrina – 162

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

Compêndio


PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ
SEGUNDA SECÇÃO: A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ
CAPÍTULO PRIMEIRO CREIO EM DEUS PAI

O homem

66. Em que sentido o homem é criado «à imagem de Deus»?


Afirmar que o homem é criado à imagem de Deus significa que ele é capaz de conhecer e amar, na liberdade, o próprio Criador. É a única criatura, nesta terra, que Deus quis por si mesma e que chamou a partilhar a sua vida divina, no conhecimento e no amor. Enquanto criado à imagem de Deus, o homem tem a dignidade de pessoa: não é uma coisa mas alguém, capaz de se conhecer a si mesmo, de se dar livremente e de entrar em comunhão com Deus e com as outras pessoas.

Ninguém dá o que não tem

Convence-te: o teu apostolado consiste em difundir bondade, luz, entusiasmo, generosidade, espírito de sacrifício, constância no trabalho, profundidade no estudo, amplitude na entrega, actualização, obediência absoluta e alegre à Igreja, caridade perfeita... Mas ninguém dá o que não tem. (Sulco, 927)

Não o esqueças: convencemos tanto melhor quanto mais convencidos estivermos. (Sulco, 929)

"Não se acende a luz para a pormos debaixo de um alqueire, mas sobre um candeeiro, a fim de que ilumine todos os da casa; assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de maneira que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus".

E, no final da sua passagem pela Terra, ordena: "euntes docete", ide e ensinai. Quer que a sua luz brilhe na conduta e nas palavras dos seus discípulos. Nas tuas também. (Sulco, 930)

Que essa ideia do catolicismo é velha e, portanto, inaceitável?... Mais antigo é o Sol, e não perdeu a sua luz; mais arcaica é a água, e ainda tira a sede e refresca! (Sulco, 937)

Alguns não sabem nada de Deus..., porque não lhes falaram d'Ele em termos compreensíveis. (Sulco, 941)

Acredita em mim: normalmente, o apostolado, a catequese, tem de ser capilar: um a um. Cada crente com o seu companheiro mais próximo.

A nós, filhos de Deus, interessam-nos todas as almas, porque nos interessa cada uma delas. (Sulco, 943)


Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo Comum

Evangelho: Mc 12, 28-34

28 Então aproximou-se um dos escribas, que os tinha ouvido discutir. Vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?». 29 Jesus respondeu-lhe: «O primeiro de todos os mandamentos é este: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30 Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças”. 31 O segundo é este: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Não há outro mandamento maior do que estes». 32 Então o escriba disse-Lhe: «Mestre, disseste bem e com verdade que Deus é um só, e que não há outro fora d'Ele; 33 e que amá-l'O com todo o coração, com todo o entendimento, com toda a alma, e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios». 34 Vendo Jesus que tinha respondido sabiamente, disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». Desde então ninguém mais ousava interrogá-l'O.

Comentário:

O Senhor aproveita todas as circunstâncias que se deparam no Seu caminhar pela terra para tirar ilacções que logo se convertem em autênticas lições para quem O quer seguir.

Dar a Deus, seja o que for tem de ser uma atitude pessoal com um critério de justiça.

E, neste caso, justiça é dar tudo quanto somos e possuímos porque o Senhor não se contenta com "meias dádivas", medidas com cálculo e rigor mas apenas com o que Lhe dermos com Amor total e absoluto.

E, Ele paga sempre com imensa generosidade que é à medida do Seu Amor por nós, Amor que O levou a dar a própria vida.

(ama, comentário sobre Mc 12, 38-44, 2015.06.06)

Leitura espiritual





INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

"Creio em Deus" – Hoje

SEGUNDA PARTE

JESUS CRISTO

CAPÍTULO PRIMEIRO

"Creio em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".

III. Jesus Cristo – verdadeiro Deus e verdadeiro Homem

2. Clichê moderno do "Jesus histórico"

É preciso avançar devagar. Afinal, quem foi Jesus de Nazaré? Que consciência tinha de si? A dar crédito ao clichê que começa a espalhar-se largamente como forma de vulgarização da Teologia hodierna, os factos ter-se-iam processado mais ou menos assim: Seria preciso imaginar o Jesus histórico como uma espécie de mestre profético que surgiu na atmosfera escatológica e excitada do judaísmo tardio do seu tempo, anunciando a proximidade do reino de Deus de acordo com a situação escatológica excitante. A sua pregação, de início, era toda condicionada pelo tempo: Virá, em breve – agora o reino de Deus, o fim do mundo. Contudo, Jesus acentuava o "agora" de modo tão forte que o futuro condicionado não podia mais valer como o elemento decisivo aos olhos do observador mais atento. Este elemento só podia ser percebido no apelo à decisão – mesmo se o próprio Jesus não pensasse em um futuro, em reino de Deus: o homem torna-se todo comprometido com o presente, com o "agora" que irrompe cada vez.

