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29/09/2016

Reflexão no Ano Jubilar da Misericórdia – 8






















Próximos do próximo

[i] 

Seguia o cortejo fúnebre e, confesso não me sentia nada bem comigo mesmo.
Como que um “peso” sobre o peito esmagava-me e fazia-me sentir muito mal, como se estivesse a representar um papel de um drama qualquer que, até então, tinha ignorado completamente.

De propósito!
Achava que não me dizia respeito!

A pobre mulher que seguia o féretro do filho único era de facto viúva de um homem que tinha sido um grande amigo meu, aliás, mais que amigo, um autêntico bem-feitor.
Devia-lhe uma soma de dinheiro não despicienda e, no entanto, nem enquanto vivo alguma vez me pressionara para que lhe pagasse como nem sequer, ao morrer, se encontrou qualquer nota da dívida pendente.
Senti-me “aliviado”, ninguém sabia do caso e, como nada havia escrito, a dívida pura e simplesmente deixara de existir.
Na verdade, algumas vezes, pensei em resolver a situação até porque sabia que a viúva vivia com enormes dificuldades sendo o filho o único apoio com que contava para o seu parco sustento.
Mas… fui deixando o tempo passar e nada fiz.

Agora… aquele “peso” de que falava fazia-me sentir uma enorme vergonha e um remorso quase insuportável.

Imerso nestes pensamentos mal me dei conta que o cortejo se detivera e que um homem se dirigia à viúva dizendo algo que eu não consegui ouvir.
Toda a sua atitude era de compaixão pela pobre mulher e, até, pareceu-me ver os seus olhos húmidos de lágrimas.

Quem seria o personagem?
A mulher não dera mostras de o reconhecer mas olhava para ele com um olhar misto de espanto e esperança.

As pessoas em redor abriram um espaço e o homem dirigiu-se ao féretro e estendendo a mão tocou e bradou com voz forte que todos pudemos ouvir bem:

«Jovem, Eu te ordeno, levanta-te».

O que aconteceu a seguir foi algo extraordinário que jamais esquecerei:

«O que tinha estado morto sentou-se, e começou a falar.»

Então o homem, pegando-lhe pela mão «entregou-o à mãe».
As pessoas que seguiam no cortejo fúnebre irromperam em gritos e exclamações de espanto e a dar graças a Deus por tão grande milagre que acabavam de presenciar.
O homem, discretamente, retirou-se acompanhado de uns quantos que pareciam ser seus amigos íntimos.

Eu… caí de joelhos no chão duro possuído de um choro incontrolável.

Depois, informei-me sobre o personagem que operara o milagre e vários me disseram que era um Profeta, um tal Jesus de Nazaré, um Galileu.

Mais tarde, quando caíu a noite, fui a casa da viúva e entreguei-lhe uma bolsa com dinheiro, o dobro da quantia que o seu marido me emprestara e disse-lhe envergonhado mas, ao mesmo tempo, feliz:

‘Este dinheiro pertence-te, foi o teu marido quem mo emprestou. A partir de hoje tudo quanto precisares diz-me e eu providenciarei’.

E, a verdade, é que eu, um homem duro e apenas preocupado comigo e a minha vida passei a olhar para os outros com outros olhos e, na minha povoação, toda a gente sabe que pode contar comigo para o que for.

(AMA, Reflexões, 01.09.2016)


[i] Lc 7 11 No dia seguinte foi para uma cidade, chamada Naim. Iam com Ele os Seus discípulos e muito povo.12 Quando chegou perto da porta da cidade, eis que era levado a sepultar um defunto, filho único de uma viúva; e ia com ela muita gente da cidade.13 Tendo-a visto, o Senhor, movido de compaixão para com ela, disse-lhe: «Não chores».14 Aproximou-Se, tocou no caixão, e os que o levavam pararam. Então disse: «Jovem, Eu te ordeno, levanta-te».15 E o que tinha estado morto sentou-se, e começou a falar. Depois, Jesus, entregou-o à sua mãe.

Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas [1] poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.

De facto, aparte a magistral descrição da parábola proferida por Jesus Cristo, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.

São Josemaria recomendou: aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais. [1]

É isso mesmo que me proponho fazer.


Sob o Título: “Próximos do próximo (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo. 

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