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23/11/2016

Leitura espiritual


DE MAGISTRO

(DO MESTRE)

CAPÍTULO V

SINAIS RECÍPROCOS

…/2

AGOSTINHO

– E já vislumbraste aonde quero chegar?

ADEODATO

– Ainda não.

AGOSTINHO

– Não percebes que nome é aquilo com que se nomeia uma coisa?

ADEODATO

– Não há para mim coisa mais clara.

AGOSTINHO

– Então notas que “est” (é – sim) é nome, se o que havia em Cristo se chama “est” (é – sim).

ADEODATO

– Não há como negá-lo.
AGOSTINHO

– Mas se indagasse a que parte do discurso pertence “est” (é – sim), creio que não responderias “nome”, mas “verbo”, embora o raciocínio tenha demonstrado que é também nome.

ADEODATO

– É exatamente como dizes.

AGOSTINHO

– Poderás ainda duvidar que também as outras partes da oração sejam nomes, como demonstraremos no caso do verbo “est”?

ADEODATO

– Não duvido, pois percebo que significam algo; mas se me perguntares a respeito das próprias coisas que elas significam, isto é, como cada uma, individualmente, se chame ou nomeie, só poderei responder com aquelas partes da oração que não chamamos de nomes, mas que, ao que parece, deveríamos chamar palavras?

AGOSTINHO

– Nem te preocupa que o nosso arrazoado possa ser abalado pela afirmação que se deve atribuir ao Apóstolo autoridade de doutrina, mas não de palavras, e que, portanto, as bases da nossa persuasão não são tão firmes como parecia? E pode ser que Paulo, embora tenha vivido e ensinado rectissimamente, não tenha falado com igual exactidão quando disse: “o sim era nele” (em Cristo); tanto mais que ele mesmo se confessa inepto na arte de falar? Como julgas que se possa refutar tal objecção?

ADEODATO

– Não saberia o que responder, e rogo-te que procures um dos que são tidos como autoridades máximas na arte da palavra, para esclarecer o que desejas.

AGOSTINHO

– Parece-te, pois, que a razão por si só, sem o aval da autoridade, não bastaria para demonstrar que todas as partes da oração têm um significado e que, por isso, cabe-lhes uma denominação; ora, se se chamam, também se nomeiam, e, se se nomeiam, terão de nomear-se com um nome; o que se vê facilmente comparando diversas línguas. Pois é evidente que se perguntarmos como os gregos nomeiam o que nós nomeamos “quis” (quem), nos responderiam tis; como nomeiam o que nós nomeamos “bene” (bem), eles kalõs; o que nós nomeamos “scriptum” (escrito), eles to gegrammenon; o que nós “et” (e), eles kaí; o que nós “ab” (por, de), eles, ápò o que nós “heu” (ai), eles oi; e quanto a todas estas partes da oração que enumerei, estaria certo quem fizesse a pergunta: seria possível isto se não fossem nomes? Podemos demonstrar, mediante este processo, que o apóstolo Paulo falou correctamente, sem apelar para a autoridade de outros oradores: que necessidade há, pois, de procurarmos em outros o apoio para a nossa opinião?
– Mas se houver alguém tão tardo ou tão teimoso que não ceda e teime não ceder sem a autoridade daqueles autores, aos quais o consenso geral atribui as regras da arte de falar, quem se poderia encontrar na língua latina mais exímio do que Cícero? Ora, nas suas nobilíssimas orações, apelidadas “verrinas”, ele chama “nome” ao termo “coram” (diante de), embora naquela passagem possa ser tomado como preposição ou como advérbio. Mas, como poderia ocorrer que eu não esteja compreendendo bem aquela passagem, que poderia ser interpretada diversamente por outrem, vou citar um caso a que não creio se possa fazer objecção alguma. Os mais renomados mestre de dialética afirmam que uma frase completa é formada pelo nome e pelo verbo, quer seja afirmativa ou negativa; o que Túlio (Cícero), em certa passagem, denomina enunciado ou proposição. Quando o verbo está na terceira pessoa, dizem que o caso do nome deve ser o nominativo, e está certo; e se, quando dizemos: “O homem senta, o cavalo corre”, examinares o que ficou dito, reconhecerás, segundo julgo, que ocorrem aí duas proposições.

ADEODATO

– Reconheço-o.

AGOSTINHO

– Observas que em cada proposição há um nome – na primeira, “homem”, e na segunda, “cavalo” – e que está associado a um verbo, “senta” e “corre” respectivamente?

ADEODATO

– Percebi.

AGOSTINHO

– Ora, se eu dissesse apenas “senta” ou “corre”, com toda a razão me perguntarias quem ou o que eu responderia “homem”, ou “cavalo”, ou “animal”, ou qualquer outra coisa que ligasse o nome referido ao verbo para completar o enunciado, isto é, a proposição, que poderia ser afirmativa ou negativa.

ADEODATO

– Compreendo.

AGOSTINHO

– Suponhamos agora que estamos vendo algo bem distante e não distinguimos se se trata de um animal, de uma pedra ou de outra coisa, e que eu afirmasse: “porque um homem, é (também) animal”, não faria eu uma afirmação temerária?

ADEODATO

– Muito temerária, mas não o seria se dissesses: “Se é um homem, é um animal”.

AGOSTINHO

– Dizes o certo. Portanto, na tua frase o “se” satisfaz a mim e a ti; e, ao contrário, aos dois desagrada o “porque” da minha.

ADEODATO

– Concordo.

AGOSTINHO

– Observa agora se estas duas proposições, “se satisfaz”, e “porque desagrada”, estão completas.

ADEODATO

– Completas, certamente.

AGOSTINHO

– Vamos, diga-me então quais são os verbos e quais os nomes.

ADEODATO

– Vejo que os verbos são “satisfaz” e “desagrada”, e os nomes, quais outros haveriam de ser senão “se” e porque”?

AGOSTINHO

– Logo, está suficientemente demonstrado que estas duas conjunções também são nomes.

ADEODATO

– Sim, suficientemente.

AGOSTINHO

– E poderias por ti mesmo, seguindo esta regra, demonstrar a mesma coisa nos confrontos das demais partes da oração?

ADEODATO

– Poderia.

(Revisão de versão portuguesa por ama

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