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31/05/2016

Tratado da vida de Cristo 106

Questão 46: Da Paixão de Cristo

Art. 11 — Se foi conveniente Cristo ser crucificado com os ladrões.

O undécimo discute-se assim. Parece que não foi conveniente Cristo ter sido crucificado com os ladrões.

1. — Pois, diz o Apóstolo: Que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ora, Cristo nos tem sido feito por Deus justiça, e dos ladrões é própria a iniquidade. Logo, não foi conveniente que Cristo fosse crucificado junto com os ladrões.

2. Demais. — O Evangelho: Ainda que seja necessário morrer eu contigo, não te negarei — diz Orígenes: Não convinha a nenhum homem morrer com Jesus, que morreu por todos. E comentando aquele outro lugar. - Eu estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como a morrer, diz Ambrósio: A Paixão de Cristo tem imitadores, mas não iguais. Logo, parece que era muito menos conveniente que Cristo sofresse simultaneamente com os ladrões.

3. Demais. — O Evangelho diz num lugar. Também os ladrões que haviam sido crucificados com ele lhe diziam impropérios. E noutro lugar se refere que um dos ladrões crucificados com Cristo lhe dizia: Senhor lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. Por onde se vê que, além dos ladrões, que blasfemavam, foi crucificado com Cristo um que não blasfemava. Logo, parece inexacto o narrado pelos evangelistas, que Cristo foi crucificado com ladrões.

Mas, em contrário, a Escritura: E foi posto no número dos malfeitores.

Cristo foi crucificado entre os ladrões, por uma razão se considerarmos a intenção dos judeus, e por outra, considerada a ordem de Deus: Assim, quanto à intenção dos judeus, crucificaram aos lados de Cristo dois ladrões, como adverte Crisóstomo, para que ele participasse da ignomínia deles. Contudo, àqueles ninguém se refere, ao passo que a cruz de Cristo é honrada em toda parte. Os reis, depondo os seus diademas, assumem a cruz: no meio das púrpuras, dos diademas, das armas, da mesa sagrada, em toda a parte do mundo a cruz resplandece. Por outro lado, quanto à ordenação de Deus, Cristo foi crucificado entre ladrões, porque, segundo diz Jerónimo, assim como Cristo foi feito na cruz maldição por nós, assim, foi crucificado como criminoso entre criminosos, para a salvação de todos. — Segundo, como diz Leão Papa, dois ladrões foram crucificados, um ao lado direito e outro ao lado esquerdo de Cristo, a fim de que nesse espetáculo mesmo do patíbulo se espelhasse aquela separação que ele próprio há-de fazer quando vier a julgar os homens. E Agostinho diz: Se bem reflectires verás, que essa cruz foi um tribunal. O juiz está posto no meio; o que acreditou foi salvo; o outro que insultou, foi condenado. Por onde se vê o que Cristo fará um dia, dos vivos e dos mortos, colocando aqueles à sua direita e os outros, à esquerda. — Terceiro, segundo Hilário, porque os dois ladrões, crucificados — um, à direita, o outro à esquerda, mostram que toda a diversidade do género humano é chamada a participar do mistério da paixão de Cristo. Mas como a divisão entre fiéis e infiéis é correspondente aos lados direito e esquerdo, um dos dois, o colocado à direita, foi salvo pela justificação da fé. — Quarto, porque, como diz Beda, os ladrões crucificados com o Senhor, simbolizam aqueles que, sob a fé e a confissão de Cristo, sofrem a agonia do martírio, ou vivem sob as regras de uma disciplina mais austera. E os que trabalham para a glória eterna são figurados pelo ladrão da direita; ao passo que os de olhos postos na glória humana imitam os actos do ladrão da esquerda.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como Cristo não estava obrigado a morrer, mas sofreu a morte voluntariamente para vencê-la com o seu poder, assim também não mereceu ser crucificado com os ladrões, mas quis ser confundido com homens iníquos a fim de destruir a iniquidade com a sua virtude. Donde o dizer Crisóstomo, que converter o ladrão na cruz e introduzi-lo no Paraíso, não foi menos que fender rochedos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Não convinha que ninguém sofresse com Cristo pela mesma causa. Por isso acrescenta Orígenes no mesmo lugar: Todos eram pecadores e todos tinham necessidade que um outro morresse por eles, mas não eles pelos outros.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como adverte Agostinho, podemos entender que Mateus usou do número plural pelo singular, ao narrar que os ladrões lhe diziam impropérios. - Ou podemos dizer segundo Jerónimo, que a princípio tanto um como outro blasfemavam; depois um deles, vendo os milagres, acreditou em Cristo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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