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22/11/2016

Leitura espiritual


DE MAGISTRO

(DO MESTRE)

CAPÍTULO IV

SE OS SINAIS SE MOSTRAM COM SINAIS

…/2

AGOSTINHO

– E não é assim também para “nome”? Este, pois, significa os nomes de todos os géneros, e “nome” mesmo é de género neutro. Ou, se te perguntasse que parte da oração é nome, não poderias responder-me acertadamente dizendo “nome”?

ADEODATO

– Poderia.

AGOSTINHO

– Portanto, há sinais que, entre as outras coisas que significam, significam também a si mesmos.

ADEODATO

– Há.

AGOSTINHO

– Quando dizemos “coniunctio” (conjunção), julgas que este sinal quadrissílabo possa ser um daqueles?

ADEODATO

– Certamente que não; porque as coisas que significa não são nomes, enquanto ele é um nome.

CAPÍTULO V

SINAIS RECÍPROCOS

AGOSTINHO

– Raciocínio correcto; vejamos agora se é possível encontrar sinais que se signifiquem reciprocamente, tais que, assim como este significa aquele, também aquele signifique este; e não me parece ser o caso entre aquele quadrissílabo “conjunctio” e as coisas que este significa, tais como: “si” (se), “vel” (ou), “nam” (pois), “namque” (e pois), “nisi” (se não), “ergo” (logo), “quoniam” (porque) e outras semelhantes, porque aquela palavra sozinha significa todas estas, mas não há nenhuma entre estas que signifique aquele quadrissílabo.

ADEODATO

– Compreendo, e gostaria de saber quais os sinais que se significam reciprocamente.

AGOSTINHO

– Sabes, então, que, quando dizemos “nome” e “palavra”, dizemos duas palavras?

ADEODATO
– Sei, sim.
AGOSTINHO
– E não sabes que, quando dizemos “nome” e “palavra”, dizemos dois nomes?

ADEODATO

– Também sei.

AGOSTINHO

– Portanto, sabes que tanto o nome pode ser significado com a palavra, quanto a palavra com o nome.

ADEODATO

– Concordo.

AGOSTINHO

– E podes dizer-me, salvo a diversidade de escrita e de pronúncia, em que diferem entre si?

ADEODATO

– Talvez possa, pois parece-me tratar-se do mesmo caso de que falei há pouco. De facto, quando dizemos “palavra”, entendemos tudo o que proferimos com algum significado; assim, todo nome, e ainda o próprio termo “nome”, é uma palavra, mas nem toda palavra é nome, embora
quando dizemos “palavra” entendemos “nome”.

AGOSTINHO

– E se alguém afirmasse e demonstrasse que, assim como cada nome é palavra, também cada palavra é nome, poderias ainda determinar sua diferença, afora o diverso som da sua pronúncia?

ADEODATO

– Creio que não poderia, e julgaria não haver diferença alguma.

AGOSTINHO

– Como? Se tudo o que proferimos, com algum significado, tanto são palavras como nomes e, contudo, por certas razoes, são palavras e, por outras razões são nomes, não haverá entre nome e palavra distinção alguma?

ADEODATO

– Não compreendo como isto se possa dar.

AGOSTINHO – Isto certamente entendes: tudo o que é “colorido” é visível e tudo o que é visível é “colorido”, apesar de estas duas palavras significarem coisas distintas e separadas.

ADEODATO

– Entendo.

AGOSTINHO

– E porventura será difícil admitir que do mesmo modo toda palavra é nome e todo nome é palavra, embora estes dois termos “nome” e “palavra” tenham significado diferente?

ADEODATO

– Percebo que isto pode acontecer, mas espero que me mostres como isto acontece.

AGOSTINHO

– Creio que reparaste que tudo o que nossa voz profere com algum significado fere o ouvido onde é percebido, e daí é enviado à memória para ficar conhecido.

ADEODATO

– Sim, reparo.

