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17/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo ComumPáscoa

Evangelho: Mc 9, 30-37

30 Tendo partido dali, atravessaram a Galileia; e Jesus não queria que se soubesse. 31 Ia instruindo os Seus discípulos e dizia-lhes: «O Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos homens e Lhe darão a morte, mas ressuscitará ao terceiro dia depois da Sua morte». 32 Mas eles não compreendiam estas palavras e temiam interrogá-l'O. 33 Nisto chegaram a Cafarnaum. Quando estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «De que discutíeis pelo caminho?». 34 Eles, porém, calaram-se, porque no caminho tinham discutido entre si qual deles era o maior. 35 Então, sentando-Se, chamou os doze e disse-lhes: «Se alguém 36Em seguida, tomando uma criança, pô-la no meio deles e, depois de a abraçar, disse-lhes: 37 «Todo aquele que receber uma destas crianças em Meu nome, a Mim recebe, e todo aquele que Me receber a Mim, não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».

Comentário:

Ser melhor que o nosso próximo é, diria, um desejo natural.

Melhor... e não maior ou mais importante.

Ser melhor significa superar o outro naquilo que tem de bom e tal é um desafio que se insere na recomendação de Jesus: 'sede perfeitos como meu Pai é perfeito'.

Outra coisa é deixar que o orgulho pessoal e talvez a inveja movam os nossos intentos.

(ama, comentário sobre Mc 9, 30-37, Garrão, 2015.09.20)


Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO SEGUNDO

PRIMEIRA PARTE

DEUS

«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra"

O símbolo principia com o reconhecimento de Deus, que é descrito mais detalhadamente mediante alguns predicados: Pai – Todo-poderoso – Criador. Por conseguinte, a primeira questão a ser examinada é: o que significa a atitude do crente que se declara por Deus? E, dentro desta pergunta, está incluída a outra: Que quer dizer o símbolo, quando este Deus é caracterizado com termos como: "Pai", "Todo-poderoso", "Criador"?

CAPÍTULO PRIMEIRO

Prolegómenos ao Tema "Deus"

1. Âmbito da questão

Quem vem a ser "Deus", afinal? Noutras épocas tal pergunta não constituía problema, de clara que era. Hoje torna-se-nos uma interrogação séria. O que é que pode conotar, em geral, a palavra "Deus"? Que realidade ela exprime e como chega aos homens a realidade de que fala? Querendo seguir-se a pista da pergunta com a profundeza de que hoje precisamos, seria necessário tentar primeiramente uma análise que pesquisasse as fontes da experiência religiosa, considerando-se, a seguir, como é que o tema "Deus" caracteriza a história inteira da humanidade e é capaz de desencadear nela todas as paixões até aos nossos dias – sim, até aos dias em que o clamor da morte de Deus se ergue por toda parte e, apesar disto, e precisamente por isto, coloca poderosamente o problema de Deus no meio de nós.

Afinal, de onde surgiu na humanidade a ideia de Deus; de que raízes nasceu? Como compreender que o mais dispensável aparentemente e o mais inútil dos temas para os homens se fixou e permaneceu, apesar de tudo, como o mais angustioso dos temas da história? E qual é a razão por que ele surge em formas basicamente tão diversificadas? Aliás, através da aparência desordenada da multiplicidade exterior, constata-se a existência fundamental de três formas, que certamente atravessam alterações desiguais na figura do monoteísmo, do politeísmo e do ateísmo, como poderíamos denominar resumidamente os três grandes caminhos da história humana na questão de Deus. Além disso, já antes fomos alertados que mesmo o ateísmo representa apenas um ponto final aparente do assunto "Deus", conotando, na realidade, uma forma de preocupação humana com o problema, capaz, até, de revelar, e de facto, manifestando, nesta questão, um ardor apaixonado. Se quiséssemos seguir as questões preliminares fundamentais, deveriam ser apresentadas as duas fontes da experiência religiosa, às quais se pode reduzir a multiplicidade de formas dessa experiência. A sua tensão típica foi descrita pelo conhecido fenomenólogo de religiões, o holandês van der Leeuw, na afirmação paradoxal: na história das religiões Deus-Filho existe antes de Deus-Pai. Dever-se-ia dizer com mais exactidão que o Deus, portador da salvação, o Salvador, existe antes do Deus Criador, e mesmo depois desta elucidação, cumpre notar que a fórmula não pode ser concebida em sentido de sequência cronológica ou temporal, para a qual não existem provas. Por mais longe que se olhe na história da religião, o tema "Deus" surge sempre sob as duas figuras, de Filho e Pai, de Criador e de Salvador. A partícula "antes", portanto, conota apenas que, para a religiosidade concreta, para o interesse existencial vivo, o "portador da salvação" ocupa o primeiro plano, em relação ao Criador.

