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02/06/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo Comum

Evangelho: Mc 12, 28-34

28 Então aproximou-se um dos escribas, que os tinha ouvido discutir. Vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?». 29 Jesus respondeu-lhe: «O primeiro de todos os mandamentos é este: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30 Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças”. 31 O segundo é este: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Não há outro mandamento maior do que estes». 32 Então o escriba disse-Lhe: «Mestre, disseste bem e com verdade que Deus é um só, e que não há outro fora d'Ele; 33 e que amá-l'O com todo o coração, com todo o entendimento, com toda a alma, e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios». 34 Vendo Jesus que tinha respondido sabiamente, disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». Desde então ninguém mais ousava interrogá-l'O.

Comentário:

O Senhor aproveita todas as circunstâncias que se deparam no Seu caminhar pela terra para tirar ilacções que logo se convertem em autênticas lições para quem O quer seguir.

Dar a Deus, seja o que for tem de ser uma atitude pessoal com um critério de justiça.

E, neste caso, justiça é dar tudo quanto somos e possuímos porque o Senhor não se contenta com "meias dádivas", medidas com cálculo e rigor mas apenas com o que Lhe dermos com Amor total e absoluto.

E, Ele paga sempre com imensa generosidade que é à medida do Seu Amor por nós, Amor que O levou a dar a própria vida.

(ama, comentário sobre Mc 12, 38-44, 2015.06.06)

Leitura espiritual





INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

"Creio em Deus" – Hoje

SEGUNDA PARTE

JESUS CRISTO

CAPÍTULO PRIMEIRO

"Creio em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".

III. Jesus Cristo – verdadeiro Deus e verdadeiro Homem

2. Clichê moderno do "Jesus histórico"

É preciso avançar devagar. Afinal, quem foi Jesus de Nazaré? Que consciência tinha de si? A dar crédito ao clichê que começa a espalhar-se largamente como forma de vulgarização da Teologia hodierna, os factos ter-se-iam processado mais ou menos assim: Seria preciso imaginar o Jesus histórico como uma espécie de mestre profético que surgiu na atmosfera escatológica e excitada do judaísmo tardio do seu tempo, anunciando a proximidade do reino de Deus de acordo com a situação escatológica excitante. A sua pregação, de início, era toda condicionada pelo tempo: Virá, em breve – agora o reino de Deus, o fim do mundo. Contudo, Jesus acentuava o "agora" de modo tão forte que o futuro condicionado não podia mais valer como o elemento decisivo aos olhos do observador mais atento. Este elemento só podia ser percebido no apelo à decisão – mesmo se o próprio Jesus não pensasse em um futuro, em reino de Deus: o homem torna-se todo comprometido com o presente, com o "agora" que irrompe cada vez.

Não nos vamos deter em comentar que uma mensagem tão vazia de conteúdo com que se presume compreender a Jesus melhor do que ele mesmo se compreendeu, dificilmente teria algum significado para os outros. Ouçamos antes, qual tenha sido a continuação do caso. Por razões que não se conseguem mais reconstituir exactamente, Jesus foi executado, morrendo como um fracassado. Depois, de uma maneira que não é mais possível esclarecer, surgiu a fé na ressurreição e a ideia de que ele voltaria a viver ou, pelo menos, de que ele significava alguma coisa. Paulatinamente, esta fé cresceu dando existência a outra ideia que gira numa esfera semelhante: Jesus voltaria como Filho do homem ou Messias. O passo seguinte re-projetou essa esperança sobre o Jesus histórico, colocando-a nos seus lábios e re-interpretando-o de acordo. Passou-se então a declarar, como se ele pessoalmente se tivesse anunciado como o Filho do homem ou vindouro Messias. Em seguida – sempre dentro dos moldes do nosso clichê – a mensagem transferiu-se do mundo semita para o mundo helénico, o que trouxe consigo consideráveis consequências. No mundo judaico, Jesus era explicado mediante categorias judaicas (Filho de Deus, Messias). Tais categorias eram incompreensíveis para o mundo grego; portanto, lançou-se mão de modelos de representação helénicos. Em lugar dos esquemas judaicos de Filho do homem e de Messias, entraram as categorias helénicas de "homem divino" ou "homem-Deus" (theios aner) mediante as quais se tornou acessível a figura de Jesus.

