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01/06/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual



Tempo Comum

Evangelho: Mc 12, 18-27

18 Foram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-n'O, dizendo: 19 «Mestre, Moisés deixou-nos escrito que, se morrer o irmão de alguém e deixar a mulher sem filhos, seu irmão tome a mulher dele e dê descendência a seu irmão. 20 Ora havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21 O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar filhos. Do mesmo modo o terceiro. 22 Nenhum dos sete deixou filhos. Depois deles todos, morreu também a mulher. 23 Na ressurreição, pois, quando tornarem a viver, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher». 24 Jesus respondeu-lhes: «Não andareis vós em erro, porque não compreendeis as Escrituras, nem o poder de Deus? 25 Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem os homens tomarão mulheres, nem as mulheres maridos, mas todos serão como anjos do céu. 26 Relativamente à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés, como Deus lhe falou sobre a sarça, dizendo: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob”? 27 Ele não é Deus dos mortos, mas dos vivos. Logo vós estais num grande erro».

Comentário:

Quantas vezes ao pensar nos entes queridos que já deixaram esta vida, principalmente aqueles que conviveram intimamente connosco, nos vem o desejo que o Senhor nos faça a mercê de nos juntar rapidamente outra vez, agora de forma definitiva, para sempre.

É lógico e compreensível este desejo que não pedimos mas esperamos, se concretize.

No fim e ao cabo procuramos a felicidade de que eles já gozam.

(ama, comentário sobre MC 12 18-27, 2015.06.03)

Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

"Creio em Deus" – Hoje

SEGUNDA PARTE

JESUS CRISTO

CAPÍTULO PRIMEIRO

"Creio em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".

III. Jesus Cristo – verdadeiro Deus e verdadeiro Homem

2. Cliché moderno do "Jesus histórico"

É preciso avançar devagar. Afinal, quem foi Jesus de Nazaré? Que consciência tinha de si? A dar crédito ao cliché que começa a se espalhar largamente como forma de vulgarização da Teologia hodierna, os factos ter-se-iam processado mais ou menos assim: Seria preciso imaginar o Jesus histórico como uma espécie de mestre profético que surgiu na atmosfera escatológica e excitada do judaísmo tardio do seu tempo, anunciando a proximidade do reino de Deus de acordo com a situação escatológica excitante. A Sua pregação, de início, era toda condicionada pelo tempo: Virá, em breve – agora o reino de Deus, o fim do mundo. Contudo, Jesus acentuava o "agora" de modo tão forte que o futuro condicionado não podia mais valer como o elemento decisivo aos olhos do observador mais atento. Este elemento só podia ser percebido no apelo à decisão – mesmo se o próprio Jesus não pensasse num futuro, em reino de Deus: o homem torna-se todo comprometido com o presente, com o "agora" que irrompe cada vez.

Não vamos nos deter a comentar que uma mensagem tão vazia de conteúdo com que se presume compreender Jesus melhor do que ele próprio se compreendeu, dificilmente teria algum significado para os outros. Ouçamos antes, qual tenha sido a continuação do caso. Por razões que não se conseguem mais reconstituir exactamente, Jesus foi executado, morrendo como um fracassado. Depois, de uma maneira que não é mais possível esclarecer, surgiu a fé na ressurreição e a ideia de que ele voltaria a viver ou, pelo menos, de que ele significava alguma coisa. Paulatinamente, esta fé cresceu dando existência a outra ideia que gira numa esfera semelhante: Jesus voltaria como Filho do homem ou Messias. O passo seguinte re-projetou essa esperança sobre o Jesus histórico, colocando-a nos seus lábios e re-interpretando-o de acordo. Passou então a declarar-se, como se ele pessoalmente se tivesse anunciado como o Filho do homem ou vindouro Messias. Em seguida – sempre dentro dos moldes do nosso cliché – a mensagem transferiu-se do mundo semita para o mundo helénico, o que trouxe consigo consideráveis consequências. No mundo judaico, Jesus era explicado mediante categorias judaicas (Filho de Deus, Messias). Tais categorias eram incompreensíveis para o mundo grego; portanto, lançou-se mão de modelos de representação helénicos. Em lugar dos esquemas judaicos de Filho do homem e de Messias, entraram as categorias helénicas de "homem divino" ou "homem-Deus" (theios aner) mediante as quais se tornou acessível a figura de Jesus.