Atrás dessas duas figuras, em que a humanidade representou o seu Deus, encontram-se os dois pontos de partida da experiência religiosa, dos quais acabamos de falar. O primeiro ponto é a própria existência a ultrapassar-se, sem cessar, apontando para a totalidade numa forma qualquer, mesmo que seja a mais complicada. E também aí temos um processo de muitas camadas – como multifacetada é a própria existência humana. Bonhoeffer, como é notório, declarou estar na hora de acabar com um Deus que colocamos como "tapa buracos" na fronteira das nossas possibilidades e ao qual invocamos logo que nos sentimos levados ao fim da linha. Deveríamos procurar e encontrar Deus, não no lugar da nossa miséria e do nosso fracasso, mas no meio da fartura das coisas terrenas e no transbordamento da vida; somente assim se comprova não ser Deus uma escapatória fabricada pelas nossas necessidades, escapatória que se torna supérflua à medida que se alargam os limites do nosso poder . Na história da luta humana em torno de Deus, encontramos ambos os caminhos parecendo os dois igualmente legítimos. Tanto as agruras e misérias da vida humana como a sua plenitude apontam para Deus. Onde os homens experimentaram a vida na sua fartura, na sua riqueza, beleza e grandiosidade, ali se lhes tornou presente e patente que uma tal existência é uma existência agradecida, que, precisamente no seu aspecto grandioso e luminoso, ela não é algo que alguém se doou a si mesmo, mas uma dádiva que o antecede, que o recebe nos braços de sua bondade, antes de qualquer acção sua, exigindo que se insufle um sentido a tamanha abundância, recebendo-se assim um sentido para a sua própria situação. E vice-versa, também a necessidade e a pobreza sempre nos serviram de lembrete de algo completamente diferente. A questão que se apresenta, pela nossa condição de homens, e que, mais ainda, existe pela nossa condição de homens é o inacabado contido dentro de nós, a fronteira que baliza o ser-homem e que, apesar disto, representa um anseio pelo ilimitado (mais ou menos) no sentido da palavra de Nietzsche: todo o prazer anseia pela eternidade, e contudo revela-se como um instante, esta simultaneidade de isolamento e desejo do ilimitado e do aberto impediu sempre qualquer descanso do homem em si mesmo, fazendo-o sentir que jamais pode bastar-se, só conseguindo encontrar-se passando por cima de si e movendo-se para o totalmente outro e para o infinitamente grande.

O mesmo pode demonstrar-se da temática da solidão e da segurança. A solidão indubiamente é uma das raízes básicas de que surgiu o encontro do homem com Deus. Onde o homem experimenta a solidão, degusta ao mesmo tempo quanto a sua vida representa um grito pelo "tu" e quão pouco o homem é apto a ser um puro "eu", encerrado em si mesmo. A solidão pode manifestar-se ao homem em profundezas diferentes. Primeiro, ela satisfaz-se com o encontro de um "tu" humano. Mas então desdobra-se um processo paradoxal descrito por Claudel: cada "tu" que o homem encontra, revela-se, finalmente como uma promessa irrealizada e irrealizável; porque todo o "tu", no fundo, representa de novo uma desilusão, existindo um ponto em que nenhum encontro é capaz de vencer a derradeira solidão: e exactamente o achar e o ter-achado voltam a ser um retorno ao ermo, um grito pelo "tu" real e absoluto, mergulhado nas profundezas do próprio "eu". Mesmo agora, nem a miséria da solidão apenas, nem a mera experiência de que comunidade alguma satisfaz de todo o nosso desejo serão os únicos caminhos a abrir-nos para a experiência de Deus – porquanto ele pode surgir também da alegria de estar seguro. Justamente a plenitude do amor, do haver-se encontrado pode ser o portador da dádiva daquilo que não estamos em condições nem de evocar, nem de criar, fazendo-nos saber que assim recebemos mais do que ambos (amor e encontro) nos poderiam proporcionar. Da luz e da alegria de encontrar-se pode raiar a proximidade do júbilo absoluto e do encontro simplesmente presente por trás de todo o encontrar-se humano.

