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08/07/2016

Leitura espiritual

Leitura Espiritual

Temas actuais do cristianismo 





São Josemaria Escrivá
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pergunta:

Desde há muitos anos que tem vindo a dizer e a escrever que a vocação dos leigos consiste em três coisas: “santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho”.
Poderia precisar-nos o que entende exactamente por santificar o trabalho?

resposta:

É difícil explicá-lo em poucas palavras, porque nessa expressão estão implicados conceitos fundamentais da própria teologia da Criação.
O que sempre ensinei - desde há quarenta anos - é que todo o trabalho humano honesto, tanto intelectual como manual, deve ser realizado pelo cristão com a maior perfeição possível: com perfeição humana (competência profissional) e com perfeição cristã (por amor à vontade de Deus e em serviço dos homens).
Porque, feito assim, esse trabalho humano, por humilde e insignificante que pareça, contribui para a ordenação cristã das realidades temporais - a manifestação da sua dimensão divina - e é assumido e integrado na obra prodigiosa da Criação e da Redenção do mundo: eleva-se assim o trabalho à ordem da graça, santifica-se, converte-se em obra de Deus, operatio Dei, opus Dei.

Ao recordar aos cristãos as palavras maravilhosas do Génesis - que Deus criou o homem para que trabalhasse -, fixámo-nos no exemplo de Cristo, que passou a quase totalidade da sua vida terrena trabalhando numa aldeia como artesão.
Amamos esse trabalho humano que Ele abraçou como condição de vida, e cultivou e santificou.
Vemos no trabalho - na nobre e criadora fadiga dos homens - não só um dos mais altos valores humanos, meio imprescindível para o progresso da sociedade e o ordenamento cada vez mais justo das relações entre os homens, mas também um sinal do amor de Deus para com as suas criaturas e do amor dos homens entre si e para com Deus: um meio de perfeição, um caminho de santificação.

Por isso, o único objectivo do Opus Dei sempre foi este: contribuir para que, no meio do mundo, das realidades e afãs seculares, homens e mulheres de todas as raças e de todas as condições sociais procurem amar e servir a Deus e a todos os outros, no seu trabalho ordinário e através dele.

11            

pergunta:

O n. 5 do Decreto Apostolicam actuositatem afirmou claramente que a animação cristã da ordem temporal é missão de toda a Igreja. Compete, pois, a todos: à Hierarquia, ao clero, aos religiosos e aos leigos.
Poderia dizer-nos como vê o papel e as características de cada um desses sectores eclesiais nessa missão única e comum?

resposta:

Na realidade, a resposta encontra-se nos próprios textos conciliares. À Hierarquia compete indicar - como parte do seu magistério - os princípios doutrinais que hão-de presidir e iluminar a realização dessa tarefa apostólica [i].

Aos leigos, que trabalham imersos em todas as circunstâncias e estruturas próprias da vida secular, corresponde de forma específica a tarefa, imediata e directa, de ordenar essas realidades temporais à luz dos princípios doutrinais enunciados pelo Magistério; mas actuando, ao mesmo tempo, com a necessária autonomia pessoal perante as decisões concretas que tenham de tomar na sua vida social, familiar, política, cultural, etc. [ii]

Quanto aos religiosos, que se apartam dessas realidades e actividades seculares abraçando um estado de vida peculiar, a sua missão é dar um testemunho escatológico público que ajude a recordar aos restantes fiéis do Povo de Deus que não têm nesta terra morada permanente [iii].
E não pode esquecer-se ainda que também servem a animação cristã da ordem temporal, as numerosas obras de beneficência, de caridade e assistência social que tantos religiosos e religiosas realizam com abnegado espírito de sacrifício.

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pergunta:

Uma característica de toda a vida cristã - seja qual for o caminho através do qual se realize - é a “dignidade e a liberdade dos filhos de Deus”.
A que se refere, pois, quando ao longo de todos os seus ensinamentos defende tão insistentemente a liberdade dos leigos?

resposta:

Refiro-me precisamente à liberdade pessoal que os leigos têm para tomar, à luz dos princípios enunciados pelo Magistério, todas as decisões concretas de ordem teórica ou prática - por exemplo, em relação às diversas opiniões filosóficas, económicas ou políticas, às correntes artísticas e culturais, aos problemas da sua vida profissional ou social, etc. - que cada um julgue em consciência mais convenientes e mais de acordo com as suas convicções pessoais e aptidões humanas.

