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21/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo ComumPáscoa

Evangelho: Mc 10, 13-16

13 Apresentavam-Lhe umas criancinhas para que as tocasse mas os discípulos repreendiam os que as apresentavam. 14 Vendo isto, Jesus ficou muito desgostoso e disse-lhes: «Deixai vir a Mim as crianças, não as estorveis, porque dos que são como elas é o reino de Deus. 15 Em verdade vos digo: quem não receber o reino de Deus como uma criança, não entrará nele». 16 Depois, abraçou-as e, impondo-lhes as mãos, as abençoava.

Comentário:

Rodeado de pessoas que O perseguem pelas Suas palavras e obras, por querer bem e apregoar o Reino de Deus como a última felicidade do homem, Jesus Cristo sente-se muito bem entre as crianças, espelho da inocência que falta aos outros.

É Natural!

Ele próprio é o “Grande Inocente” que se entrega em holocausto sublime por toda a humanidade ferida pelo pecado.


(ama, comentário sobre Mc 10, 13-16, 2014.03.01)


Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO SEGUNDO


PRIMEIRA PARTE

DEUS

«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra"

CAPÍTULO SEGUNDO

A Fé em Deus na Bíblia

3. Iahvé, Deus dos patriarcas e de Jesus Cristo

Mas, com todas essas considerações só encaramos metade da questão, pois que, em todo caso, Moisés fora autorizado a dizer: "EU SOU mandou-me a vós" [1]. Dispõe de uma resposta, mesmo que seja um enigma. E não se pode, não se deve decifrá-la um pouco mais? A exegese moderna em geral vê nesta palavra a expressão de uma proximidade auxiliadora. Deus não se identifica ali – como na filosofia – pela sua natureza, como é em si, mas revela-se como um Deus para Israel, um Deus para o homem. "Eu sou" é o mesmo que "eu estou aí!", "estou aí para vós"; acentua-se a presença de Deus em função do bem de Israel; seu ser (sua natureza) não é explicado como um ser em si, mas como um ser-para. Aliás, Eissfeldt considera possível não só a versão "ele ajuda", mas também "ele chama para a vida, ele é criador", e até "ele é", e "o existente". O exegeta francês Edmond Jacob acha que o nome "EI" exprime a vida como força, "Iahvé" como duração e presença. Se Deus se chama aqui "eu sou", explicar-se-ia como aquele que "é", como o ser em contraposição ao devir, como o permanente e existente em oposição ao transitório. "Toda a carne é como erva, e toda glória, como flor do campo... A erva seca, a flor fenece, mas a palavra do nosso Deus permanece perene" [2].

Atendendo-se a este texto, torna-se visível um nexo que, até agora, tinha sido pouco ponderado. Para o Deutero-Isaías era uma das ideias básicas da sua mensagem: a caducidade das coisas deste mundo; os homens, por poderosos que aparentem ser, no fim são como as flores que desabrocham um dia e são colhidas e secam no dia seguinte, enquanto, no centro desse gigantesco espetáculo de caducidade, o Deus de Israel "é", não "devém". Ele "é" em todo o devir e perecer. Certamente, este "é" de Deus, a pairar estável por cima da mutabilidade do devir não se acentua sem nexo. Ele é muito mais que, simultaneamente se aprova, se firma; ele está ali para nós e, através do seu "estar", dá-nos firmeza no meio da nossa insegurança. O Deus que "é", simultaneamente é um Deus que está connosco; não é um mero Deus em si, mas o nosso Deus, o Deus dos nossos pais.

