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14/06/2016

Tratado da vida de Cristo 109

Questão 47: Da causa eficiente da paixão de Cristo

Art. 2 — Se Cristo morreu por obediência.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não morreu por obediência

1. — Pois, a obediência implica um preceito: Ora, não lemos na Escritura fosse preceituado que Cristo houvesse de sofrer. Logo, não sofreu por obediência.

2. Demais. — Dizemos que age por obediência quem age em virtude da necessidade de um preceito. Ora, Cristo não sofreu necessária, mas voluntariamente. Logo, não sofreu por obediência.

3. Demais. — A caridade é virtude mais excelente que a obediência. Ora, o Apóstolo diz, que Cristo sofreu pela caridade: Andai em caridade, assim como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós outros. Logo, a Paixão de Cristo deve ser atribuída, antes à caridade que à obediência.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Feito obediente ao Pai até à morte.

Foi convenientíssimo que Cristo sofresse por obediência. — Primeiro, porque isso convinha à justificação humana; pois, assim como pela desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também pela obediência de um só muitos se tornaram justos, como diz o Apóstolo. — Segundo, foi conveniente, para reconciliar os homens com Deus, segundo o Apóstolo: Fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho; isto é, enquanto a própria morte de Cristo foi um sacrifício muito aceite de Deus, como o diz o Apóstolo: E se entregou a si mesmo por nós outros como oferenda e hóstia a Deus em odor de suavidade. Ora, a obediência se antepõe a todos os sacrifícios, segundo a Escritura: A obediência é melhor que as vítimas. Por isso foi conveniente que o sacrifício da Paixão e da morte de Cristo procedesse da obediência. - Terceiro, foi conveniente à vitória pela qual triunfou da morte e do seu autor. Pois, um soldado não pode vencer sem obedecer ao general. E assim Cristo alcançou a vitória por ter sido obediente a Deus, segundo a Escritura: O homem obediente cantará a vitória.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Cristo recebeu do Pai o preceito de sofrer. Assim, diz o Evangelho: Tenho o poder de pôr a minha vida e tenho o poder de reassumir este mandamento recebi de meu Pai, isto é, o de pôr e reassumir a vida. Pelo que, como ensina Crisóstomo, não se deve entender, que primeiro tivesse que ouvir esse preceito, com a necessidade de aprendê-lo; mas mostrou que agia voluntariamente, desfazendo toda suspeita de oposição entre ele e o Pai. Mas, na morte de Cristo consumou-se a lei antiga, conforme as próprias palavras que disse ao espirar: Tudo está cumprido. Por isso podemos entender que, sofrendo, cumpriu todos os preceitos da lei antiga. — Os preceitos morais, porém, fundados no da caridade ele os cumpriu, sofrendo por amor de seu Pai, segundo o lugar do Evangelho: Para que conheça o mundo que amo ao Pai e que faço como ele me ordenou; levantai-vos, vamo-nos daqui, a saber, para o lugar da Paixão. E sofreu também por amor do próximo, segundo o Apóstolo: Amou-me e se entregou a si mesmo por amor de mim. — Quanto aos preceitos cerimoniais da lei, ordenados sobretudo os sacrifícios e às oblacções, Cristo cumpriu-os na sua Paixão, porque todos os sacrifícios antigos foram figuras desse verdadeiro sacrifício que Cristo sofreu morrendo por nós. Donde o dizer o Apóstolo: Ninguém vos julgue pelo comer ou pelo beber nem por causa dos dias de festa, ou das luas novas ou dos sábados, que são sombra das coisas vindouras; mas o corpo é em Cristo; e isso porque Cristo está para esses sacrifícios como o corpo para a sombra. — Quanto aos preceitos judiciais da lei, sobretudo ordenados à satisfação das injúrias sofridas, Cristo cumpriu-os na sua Paixão. Pois, como diz a Escritura, pagou então o que não tinha roubado, deixando-se pregar no madeiro, pela fruta que o homem roubara da árvore, contra o mandado de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A obediência, embora implique obrigação relativamente ao que foi mandado, contudo supõe a vontade de cumprir a ordem. E tal foi à obediência de Cristo. Pois, a própria Paixão e a morte, em si considerada repugnavam à vontade natural. Contudo Cristo queria que a vontade de Deus se cumprisse nessa matéria, segundo a Escritura: Para fazer a tua vontade, Deus meu, eu o quis. Por isso dizia: Se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Pela mesma razão Cristo sofreu por obediência e caridade. Porque só por obediência cumpriu os preceitos da caridade e foi obediente por amor para com o Pai, que lhe mandava.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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