Este necessário âmbito de autonomia que o leigo católico necessita para não ficar capitidiminuído perante os outros leigos, e para poder levar a cabo, com eficácia, a sua peculiar tarefa apostólica no meio das realidades temporais, deve ser sempre cuidadosamente respeitado por todos os que na Igreja exercemos o sacerdócio ministerial.
A não ser assim - se se pretendesse instrumentalizar o leigo para fins que ultrapassam os que são próprios do ministério hierárquico - incorrer-se-ia num anacrónico e lamentável clericalismo.
Limitar-se-iam enormemente as possibilidades apostólicas do laicado - condenando-o a perpétua imaturidade -, mas sobretudo pôr-se-iam em perigo - hoje, especialmente - os próprios conceitos de autoridade e de unidade na Igreja.
Não podemos esquecer que a existência, também entre os católicos, de um autêntico pluralismo de critério e de opinião, nas coisas que Deus deixou à livre discussão dos homens, não só se não opõe à ordenação hierárquica e à necessária unidade do Povo de Deus, mas ainda as robustece e as defende contra possíveis impurezas.

13            

pergunta:

Sendo tão diversas na sua realização prática a vocação do leigo e a do religioso - ainda que tenham de comum, evidentemente, a vocação cristã -, como é possível que os religiosos, nas suas actividades docentes, etc., possam formar os cristãos correntes num caminho verdadeiramente laical?

resposta:

Será possível na medida em que os religiosos - cuja benemérita actividade ao serviço da Igreja admiro sinceramente - se esforcem por compreender bem quais são as características e as exigências da vocação laical para a santidade e o apostolado no meio do mundo, e as queiram e saibam ensinar aos alunos.

14            

pergunta:

Com certa frequência ao falar do laicado, costuma-se esquecer a realidade da presença da mulher e com isto esfuma-se o seu papel na Igreja.
Igualmente, ao tratar-se da “promoção social da mulher”, é costume entendê-la simplesmente como presença da mulher na vida pública. Poderia dizer-nos como entende a missão da mulher na Igreja e no mundo?

resposta:

Não vejo nenhuma razão pela qual, ao falar do laicado, - da sua vida apostólica, de direitos e deveres, etc. - se deva fazer qualquer espécie de distinção ou discriminação em relação à mulher.
Todos os baptizados - homens e mulheres - participam igualmente da comum dignidade, liberdade e responsabilidade dos filhos de Deus. Na Igreja existe esta unidade radical e necessária que já São Paulo ensinava aos primeiros cristãos: Quicumque enim in Christo baptizati estis, Christum induistis. Non est Judaeus, neque Graecus: non est servus, neque liber. non est masculus, neque femina[iv]; não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre, não há homem, nem mulher.

Exceptuando a capacidade jurídica de receber ordens sagradas - distinção que por muitas razões, também de direito divino positivo, considero que se deve reter -, penso que se devem reconhecer plenamente à mulher na Igreja - na sua legislação, na sua vida interna e na sua acção apostólica - os mesmos direitos e deveres que aos homens: direito ao apostolado, a fundar e a dirigir associações, a manifestar responsavelmente a sua opinião em tudo o que se refira ao bem comum da Igreja, etc.
Bem sei que tudo isto - que teoricamente não é difícil de admitir se se considerarem as claras razões teológicas que o apoiam - encontrará, de facto resistência por parte de algumas mentalidades.
Ainda recordo o assombro e até a crítica com que determinadas pessoas - que, agora, pelo contrário, tendem a imitar, nisto como em tantas outras coisas - comentaram o facto de o Opus Dei procurar que adquirissem graus académicos em ciências sagradas também as mulheres que pertencem à Secção feminina da nossa Associação.

Penso, no entanto, que estas resistências e reticências irão caindo a pouco e pouco.
No fundo é só um problema de compreensão eclesiológica: reparar que a Igreja não é formada só pelos clérigos e religiosos, mas que também os leigos - homens e mulheres - são Povo de Deus e têm, por direito divino, uma missão e responsabilidade próprias.

Mas desejaria acrescentar que, a meu ver, a igualdade essencial entre o homem e a mulher exige precisamente que se saibam captar ao mesmo tempo os papéis complementares de um e outro na edificação da Igreja e no progresso da sociedade civil: porque não foi em vão que os criou Deus homem e mulher.
Esta diversidade há-de compreender-se não num sentido patriarcal, mas em toda a profundidade que tem, tão rica de matizes e consequências, que liberta o homem da tentação de masculinizar a Igreja e a sociedade, e a mulher de entender a sua missão, no Povo de Deus e no mundo, como uma simples reivindicação de actividades até agora apenas realizadas pelo homem, mas que ela pode desempenhar igualmente bem.
Parece-me, pois, que tanto o homem como a mulher se hão-de sentir justamente protagonistas da história da salvação, mas um e outro de forma complementar.

Entrevista realizada por Pedro Rodríguez, publicada em Palabra (Madrid), Outubro de 1967

(cont)





[i] (cf. Const. Lumen gentíum, n.º 28; Const. Gaudium et spes, n.º 43; Decr. Apostolicam actuositatem, n.º 24).
[ii] (cfr. Const. Lumen gentium, n.º 31; Const. Gaudium et spes, n.º 43; Decr. Apostolicam actuositatem, n.º 7).
[iii] (cfr. Const. Lumen gentium, n.º 44; Decr. Perfectae caritatis, n.º 5)
[iv] (Gal. 3, 27-28)

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