Não nos vamos deter em comentar que uma mensagem tão vazia de conteúdo com que se presume compreender a Jesus melhor do que ele mesmo se compreendeu, dificilmente teria algum significado para os outros. Ouçamos antes, qual tenha sido a continuação do caso. Por razões que não se conseguem mais reconstituir exactamente, Jesus foi executado, morrendo como um fracassado. Depois, de uma maneira que não é mais possível esclarecer, surgiu a fé na ressurreição e a ideia de que ele voltaria a viver ou, pelo menos, de que ele significava alguma coisa. Paulatinamente, esta fé cresceu dando existência a outra ideia que gira numa esfera semelhante: Jesus voltaria como Filho do homem ou Messias. O passo seguinte re-projetou essa esperança sobre o Jesus histórico, colocando-a nos seus lábios e re-interpretando-o de acordo. Passou-se então a declarar, como se ele pessoalmente se tivesse anunciado como o Filho do homem ou vindouro Messias. Em seguida – sempre dentro dos moldes do nosso clichê – a mensagem transferiu-se do mundo semita para o mundo helénico, o que trouxe consigo consideráveis consequências. No mundo judaico, Jesus era explicado mediante categorias judaicas (Filho de Deus, Messias). Tais categorias eram incompreensíveis para o mundo grego; portanto, lançou-se mão de modelos de representação helénicos. Em lugar dos esquemas judaicos de Filho do homem e de Messias, entraram as categorias helénicas de "homem divino" ou "homem-Deus" (theios aner) mediante as quais se tornou acessível a figura de Jesus.

Ora, o "homem Deus", no sentido grego, destaca-se sobretudo por duas características: é taumaturgo e é de origem divina. Esta última conota uma descendência qualquer de Deus como Pai; é sua origem semidivina, semi-humana que o torna um homem-Deus, um homem divino. Consequência da aplicação da categoria de homem divino foi que, forçosamente, se deveriam transferir para Jesus as citadas características. Portanto, começou-se a descrevê-lo como taumaturgo, e o "mito" do nascimento virginal foi criado pela mesma razão. E este, por sua vez, tornou a descrever a Jesus como Filho de Deus, porque Deus, de maneira mítica, entrou em cena como seu Pai. Assim a interpretação helénica de Jesus como "homem divino", unida às suas consequências, transforma em ideia "ontológica" da descendência de Deus o que antes fora distintivo de Jesus, ou seja, o acontecimento da sua proximidade com Deus. E a fé da antiga Igreja prosseguiu nesta senda mítica até à definitiva cristalização do conjunto, no dogma de Calcedónia com o seu conceito da divina filiação ontológica de Jesus. Com a ideia da origem divina ontológica de Jesus, esse concílio dogmatizou aquele mito, cercando-o de uma abstrusa erudição a ponto de elevar a schibboleth da ortodoxia esta declaração mítica, invertendo assim definitivamente o ponto de saída.

O historiador vê em tudo isso um quadro absurdo que, no entanto encontra hoje em dia multidões de adeptos. Por mim, também abstraindo da fé cristã, estou em condições de acreditar mais facilmente e de preferência numa hominização (encarnação) de Deus do que na possibilidade de realizar-se um tal conjunto de hipóteses. Lastimo não me permitir a limitação aqui imposta descer a detalhes da problemática histórica, que exigiriam uma pesquisa demorada e completa. Devemos (e podemos) limitar-nos ao ponto decisivo, em torno do qual gira o nosso problema: a filiação divina de Jesus. Abordando linguisticamente o assunto com cuidado, sem baralhar tudo o que se gostaria de ver interligado, pode-se constatar o que segue.

3. O direito do dogma cristológico

a)   O problema do "homem-Deus".

O conceito de homem divino ou seja de homem-Deus (theios aner) não se encontra em parte alguma no Novo Testamento. Inversamente, na literatura antiga (grega, etc.) não se encontra em nenhum lugar a designação "Filho de Deus". Eis duas constatações importantes. Os dois conceitos de modo algum dependem um do outro historicamente, nada têm em comum, nem real nem linguisticamente. Nem a Bíblia conhece o homem divino, nem a Antiguidade, na esfera do homem divino, conhece a ideia de filiação divina. Pesquisas mais recentes mostram, além disto, que mesmo o conceito de "homem divino" dificilmente encontra cobertura na era pré-cristã, tendo surgido apenas mais tarde.

Mas, mesmo abstraindo disto, continua valendo que o título de "Filho de Deus" e os nexos reais com ele expressos não podem ser esclarecidos mediante a relação de título e ideia do homem divino: os dois esquemas de representação, olhados historicamente, são totalmente estranhos um ao outro e jamais tiveram pontos de contacto.

b)  A terminologia bíblica e sua relação com o dogma.