Ora, o "homem Deus", no sentido grego, destaca-se sobretudo por duas características: é taumaturgo e é de origem divina. Esta última conota uma descendência qualquer de Deus como Pai; é sua origem semidivina, semi-humana que o torna um homem-Deus, um homem divino. Consequência da aplicação da categoria de homem divino foi que, forçosamente, se deveriam transferir para Jesus as citadas características. Portanto, começou-se a descrevê-lo como taumaturgo, e o "mito" do nascimento virginal foi criado pela mesma razão. E este, por sua vez, tornou a descrever Jesus como Filho de Deus, porque Deus, de maneira mítica, entrou em cena como seu Pai. Assim a interpretação helénica de Jesus como "homem divino", unida às suas consequências, transforma em ideia "ontológica" da descendéncia de Deus o que antes fora distintivo de Jesus, ou seja, o acontecimento da sua proximidade com Deus. E a fé da antiga Igreja prosseguiu nesta senda mítica até à definitiva cristalização do conjunto, no dogma de Calcedónia com o seu conceito da divina filiação ontológica de Jesus. Com a ideia da origem ontológica divina de Jesus, esse concílio dogmatizou aquele mito, cercando-o de uma abstrusa erudição a ponto de elevar a schibboleth da ortodoxia esta declaração mítica, invertendo assim definitivamente o ponto de saída.

O historiador vê em tudo isso um quadro absurdo que, no entanto encontra hoje em dia multidões de adeptos. Por mim, também abstraindo da fé cristã, estou em condições de acreditar mais facilmente e de preferéncia numa hominização (encarnação) de Deus do que na possibilidade de realizar-se um tal conjunto de hipóteses. Lastimo não me permitir a limitação aqui imposta descer a detalhes da problemática histórica, que exigiriam uma pesquisa demorada e completa. Devemos (e podemos) limitar-nos ao ponto decisivo, em torno do qual gira o nosso problema: a filiação divina de Jesus. Abordando linguisticamente o assunto com cuidado, sem baralhar tudo o que se gostaria de ver interligado, pode constatar-se o que segue.

3. O direito do dogma cristológico

a) O problema do "homem-Deus".

O conceito de homem divino ou seja de homem-Deus (theios aner) não se encontra em parte alguma no Novo Testamento. Inversamente, na literatura antiga (grega, etc.) não se encontra em nenhum lugar a designação "Filho de Deus". Eis duas constatações importantes. Os dois conceitos de modo algum dependem um do outro historicamente, nada têm em comum, nem real nem linguisticamente. Nem a Bíblia conhece o homem divino, nem a Antiguidade, na esfera do homem divino, conhece a ideia de filiação divina. Pesquisas mais recentes mostram, além disso, que mesmo o conceito de "homem divino" dificilmente encontra cobertura na era pré-cristã, tendo surgido apenas mais tarde.

Mas, mesmo abstraindo disto, continua válido que o título de "Filho de Deus" e os nexos reais com ele expressos não podem ser esclarecidos mediante a relação de título e ideia do homem divino: os dois esquemas de representação, olhados historicamente, são totalmente estranhos um ao outro e jamais tiveram pontos de contacto.

b) A terminologia bíblica e sua relação com o dogma.

Na terminologia bíblica do Novo Testamento deve distinguir-se exactamente entre a expressão "Filho de Deus" e a simples designação "o Filho". Para quem não procede linguisticamente com a devida exactidão, ambas parecem denotar a mesma coisa. Realmente as duas têm algo de comum entre si e movimentam-se sempre uma em direcção à outra. Contudo, originariamente pertencem a contextos totalmente diversos, têm origem diferentes e exprimem coisas diversas.

c) "Filho de Deus".

A expressão origina-se da teologia régia do Antigo Testamento que, por sua vez, se baseia numa desmitização da teologia régia do Oriente, exprimindo a teologia de escolha de Israel. Exemplo clássico de tal processo de desmitização encontra-se no Salmo 2,7 ou seja, na mesmo texto que se tornou um dos pontos básicos para o pensamento cristológico. Neste verso o rei de Israel ouve o seguinte oráculo: "Promulgarei o decreto divino. Disse-me Deus: Tu és meu filho; eu hoje te gerei. Pede-me e dar-te-ei em posse as nações e para teu domínio, os confins da terra". Este versículo pertence ao contexto da entronização dos reis de Israel e origina-se, como já se disse, de ritos de coroação arcaico-orientais, em que o rei era declarado o filho gerado por Deus; aliás, toda a extensão da imagem de geração só foi conservada, ao que parece, no Egipto: ali o Faraó era considerado um ser gerado miticamente por Deus, enquanto na Babilónia o mesmo ritual já tinha sido bastante desmitizado, tendo sido concebido como acto jurídico o pensamento de que o rei era filho de Deus.

Ao ser aceite a fórmula pela corte davídica, o seu sentido mitológico foi completamente rejeitado. A ideia de uma geração física do rei pela divindade foi substituída pelo pensamento de que o rei se torna filho hoje; o acto gerador conota acto de escolha por Deus. O rei é filho não porque engendrado, mas porque eleito por Deus. Não se reivindica um processo físico, mas o poder da vontade divina capaz de criar um ser novo. Sem tardança a teologia inteira do povo escolhido concentra-se na ideia da filiação assim compreendida. Em textos mais antigos, todo Israel é chamado o filho primogénito, dilecto de Iahvé [1]. Na época dos reis, ao passar tal modo de falar ao monarca, significa que nele, no descendente de David, está resumida a vocação de Israel; que o rei representa Israel, reunindo na sua pessoa o mistério da promessa, da vocação, do amor que envolve a Israel.