AGOSTINHO

– Acontecem, portanto, duas coisas quando falamos algo.

ADEODATO

– Assim é.

AGOSTINHO

– Aceitarias que por uma destas qualidades fosse chamadas palavras (“verba”) de “verberare”: percutir, bater) e pela outra nomes (“nomina”, de “nosco”: conhecer)? E o primeiro termo assim se chamasse por causa do ouvido, e o segundo, por causa do espírito?

ADEODATO

– Concordarei assim que me tiveres demonstrado que podemos, com acerto, chamar nomes a todas as palavras.

AGOSTINHO

– Será fácil, pois creio que aprendeste e recordas que se chama “pronome” aquilo que está em lugar do nome, ainda que denote a coisa com menor intensidade que o nome. parece-me que foi assim que o definiu o gramático que mencionaste: “Pronome é uma parte da oração que, usada no lugar do nome, significa a mesma coisa que este, porém menos plenamente”.

ADEODATO

– Lembro-me e concordo.

AGOSTINHO

– Vemos, portanto, que, de acordo com esta definição, os pronomes se referem só aos nomes, e só podem ser empregues no lugar destes, como quando se diz: este homem, o mesmo rei, a mesma mulher, esse ouro, aquela prata; os termos “este”, “mesmo”, “mesma”, “esse”, “aquela” são pronomes, “homem”, “rei”, “mulher”, “ouro”, “prata” são nomes que, mais plenamente que os mesmos pronomes, significam as coisas.

ADEODATO

– Percebo e estou de acordo.

AGOSTINHO

– Enuncia-me agora algumas conjunções, as que quiseres.

ADEODATO

– “E” (et), “também” (que), “mas” (at), “senão” (atque).

AGOSTINHO

– Tudo o que disseste parece ser nome?

ADEODATO

– De maneira alguma.

AGOSTINHO

– Mas ao menos julgaste que eu falei bem dizendo: “tudo isso”, “tudo o que” disseste?

ADEODATO

– Completamente correcto; e compreendo, quão admiravelmente me demonstraste que enunciei nomes, pois se assim não fosse não se poderia dizer: “tudo isto” (haec omnia), como se poderia dizer com acerto “todas estas palavras” (haec omnia verba). Todavia, se me perguntares a que parte da oração pertence “palavra”, responderei que é um nome. Eis a razão de, a este nome, acrescentares o pronome, para que a tua frase estivesse correcta.

AGOSTINHO

– Sem dúvida estás enganado, embora demonstres certa agudeza. Para desfazer o engano, presta mais atenção ao que vou dizer, posto que eu consiga dizê-lo como quero, pois falar sobre palavras com palavras é tão complicado como entrelaçar os dedos e assim tentar coçá-los, quando apenas quem os mexe pode distinguir os dedos que têm comichão dos que ajudariam a acalmar-lhe o prurido.

ADEODATO

– Eis-me aqui todo ouvidos e atenção, pois a comparação despertou-me profundo interesse.

AGOSTINHO

– As palavras resultam certamente de som e de letras.

ADEODATO

– Assim é, de facto.

AGOSTINHO

– Ora, lançando mão de uma autoridade que nos é caríssima, quando o Apóstolo Paulo diz: “Não havia em Cristo o sim e o não, mas somente havia nele o sim”, não creio que seja o caso de pensar que as três letras que pronunciamos dizendo “sim” (est) existissem em Cristo mas, antes, o que estas três letras significam.

ADEODATO

– Entendo e acompanho-te.

AGOSTINHO

– E compreendes com certeza que não há diferença entre dizer: “se chama virtude” ou “senomeia virtude”.

ADEODATO

– É claro.

AGOSTINHO

– Assim é, pois, igualmente claro não haver diferença se alguém disser: “o que havia nele (em Cristo) se chama “sim” ou se nomeia “sim”.

ADEODATO

– Percebo que aqui também não há diferença.


(Revisão de versão portuguesa por ama

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