E tornamos à pergunta feita no início das considerações sobre a narrativa da sarça: que relação existe entre o Deus da fé bíblica e a ideia platónica de Deus? O Deus que se identifica e que tem um nome, o Deus que auxilia e está presente, seria algo radicalmente diverso do esse subsistens, o ser simplesmente, encantoado no ermo silencioso do pensamento filosófico, ou...? Creio ser necessário olhar ainda um pouco mais de perto para a ideia bíblica de Deus e para a opinião dos filósofos, para tirar a limpo esta questão e compreender o sentido do falar cristão sobre Deus. Primeiramente quanto à Bíblia, é importante não isolar a cena da sarça-ardente. Acabamos de ver que ela deve ser compreendida a partir do ambiente de um mundo saturado de deuses, no qual, relacionando e diferenciando, ela torna visível a fé de Israel e, simultaneamente, impulsiona o seu desenvolvimento, aceitando como elemento racional a ideia do ser, tão rica de cambiantes. O processo interpretativo com o qual deparamos na nossa narrativa não terminou ali, mas foi retomado sempre de novo e desenvolvido no correr da luta bíblica em torno de Deus. Ezequiel e, sobretudo, o Deutero-Isaías bem mereceriam o cognome de teólogos do nome de Iahvé, pois a partir dele desdobraram a sua pregação profética de modo acentuado. O Deutero-Isaías, como se sabe, fala no fim do exílio babilónico, no momento em que Israel começa a encarar o futuro com esperança renovada. O poder babilónico, aparentemente invencível, que tinha escravizado os israelitas, está despedaçado; Israel, tido como morto, ressurge da ruína. Assim para o profeta torna-se ideia central opor o Deus que "é" aos deuses que passam. "Eu, Iahvé, sou o primeiro e estou também entre os últimos" [3]. O último livro do Novo Testamento, o Apocalipse, repetirá o mesmo pensamento visando dificuldades parecidas: diante de todas as potências ele já está, e continua estando atrás e depois delas [4]. Mas, tomemos a Isaías: "Eu sou o primeiro, e depois deste e fora de mim não há Deus" [5]. "Sou eu, eu sou o primeiro, e também serei o último" [6]. O profeta cunhou aí uma fórmula nova na qual se retoma o fio condutor da história da sarça e só a enriquece de acentos novos. A fórmula foi objectivamente reproduzida de modo certo no texto grego: "eu o sou" [7]. Neste simples "eu o sou" coloca-se o Deus de Israel frente aos deuses, e identifica-se como aquele que é, em oposição àqueles que foram destruídos e passaram. O enigmático e tão conciso "eu o sou" torna-se o eixo da pregação do profeta, em que se manifesta a sua luta contra as divindades, contra o desespero de Israel, a sua mensagem de esperança e de certeza. Em oposição ao mesquinho panteão babilónico e aos seus destronados ídolos, ergue-se o poder de Iahvé, simples e sem retoques, na expressão "eu o sou" a acentuar a sua total superioridade acima de todos os poderes divinos e não divinos deste mundo. O nome de Iahvé, cujo sentido assim se torna presente, avança um passo a mais no rumo da ideia daquele que "é" no meio de toda a caducidade das coisas e aparências, às quais não cabe nenhuma duração.

Demos um último passo que nos leve ao Novo Testamento. A linha que coloca, sempre em crescendo, a ideia de Deus sob a luz do conceito do ser, interpretando a Deus com o simples "eu sou", torna a surgir no Evangelho de S. João, ou seja, no derradeiro intérprete bíblico; João traça a síntese da fé em Jesus, fé que, para os cristãos, representa ao mesmo tempo o último passo da auto-interpretação do movimento bíblico. O pensamento de João entrosa-se exactamente com a literatura dos livros sapienciais e o Deutero-Isaías; e somente com este fundo literário é que pode ser compreendido. João eleva o "eu o sou" de Isaías à ideia central da sua fé em Deus, mas fá-lo colocando-o como núcleo da sua cristologia: processo decisivo tanto para a ideia de Deus, como para a imagem de Cristo. A fórmula que, pela primeira vez, se destaca no episódio da sarça; que, no fim do exílio, se transforma em expressão da esperança e da certeza face às divindades em derrocada; e que representa a presença permanente de Iahvé acima de todas estas potências, essa fórmula encontra-se agora no centro da fé em Deus, através do testemunho prestado em Jesus de Nazaré.