E mais, diante da situação real de Israel, devia parecer zombaria cruel a aplicação do ritual oriental aos reis de Israel, tal como se faz no salmo. Havia sentido, quando, à entronização do faraó ou do rei da Babilónia, se lhes declarava: "Os povos pertencem-te por herança, o mundo é teu; governá-los-ás com vara de ferro, quais vasos de argila poderás despedaçá-los". Tal linguagem correspondia às pretensões de domínio mundial daqueles monarcas. Quando um texto assim, cheio de sentido em se aplicando aos reis do Egito ou da Babilónia, passa a ser usado com referência ao rei de Sião, transforma-se em pura ironia, pois os reis da terra não tremem diante dele, sendo bem o contrário o que sucede. E o domínio mundial expresso pelos lábios de um mísero príncipe de terceira classe, como o rei de Sião, quase deveria parecer uma piada. Dito de outra maneira: o manto do Salmo, tomado de empréstimo ao rito oriental, era grande demais para os ombros do verdadeiro rei do monte Sião. Portanto, foi uma imposição da história que transformou esse Salmo, que visto sob o prisma do presente, devia parecer quase insuportável, e o revestiu mais e mais de um nimbo de esperança naquele relativamente ao qual ele de facto adquiriria todo o seu valor. Isto é: a Teologia do rei, alterada num primeiro estágio em teologia de geração e de escolha, em num segundo passo modificou-se em teologia de esperança no rei que viria; o oráculo da entronização passou progressivamente a um lema de promessa de que um dia viria o rei no qual se tornaria realidade: "Meu Filho és tu; eu hoje te gerei. Pede-me e dar-te-ei os povos da terra por herança".

Aqui se encaixa a nova aplicação do texto pela comunidade cristã primitiva. Provavelmente devido à fé na ressurreição, o Salmo foi aplicado pela primeira vez a Jesus. O acontecimento da ressurreição de Jesus, em que a comunidade acredita, passa a ser considerado como o momento em que o dito Salmo 2 se concretiza. Naturalmente não é menor o paradoxo. Crer que o supliciado do Gólgota seja simultaneamente aquele a quem tais palavras foram ditas, parece contradição inaudita. Que significa semelhante uso do texto? Significa que no supliciado da cruz e no ressurgido para o olhar da fé, se vê realizada a esperança real de Israel. Denota a convicção de que a palavra de Deus: "Meu Filho és tu; eu hoje te gerei", foi dirigida exclusivamente ao que morreu na cruz, ao que renunciou a todo o poder do mundo (e ponhamos, como música de fundo, o tremor dos reis da terra, o destruir com vara de ferro!); ao que deixou de lado todas as espadas e não mandou outros à morte, como soem fazé-lo os reis do mundo, mas enfrentou pessoalmente a morte pelos outros; ao que via o sentido da existência humana não no poder e na auto-afirmação, mas no existir-radical para os outros; que era, aliás, a existência para os outros. No crucificado o crente percebe qual é o sentido daquele oráculo, qual o sentido da eleição; não privilégio e poder para si, mas serviço para os outros. Nele revela-se o sentido da história da escolha, o autêntico sentido da realeza que desde sempre queria ser acção vicária. E "representar" quer dizer: estar pelos outros, substituí-los – o que agora recebe um sentido novo. Do radicalmente fracassado, do pendente do patíbulo, a quem falta até um palmo de chão sob os pés, daquele cujas roupas são objecto de jogo de azar e que chega a dar a impressão de estar abandonado por Deus, precisamente dele vale o oráculo: "Meu Filho és tu; eu hoje – neste lugar – te gerei. Pede-me e te darei os povos da terra por herança e o mundo em possessão".

A ideia do Filho de Deus que, desta forma e por este caminho, penetrou na fé em Jesus de Nazaré, na interpretação da ressurreição e da cruz a partir do Salmo 2, não tem, realmente, nada de comum com o conceito helenístico de homem divino, não podendo ser explicada a partir dela. Ela representa a segunda desmitização da ideia oriental do rei, já anteriormente desmitizada. Representa Jesus como o lídimo herdeiro do cosmos, como o herdeiro da promessa na qual se cumpre o sentido da Teologia davídica. Ao mesmo tempo, tornou-se patente que o conceito de rei assim transferido para Jesus com O título de "Filho", se funde com a ideia de servo. Como rei, ele é servo e como servo de Deus, é rei. Este entrelaçamento tão fundamental para a fé em Cristo foi preparado no Antigo Testamento quanto ao conteúdo e na sua versão grega também quanto à terminologia. A palavra pais, com que se nomeia o servo de Deus, também denota "Filho". À luz do acontecimento "Cristo", este duplo sentido deve ser o indicador da identidade intrínseca na qual ambas as coisas se reúnem em Cristo.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)









[1] por exemplo, Ex 4,22

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