Ora, o "homem Deus", no sentido grego, destaca-se sobretudo por duas características: é taumaturgo e é de origem divina. Esta última conota uma descendência qualquer de Deus como Pai; é sua origem semidivina, semi-humana que o torna um homem-Deus, um homem divino. Consequência da aplicação da categoria de homem divino foi que, forçosamente, se deveriam transferir para Jesus as citadas características. Portanto, começou-se a descrevê-lo como taumaturgo, e o "mito" do nascimento virginal foi criado pela mesma razão. E este, por sua vez, tornou a descrever a Jesus como Filho de Deus, porque Deus, de maneira mítica, entrou em cena como seu Pai. Assim a interpretação helénica de Jesus como "homem divino", unida às suas consequências, transforma em ideia "ontológica" da descendência de Deus o que antes fora distintivo de Jesus, ou seja, o acontecimento da sua proximidade com Deus. E a fé da antiga Igreja prosseguiu nesta senda mítica até à definitiva cristalização do conjunto, no dogma de Calcedónia com o seu conceito da divina filiação ontológica de Jesus. Com a ideia da origem divina ontológica de Jesus, esse concílio dogmatizou aquele mito, cercando-o de uma abstrusa erudição a ponto de elevar a schibboleth da ortodoxia esta declaração mítica, invertendo assim definitivamente o ponto de saída.

O historiador vê em tudo isso um quadro absurdo que, no entanto encontra hoje em dia multidões de adeptos. Por mim, também abstraindo da fé cristã, estou em condições de acreditar mais facilmente e de preferência numa hominização (encarnação) de Deus do que na possibilidade de realizar-se um tal conjunto de hipóteses. Lastimo não me permitir a limitação aqui imposta descer a detalhes da problemática histórica, que exigiriam uma pesquisa demorada e completa. Devemos (e podemos) limitar-nos ao ponto decisivo, em torno do qual gira o nosso problema: a filiação divina de Jesus. Abordando linguisticamente o assunto com cuidado, sem baralhar tudo o que se gostaria de ver interligado, pode-se constatar o que segue.

3. O direito do dogma cristológico

a)   O problema do "homem-Deus".

O conceito de homem divino ou seja de homem-Deus (theios aner) não se encontra em parte alguma no Novo Testamento. Inversamente, na literatura antiga (grega, etc.) não se encontra em nenhum lugar a designação "Filho de Deus". Eis duas constatações importantes. Os dois conceitos de modo algum dependem um do outro historicamente, nada têm em comum, nem real nem linguisticamente. Nem a Bíblia conhece o homem divino, nem a Antiguidade, na esfera do homem divino, conhece a ideia de filiação divina. Pesquisas mais recentes mostram, além disto, que mesmo o conceito de "homem divino" dificilmente encontra cobertura na era pré-cristã, tendo surgido apenas mais tarde.

Mas, mesmo abstraindo disto, continua valendo que o título de "Filho de Deus" e os nexos reais com ele expressos não podem ser esclarecidos mediante a relação de título e ideia do homem divino: os dois esquemas de representação, olhados historicamente, são totalmente estranhos um ao outro e jamais tiveram pontos de contacto.

b)  A terminologia bíblica e sua relação com o dogma.

Na terminologia bíblica do Novo Testamento deve distinguir-se exactamente entre a expressão "Filho de Deus" e a simples designação "o Filho". Para quem não procede linguisticamente com a devida exactidão, ambas parecem denotar a mesma coisa. Realmente as duas têm algo de comum entre si e movimentam-se sempre uma em direcção à outra. Contudo, originariamente pertencem a contextos totalmente diversos, têm origem diferentes e exprimem coisas diversas.