Com isso queria apenas insinuar de que maneira a existência humana pode ser o ponto de partida da experiência do absoluto que, sob este ponto de vista, é compreendido como "Deus-Filho", como Salvador, ou mais simplesmente, como Deus relacionado com a existência. A outra fonte de conhecimento religioso é o conflito do homem com o mundo, com as potências e os pavores com que ali se depara. O cosmos com a sua beleza e a sua voragem abissal tornou-se para o homem um campo de experiência da força que o ameaça e, simultaneamente, o sustenta; resulta daí uma imagem um tanto imprecisa e distante que se concretiza no semblante do Deus-Criador, Pai.

Prosseguindo na análise desta questão, encontramos o problema, já aduzido, das três formas do tema "Deus" – monoteísmo, politeísmo e ateísmo. Transparece aí a unidade liminar dos três caminhos, unidade que não pode significar nem afirmar identidade, como se, ao cavar mais fundo, tudo se reduzisse a uma e a mesma coisa, perdendo a sua importância as formas anteriores. Argumentações em favor da identidade, para as quais talvez se sinta tentada a especulação filosófica, em que, contudo, se desprezaria a seriedade das decisões humanas, certamente não corresponderiam à realidade. Sem que se possa falar de identidade, um olhar mais fundo faria reconhecer que a diferenciação dos três caminhos é diferente do que fazem supor as três formas em que eles se manifestam: "há um Deus", "há muitos deuses, "não há Deus". Entre as três fórmulas e a fé que elas conotam existe uma  oposição intransponível, mas também uma relação que o seu simples teor não permite suspeitar. Pois, em última análise, as três estão convencidas da unidade e da singularidade do absoluto, o que, aliás, poderia ser provado. O monoteísmo acredita nesta unidade e singularidade. Mas, não apenas ele; também para o politeísmo os inúmeros deuses aos quais dirige sua piedade e esperança, jamais representaram o próprio absoluto; também o politeísmo estava convencido de que, por trás das numerosas potências, se encontra afinal, em algum lugar, o Ser único, que o ser, em última análise, é um só ou, ao menos, é o eterno conflito dentro de um paradoxo primitivo. Por outro lado, o ateísmo não suprimiu de modo algum a unidade do ser pelo facto de impugnar a identificação da unidade de todo ser pela ideia de Deus. A mais forte e activa forma de ateísmo, o marxismo, afirma, de modo o mais rígido, essa unidade do ser em todos os seres, ao equiparar o ser com a matéria. Sem dúvida, o elemento que é o próprio ser, como matéria, separa-se completamente da antiga concepção do absoluto, ligada com a ideia de Deus, mas ao mesmo tempo recebe traços que fazem ressaltar claramente o carácter absoluto da matéria, tornando assim a evocar a ideia de Deus.

Portanto, os três caminhos estão convencidos da unidade e da singularidade do absoluto; diferem apenas na maneira como querem que o homem deva tratar com o absoluto, respectivamente no modo como o absoluto se coloca frente ao homem. Falemos de modo muito esquemático: o monoteísmo parte da ideia de que o absoluto é consciente, conhece o homem e pode tratar com ele. Para o materialismo, o absoluto (=matéria) apresenta-se despojado de qualquer predicado pessoal, não sendo capaz de ser posto em contacto com os conceitos de "chamamento" e "resposta". No máximo poder-se-ia dizer que o mesmo homem deve libertar da matéria o elemento divino, passando a ter Deus, não atrás de si, mas à sua frente, como o elemento activado criativamente pelo homem e como seu próprio futuro melhor. Finalmente, o politeísmo tem relação estreita tanto com o monoteísmo, como com o ateísmo, porque os deuses de que ele fala supõem a singularidade de um poder sustentador perfeitamente concebível num e noutro sistema. Nem seria difícil mostrar como o antigo politeísmo andava emparelhado com o ateísmo metafísico e unido ao monoteísmo filosófico.

Todas estas questões são importantes para quem deseja seguir a pista do tema "Deus" na situação hodierna. Seria preciso muito tempo e paciência para um estudo profundo. Baste-nos, ao menos, tê-los aduzido. São assuntos que encontraremos mais explicitados, ao estudar o destino da fé bíblica para cuja pesquisa o nosso estudo nos orienta. Prosseguindo na senda do problema de Deus, continuamos encarando a luta da humanidade em torno do seu Deus e exposta ao âmbito inteiro da questão.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.


(Revisão da versão portuguesa por ama)

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