Na terminologia bíblica do Novo Testamento deve distinguir-se exactamente entre a expressão "Filho de Deus" e a simples designação "o Filho". Para quem não procede linguisticamente com a devida exactidão, ambas parecem denotar a mesma coisa. Realmente as duas têm algo de comum entre si e movimentam-se sempre uma em direcção à outra. Contudo, originariamente pertencem a contextos totalmente diversos, têm origem diferentes e exprimem coisas diversas.

α) "Filho de Deus".

A expressão origina-se da teologia régia do Antigo Testamento que, por sua vez, se baseia em uma desmitização da teologia régia do Oriente, exprimindo a teologia de escolha de Israel. Exemplo clássico de tal processo de desmitização encontra-se no Salmo 2,7 ou seja, no mesmo texto que se tornou um dos pontos básicos para o pensamento cristológico. Neste verso o rei de Israel ouve o seguinte oráculo: "Promulgarei o decreto divino. Disse-me Deus: Tu és meu filho; eu hoje te gerei. Pede-me e dar-te-ei em posse as nações e para teu domínio, os confins da terra". Este versículo pertence ao contexto da entronização dos reis de Israel e origina-se, como já se disse, de ritos de coroação arcaico-orientais, em que o rei era declarado o filho gerado por Deus; aliás, toda a extensão da imagem de geração só foi conservada, ao que parece, no Egipto: ali o Faraó era considerado um ser gerado miticamente por Deus, enquanto na Babilónia o mesmo ritual já tinha sido bastante desmitizado, tendo sido concebido como ato jurídico o pensamento de que o rei era filho de Deus.

Ao ser aceita a fórmula pela corte davídica, seu sentido mitológico foi completamente rejeitado. A ideia de uma geração física do rei pela divindade foi substituída pelo pensamento de que o rei se torna filho hoje; o acto gerador conota acto de escolha por Deus. O rei é filho não porque engendrado, mas porque eleito por Deus. Não se reivindica um processo físico, mas o poder da vontade divina capaz de criar um ser novo. Sem tardança a teologia inteira do povo escolhido concentra-se na ideia da filiação assim compreendida. Em textos mais antigos, todo Israel é chamado o filho primogénito, dilecto de Iahvé (por exemplo, Ex 4,22). Na época dos reis, ao passar tal modo de falar ao monarca, significa que nele, no descendente de David, está resumida a vocação de Israel; que o rei representa Israel, reunindo na sua pessoa o mistério da promessa, da vocação, do amor que envolve a Israel.

E mais, diante da situação real de Israel, devia parecer zombaria cruel a aplicação do ritual oriental aos reis de Israel, tal como se faz no salmo. Havia sentido, quando, à entronização do faraó ou do rei da Babilónia, se lhes declarava: "Os povos pertencem-te por herança, o mundo é teu; governá-los-ás com vara de ferro, quais vasos de argila poderás despedaçá-los". Tal linguagem correspondia às pretensões de domínio mundial daqueles monarcas. Quando um texto assim, cheio de sentido em se aplicando aos reis do Egipto ou da Babilónia, passa a ser usado com referência ao rei de Sião, transforma-se em pura ironia, pois os reis da terra não tremem diante dele, sendo bem o contrário o que sucede. E o domínio mundial expresso pelos lábios de um mísero príncipe de terceira classe, como o rei de Sião, quase deveria parecer uma piada. Dito de outra maneira: o manto do Salmo, tomado de empréstimo ao rito oriental, era grande demais para os ombros do verdadeiro rei do monte Sião. Portanto, foi uma imposição da história que transformou esse Salmo, que visto sob o prisma do presente, devia parecer quase insuportável, e o revestiu mais e mais de um nimbo de esperança naquele relativamente ao qual ele de facto adquiriria todo o seu valor. Isto é: a Teologia do rei, alterada num primeiro estágio em teologia de geração e de escolha, num segundo passo modificou-se em teologia de esperança no rei que viria; o oráculo da entronização passou progressivamente a um lema de promessa de que um dia viria o rei no qual se tornaria realidade: "Meu Filho és tu; eu hoje te gerei. Pede-me e dar-te-ei os povos da terra por herança".

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)


Reflectindo - 186 - Regras morais 4

Regras morais

…/4

Pode também definir-se moral como o comportamento correcto e impecável do homem nas diversas actividades que desenvolve na sua vida. A correção e impecabilidade não oferecem várias interpretações, estão ao abrigo de qualquer reparo, crítica ou correção por parte de outros.
Tem, além do mais, uma característica muito própria: a moral é a base do comportamento, por isso é comum dizer-se de alguém cujos actos se caracterizam pela sua maldade ou irregularidade, fora dos padrões considerados aceitáveis pela sociedade em geral, que tal pessoa é amoral, isto é, não tem moral.

(cont)

(ama, Reflexões, Garrão, 2015.09.19)