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02/12/2016

Leitura espiritual


DE MAGISTRO

(DO MESTRE)

CAPÍTULO XII

CRISTO É A VERDADE QUE ENSINA INTERIORMENTE

AGOSTINHO

– Ora, se para as cores precisamos de luz, e para as outras coisas que nosso corpo percebe interpelamos os elementos do mundo, os objectos percebidos e os próprios sentidos são instrumentos de que a mente se serve para conhecer as coisas externas.

Todavia, para aquelas coisas que conhecemos pela inteligência consultamos, por meio da razão, a verdade interior; e o que diremos, para que fique claro, senão que pelas palavras nada mais aprendemos além do som que atinge nosso ouvido?

Pois todas as coisas que percebemos, ou são apanhadas pelos sentidos físicos ou pela mente.

Chamamos às primeiras “sensíveis”, e às segundas “inteligíveis” ou, para usar a linguagem de nossos autores, às primeiras “carnais” e às segundas “espirituais”.

Quanto às primeiras, se estiverem ao nosso alcance podemos responder, como quando estamos olhando a lua, e alguém nos pergunte o que é ou onde ela está.
Neste caso, quem pergunta, se não enxergam acredita ou não nas nossas palavras, mas não aprende de modo algum; a menos que também veja o que lhe está sendo afirmado e, nesse caso, não aprende pelo simples som das palavras, mas pelas próprias coisas e que fecha os seus sentidos.

As palavras, pois, têm o mesmo som para quem vê, como para quem não vê.
Se, porém, somos indagados, não sobre as coisas presentes, mas sobre as que percebemos outrora, respondendo, não fazemos referências às mesmas, mas às suas imagens gravadas na nossa memória; não sei como poderíamos chamar tais imagens de verdadeiras, pois percebemos serem falsas, a não ser que acrescentemos que sua visão e percepção não são actuais, mas pretéritas.

Portanto, nós gravamos nos meandros da memória as imagens como documentos das coisas que percebemos; contemplando-as com honestidade na nossa mente, não mentimos quando falamos.

Mas estes são documentos válidos só para nós, pois quem nos ouve, se as percebeu ou presenciou, não as aprende pelas minhas palavras, mas as reconhece nas imagens que também levou consigo;todavia, se nunca as percebeu, todos concordarão que ele mais do que aprender, crê nas palavras.

Tratando das coisas que percebemos pela mente, isto é, por meio do intelecto e da razão, estamos ainda tratando de coisas que temos como presentes, sob a luz interior da verdade, que ilumina o homem interior, que dela desfruta.

Mas também aqui nosso interlocutor conhece o que eu digo pela sua própria contemplação, e não mediante minhas palavras, posto que ele também veja por si a mesma coisa com olhos interiores e simples.

Portanto, nem sequer a este, que vê as coisas na verdade, ensino algo dizendo-lhe a verdade, uma vez que não aprende pelas minhas palavras, mas pelas próprias coisas que Deus a ele revela no seu interior; e ele, interrogado sobre elas, sem mais, poderia responder.

Ora, haverá absurdo maior que acreditar que minhas palavras possam ter instruído aquele que, interrogado antes da minha prelecção, poderia responder sobre o assunto?

O caso, que ocorre com frequência, de alguém interrogado negar algo e depois, estimulado por perguntas ulteriores, vir a concordar, depende da fraqueza da sua visão que não pode abarcar todas as coisas pela luz interior, e a isto sendo levado, por partes sucessivas, pelas perguntas inerentes às mesmas partes de uma verdade única, que ele não podia intuir, de uma só vez, no seu conjunto.

Se chegar a tal por meio das perguntas, não significa que as palavras lhe ensinaram alguma coisa, mas apenas que lhe ofereceram um meio, uma capacidade para enxergar no seu interior.

Seria assim se eu te arguisse sobre o que estamos tratando agora, isto é, se é possível ensinar algo pelas palavras, e tu, na incapacidade de abranger com a mente a questão inteira, julgasses, no primeiro momento, absurda a pergunta.

Por isso, foi preciso apresentar a pergunta na medida da tua capacidade de ouvir o mestre interior, e dizer-te as coisas que, quando ouves, confessas com certeza serem verdadeiras e que afirmas conhecê-las bem; onde aprendeste?

Responderias, talvez, que fui eu quem tas ensinou?

E então eu perguntaria:

Como? Se eu te afirmasse ter visto um homem voando, as minhas palavras dar-te-iam tanta certeza como se me ouvisses dizer que os homens sábios são melhores que os tolos?

Certamente, depois de negar, responderias não acreditar na primeira ou, mesmo que acreditasses, que ela é para ti completamente desconhecida, e, no entanto, que sabes com certeza a segunda.

Compreenderias, pois com clareza que nada aprendeste com minhas palavras: nem aquilo que ignoravas, nem aquilo que já sabias optimamente; pois jurarias, ao ser interrogado parte por parte sobre as duas coisas, que a primeira te era desconhecida e a segunda, conhecida.

E então chegarias a admitir tudo o que antes negavas ao reconhecer como claras e certas as partes que compõem a questão; isto é, que a respeito de tudo o que falamos, quem nos está ouvindo ou desconhece se não verdadeiras, ou sabe que são falsas, ou sabe que são verdadeiras.

No primeiro caso, ou crê, ou opina, ou duvida; no segundo, nega; no terceiro, afirma, mas em nenhum dos três aprende.

Tanto aquele que depois de me ouvir ignora a coisa, como quem reconhece que ouviu falsidades e como quem, interrogado, poderia repetir o que foi dito, demonstra que nada aprendeu pelas minhas palavras.

(Revisão de versão portuguesa por ama

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