A importância desse processo torna-se de uma clareza cristalina, se atendermos ao facto de João ter retomado o núcleo da narração da sarça, como nenhum autor antes dele, a saber, a ideia do nome de Deus. O pensamento de um Deus que se nomeia, que se torna invocável mediante um nome avança até o cerne do seu testemunho prestado pelo "eu o sou". João traça um paralelo entre Cristo e Moisés também neste sentido, descrevendo Cristo como o personagem no qual a história da sarça alcança o seu sentido pleno. Todo o capítulo 17 – a chamada "oração sacerdotal" e, provavelmente, o próprio núcleo do Evangelho em geral – gira em torno da ideia "Jesus, o revelador do nome de Deus", apresentando-se assim como o correlativo da narração da sarça. O tema do nome divino volta, qual ritornello, nos versículos 6, 11, 12, 26. Destaquemos apenas os dois principais: "Manifestei o teu nome aos homens que me deste, separando-os do mundo" [8]. "Eu dei-lhes a conhecer o teu nome e dar-lho-ei a conhecer ainda, para que o amor com que me amaste esteja neles e eu esteja neles" [9]. Cristo surge aqui como sendo a mesma sarça-ardente, da qual brota o nome de Deus para os homens. Mas, na perspectiva do quarto Evangelho, Jesus aplica a si o "eu o sou" de Ex 3 e de Is 43; torna-se claro ser ele próprio o nome, isto é, a invocabilidade de Deus. A ideia do nome entra agora numa fase nova e decisiva. Aqui "nome" não é mais somente uma palavra, mas uma pessoa: o próprio Cristo. A cristologia, e correspondentemente a fé em Cristo, em conjunto, é elevada a uma única interpretação do nome de Deus e do que ele significa. Com isto alcançamos um ponto onde, qual cúpula, se impõe uma questão que interessa o complexo inteiro tratado sobre o nome de Cristo.

4. A ideia do nome

Após estas considerações todas, urge, finalmente, fazer uma pergunta muito geral: que quer dizer, afinal, um nome? E que sentido há em falar no nome de Deus? Não penso em fazer uma análise detalhada desta questão, deslocada neste lugar, mas apenas indicar em poucos traços o que me parece essencial. Primeiramente podemos dizer que existe uma diferença fundamental entre a intenção visada por uma ideia e a intenção incluída em um nome. A ideia quer reconhecer a natureza da coisa como tal, tal como existe. O nome, pelo contrário, não procura a natureza da coisa, tal como existe, independente de mim, mas a ele lhe interessa tornar a coisa nominável, invocável, criar um nexo para com ela. Certamente também o nome deve atingir a própria coisa, mas com a finalidade de colocá-la em relação comigo e, torná-la, assim, acessível. Exemplifiquemos: saber que alguém se enquadra no conceito "homem" ainda não é suficiente para criar uma relação para com ele. Somente o nome o torna nominável; através do nome o outro penetra na estrutura da minha humanidade e pode ser chamado. Portanto o nome cria o entrosamento, a correlação com a estrutura social das relações. Quem é considerado como mero número é rejeitado da estrutura da comunidade. Ora, o nome cria a relação para com os outros. Confere a um ser a invocabilidade que completa a coexistência com o ser nomeado.

Mas é aqui também que se encontra o ponto de encaixe a partir do qual deveria tornar-se claro o que acontece quando João apresenta o Senhor Jesus Cristo como o verdadeiro e vivo nome de Deus. Nele se realiza o que nenhuma palavra estaria em condições de realizar. Nele alcançou a sua meta o sentido do diálogo sobre o nome de Deus e chegou à sua concretização o que sempre havia sido pretendido e intencionado com a ideia do nome. Em Cristo – é o que o Evangelho deseja exprimir com esta ideia – Deus de facto tornou-se o invocável. Com Cristo Deus entrou para sempre na coexistência connosco: o nome não é mais uma simples palavra a que nos apegamos; é carne da nossa carne e osso dos nossos ossos. Deus é um dos nossos. E assim se concretiza realmente o que vinha sendo intencionado com a ideia do nome desde o episódio da sarça, a saber, na pessoa daquele que, como Deus, é homem e, como homem, é Deus. Deus tornou-se um de nós, portanto um portador de nome e uma presença ao nosso lado em coexistência.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)








[1] Ex 3,14
[2] Ex 3,14
[3] Is 41,4
[4] Ap 1,4; 1,17; 2,8; 22,13
[5] 44,6
[6] 48,12
[7] γώ εμι
[8] 6
[9] 26

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