α) "Filho de Deus".

A expressão origina-se da teologia régia do Antigo Testamento que, por sua vez, se baseia em uma desmitização da teologia régia do Oriente, exprimindo a teologia de escolha de Israel. Exemplo clássico de tal processo de desmitização encontra-se no Salmo 2,7 ou seja, no mesmo texto que se tornou um dos pontos básicos para o pensamento cristológico. Neste verso o rei de Israel ouve o seguinte oráculo: "Promulgarei o decreto divino. Disse-me Deus: Tu és meu filho; eu hoje te gerei. Pede-me e dar-te-ei em posse as nações e para teu domínio, os confins da terra". Este versículo pertence ao contexto da entronização dos reis de Israel e origina-se, como já se disse, de ritos de coroação arcaico-orientais, em que o rei era declarado o filho gerado por Deus; aliás, toda a extensão da imagem de geração só foi conservada, ao que parece, no Egipto: ali o Faraó era considerado um ser gerado miticamente por Deus, enquanto na Babilónia o mesmo ritual já tinha sido bastante desmitizado, tendo sido concebido como ato jurídico o pensamento de que o rei era filho de Deus.

Ao ser aceita a fórmula pela corte davídica, seu sentido mitológico foi completamente rejeitado. A ideia de uma geração física do rei pela divindade foi substituída pelo pensamento de que o rei se torna filho hoje; o acto gerador conota acto de escolha por Deus. O rei é filho não porque engendrado, mas porque eleito por Deus. Não se reivindica um processo físico, mas o poder da vontade divina capaz de criar um ser novo. Sem tardança a teologia inteira do povo escolhido concentra-se na ideia da filiação assim compreendida. Em textos mais antigos, todo Israel é chamado o filho primogénito, dilecto de Iahvé (por exemplo, Ex 4,22). Na época dos reis, ao passar tal modo de falar ao monarca, significa que nele, no descendente de David, está resumida a vocação de Israel; que o rei representa Israel, reunindo na sua pessoa o mistério da promessa, da vocação, do amor que envolve a Israel.

E mais, diante da situação real de Israel, devia parecer zombaria cruel a aplicação do ritual oriental aos reis de Israel, tal como se faz no salmo. Havia sentido, quando, à entronização do faraó ou do rei da Babilónia, se lhes declarava: "Os povos pertencem-te por herança, o mundo é teu; governá-los-ás com vara de ferro, quais vasos de argila poderás despedaçá-los". Tal linguagem correspondia às pretensões de domínio mundial daqueles monarcas. Quando um texto assim, cheio de sentido em se aplicando aos reis do Egipto ou da Babilónia, passa a ser usado com referência ao rei de Sião, transforma-se em pura ironia, pois os reis da terra não tremem diante dele, sendo bem o contrário o que sucede. E o domínio mundial expresso pelos lábios de um mísero príncipe de terceira classe, como o rei de Sião, quase deveria parecer uma piada. Dito de outra maneira: o manto do Salmo, tomado de empréstimo ao rito oriental, era grande demais para os ombros do verdadeiro rei do monte Sião. Portanto, foi uma imposição da história que transformou esse Salmo, que visto sob o prisma do presente, devia parecer quase insuportável, e o revestiu mais e mais de um nimbo de esperança naquele relativamente ao qual ele de facto adquiriria todo o seu valor. Isto é: a Teologia do rei, alterada num primeiro estágio em teologia de geração e de escolha, num segundo passo modificou-se em teologia de esperança no rei que viria; o oráculo da entronização passou progressivamente a um lema de promessa de que um dia viria o rei no qual se tornaria realidade: "Meu Filho és tu; eu hoje te gerei. Pede-me e dar-te-ei os povos da terra por herança".

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)


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