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31/10/2016

Reflexão no Ano Jubilar da Misericórdia – 8

Próximos do próximo

Há muitos anos que sirvo em casa de Zaqueu. Confesso que não é um trabalho muito agradável e não fora o excelente salário há muito teria procurado outro.
Mas não só… também tenho de reconhecer que me afeiçoei ao meu amo não só porque me trata bem, mas principalmente porque tenho a noção que sou o único amigo – e, às vezes, confidente – que tem.

O meu amo é «chefe dos publicanos [ii] o que não lhe granjeia grandes simpatias junto do povo pelo que tem muito poucos amigos.
Não obstante ser «um homem rico»[iii] e possuir uma excelente casa, onde nada falta, e uma mesa farta, vive de facto quase isolado e só.

Claro que eu sei muito bem que todos suspeitam que os meios de fortuna lhe vêm directamente do exercício da sua profissão de cobrador de impostos e não só das “comissões” que os romanos lhe pagam para os cobrar, mas também porque muitas vezes se “aproveita” de algumas situações cobrando mais do que o devido, arrecadando para si esses dinheiros. Talvez, até, os seus colegas lhe entreguem parte do que eles próprios também cobram a mais.

Aconteceu, porém, que um dos seus subordinados – um tal conhecido por Mateus – tinha subitamente abandonado a profissão e, isto, em circunstâncias relatadas por muita gente do povo.

Claro que Mateus veio ter com o seu chefe – o meu amo – e lhe contou o que sucedera e o levara a tal decisão de mudar de vida.

Desde então, o meu amo nunca mais teve sossego por causa de uma ideia fixa que se lhe instalara no espírito: tinha de conhecer esse homem a que chamavam Jesus o Nazareno, esse mesmo que fora ”o responsável” pela mudança de vida de Mateus que agora o seguia para onde quer que fosse.

De facto, «procurava conhecer de vista Jesus» [iv] porque, julgava ele, um contacto pessoal não seria possível: um judeu falar com um publicano!!!

Um dia, no mercado da cidade próxima, Jericó, deparei-me com uma agitação fora do comum e informaram-me que esse Jesus ia passar por ali pelo que toda a gente se juntava no caminho à saída da cidade para O ver e, se possível, fazer-lhe algum pedido.

Voltei a toda a pressa para casa e informei o meu amo dizendo-lhe que ali estava a oportunidade porque tanto ansiava.

Ele não hesitou um minuto sequer e «Correndo adiante, subiu a um sicómoro para O ver» [v] quando passasse por ali.

Confesso que fiquei espantado com tal atitude e percebi-me que o seu desejo de ver Jesus era de tal forma genuíno que não se importou com o que outros pudessem dizer por se colocar, assim, empoleirado numa árvore, algo inesperado por parte de uma pessoa tão importante.

O cortejo que seguia Jesus aproximava-se e, então, aconteceu uma coisa extraordinária:

Jesus parou mesmo debaixo do sicómoro onde o meu amo se empoleirara e «levantando os olhos disse-lhe:
«Zaqueu, desce depressa, porque convém que Eu fique hoje em tua casa» [vi].

O meu amo, radiante «desceu a toda a pressa, e recebeu-O alegremente» [vii]

Foi um dia memorável que jamais esquecerei.

Os dois, Jesus e Zaqueu conversaram longamente como se fossem “velhos amigos” e era bem notória a alegria e, ao mesmo tempo, a serenidade que o meu amo ostentava.

Não lhe importando os murmúrios que os circunstantes deixavam escapar, as críticas e os “remoques”, pondo-se subitamente «pé diante do Senhor, disse-Lhe: «Eis, Senhor, que dou aos pobres metade dos meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo». [viii]

Os murmúrios cessaram de repente e as pessoas comentavam admiradas e algo incrédulas o que acabavam de ouvir.

Mas, a verdade, é que logo que Jesus se afastou o meu amo começou a tratar das coisas tal como tinha dito e prometido.

O que posso dizer é que o meu amo nunca mais foi o mesmo homem; a mudança na sua vida, no seu modo de proceder foi tal que, aos poucos muitas pessoas que – como atrás disse – evitavam qualquer contacto, passaram a ser visitas de sua casa e, muitas vezes assisti, com pedidos de auxílio e assistência que nunca lhes negava.

(ama, reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia)




[i] Lc 19 1 Tendo entrado em Jericó, atravessava a cidade. 2 Eis que um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e rico, 3 procurava conhecer de vista Jesus, mas não podia por causa da multidão, porque era pequeno de estatura. 4 Correndo adiante, subiu a um sicómoro para O ver, porque havia de passar por ali. 5 Quando chegou Jesus àquele lugar, levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque convém que Eu fique hoje em tua casa». 6 Ele desceu a toda a pressa, e recebeu-O alegremente. 7 Vendo isto, todos murmuravam, dizendo: «Foi hospedar-Se em casa de um homem pecador». 8 Entretanto, Zaqueu, de pé diante do Senhor, disse-Lhe: «Eis, Senhor, que dou aos pobres metade dos meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo». 9 Jesus disse-lhe: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque este também é filho de Abraão. 10 Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido».

Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas poderia ser um dos Evangelhos “oficiais” do Ano Jubilar da Misericórdia.

De facto, aparte a magistral descrição de um acontecimento real e conctreto na que se verificou com Jesus Cristo no Seu incessante caminhar por terras de Israel anunciando o Reino de Deus, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.

São Josemaria recomendou: aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais. [i]

É isso mesmo que me proponho fazer.

Sob o Título: “Próximos do próximo (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.

[ii] Cfr. Lc 19, 1
[iii] Cfr. Lc 19, 1
[iv][iv] Cfr. Lc 19, 3
[v] Cfr. Lc 19, 4
[vi] Cfr. Lc 19, 5
[vii] Cfr. Lc 19, 6
[viii] Cfr. Lc 19, 8

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