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14/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 15, 9-17

9 Como o Pai Me amou, assim Eu vos amei. Permanecei no Meu amor. 10 Se observardes os Meus preceitos, permanecereis no Meu amor, como Eu observei os preceitos de Meu Pai e permaneço no Seu amor. 11 Disse-vos estas coisas, para que a Minha alegria esteja em vós e para que a vossa alegria seja completa. 12 «O Meu preceito é este: Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei. 13 Não há maior amor do que dar a própria vida pelos seus amigos. 14 Vós sois Meus amigos se fizerdes o que vos mando. 15 Não mais vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai. 16 Não fostes vós que Me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi, e vos destinei para que vades e deis fruto, e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes a Meu Pai em Meu nome, Ele vo-lo conceda. 17 Isto vos mando: Amai-vos uns aos outros.

Comentário:


O Senhor quer-nos alegres com uma alegria que vem dele próprio.

Na verdade em parte nenhuma dos Evangelhos vimos o Senhor triste a não ser na hora grave em Getsémani, [1] mas, segundo as Suas próprias palavras, esse era o “tempo do príncipe deste mundo”, ou seja, a Sua tristeza estava associada à aparente vitória do inimigo.

Comovido sim e em várias ocasiões como no enterro do filho da viúva de Naim ou na morte de Lázaro.

Não confundamos tristeza com comoção; esta é uma reacção natural do nosso coração misericordioso e compassivo a outra é um estado de alma que não podemos consentir "porque é aliada do inimigo" como dizia São Josemaria Escrivá.

(ama, comentário sobre Jo  15, 9-17 2015,05.14)

Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO PRIMEIRO

Fé no Mundo Hodierno

  1. Dúvida e Fé Situação do homem frente ao problema "Deus”

…/7

Tendo partido de uma análise muito geral da atitude fundamental da fé, chegamos à forma da fé cristã. Crer cristãmente significa confiar-se ao sentido que me sustenta a mim e ao mundo, torná-lo a base firme sobre a qual posso ficar sem receio. Usando um pouco mais a linguagem da tradição, poderíamos dizer: crer cristãmente significa compreender a existência como resposta à palavra, ao Logos que sustenta e conserva todas as coisas. Significa dizer "sim", isto é, aceitar, ao facto de ser-nos oferecido o sentido que não podemos criar, mas apenas receber, de tal modo que nos basta aceitá-lo e confiar-nos a ele. De acordo com isto, a fé cristã conota a opção da aceitação antes da feitura – com o que o "fazer" não sofre desvalorização e muito menos é declarado inútil. Somente porque aceitamos o sentido, também podemos "fazer". E mais: fé cristã – já o afirmamos – significa a opção do invisível com mais real do que o visível. É declarar-se pelo primado do invisível e do real propriamente dito, que nos sustenta e, por isso, nos autoriza a enfrentar o visível com serena sobranceria dentro da responsabilidade frente ao invisível como fundamento de tudo. Não se pode, contudo, negar que, em tais limites, a fé cristã representa um duplo ataque contra a mentalidade que parece dominar a situação mundial de hoje. Como positivismo e como fenomenologismo, esta situação mundial concita-nos a limitar-nos ao "visível", ao "fenómeno" em sentido mais vasto, estendendo sobre o conjunto das nossas relações com o mundo real a mentalidade fundamentalmente metodológica à qual a ciência deve tantos dos seus êxitos. Por outro lado, como técnica, incita-nos a confiar no factível, esperando encontrar aí a base que nos sustente. O primado do invisível sobre o visível, o primado do "aceitar" sobre o "fazer" opõe-se radicalmente a esta situação. Está aí, sem dúvida, a razão por que o salto de confiar-se ao invisível se torna tão difícil hoje em dia. E contudo a liberdade de fazer, como a de usar o visível mediante a pesquisa metódica, somente se torna possível graças ao carácter transitório ao qual ambos são relegados pela fé e pela superioridade que assim se abre.

6. Razão da Fé

Refletindo sobre tudo isto, constata-se o quão estreitamente se interpenetram a primeira e a última palavra – o "creio" e o "amém" –, o quão profundamente penetram o conjunto de cada artigo do "credo", determinando assim a interna localização de tudo o que entre elas se encontra. Na harmonia do "creio" e do "amém" torna-se visível o sentido de todo o movimento espiritual de que se trata. Anteriormente constatamos que, no hebraico, a palavra "amém" tem a mesma raiz da qual se deriva o termo "crer"; o confiante colocar-se sobre uma base que sustenta, não por ter sido feita e calculada por nós, mas precisamente porque não somos sequer capazes de fazê-la. Conota a entrega, a adesão ao que não podemos nem precisamos fazer, ao fundamento do mundo, como sentido que, prmeiramente, nos patenteia a liberdade de fazer.

Contudo, o que aqui se realiza não é uma entrega cega ao irracional. Pelo contrário, trata-se de uma aproximação do Logos, da ratio, do sentido e, assim, da própria verdade; porquanto, finalmente, a base sobre a qual o homem se coloca não pode, nem deve ser outra que a própria verdade esclarecedora. E assim tornamos a encontrar, e num lugar onde menos o esperaríamos, com uma derradeira antítese entre conhecimento pela facticidade, e fé. O conhecimento experimental, como já vimos, deve ser positivo pela sua determinação mais própria, deve limitar-se ao dado e ao medido. Ora, consequência disto é que ele não mais indaga pela verdade. Consegue os seus êxitos precisamente renunciando à pesquisa da verdade e concentrando-se na "exactidão" e na "concordância" do sistema, cuja ideia hipotética deve comprovar-se através da experiência. O conhecimento pelo factível, para dizê-lo ainda de outro modo, não pergunta pelas coisas por si e em si, mas somente pela sua funcionalidade para nós. O regresso para o conhecimento experimental consegue-se exactamente pelo facto de não se considerar mais o ser em si, mas meramente em função da nossa obra. Isto significa que no desprendimento, na separação entre o problema da verdade e o ser, e no seu desdobramento sobre o "facto" e o "factível" (factum et faciendum) o próprio conceito da verdade foi substancialmente alterado. A verdade do ser em si foi substituída pela utilidade das coisas para nós, utilidade que se comprova na exactidão dos resultados. E aí é certo e indiscutível que somente essa exactidão nos comprova como calculabilidade, enquanto a verdade do próprio ser se subtrai ao conhecimento como cálculo.

A atitude cristã do crente exprime-se na palavra "amém" em que se interpenetram os significados: confiar, confiar-se, fidelidade, firmeza, base sólida, estar em pé, verdade; e isto quer dizer que somente a verdade é o lugar em que o homem pode firmar-se, só ela pode constituir para ele um sentido. Só a verdade é a base adequada para o homem ficar em pé. Portanto o acto da fé cristã inclui essencialmente a convicção de que o fundamento que dá o sentido, o Logos sobre o qual nos colocamos, também é a verdade, exactamente enquanto como sentido. Sentido que se não fosse a verdade, seria um nonsense, um absurdo. A inseparabilidade de sentido, fundamento, verdade, expressa tanto no Logos grego, como no "amém" hebraico anuncia ao mesmo tempo uma concepção cósmica inteira. Na inseparabilidade de sentido, fundamento, verdade – riqueza vocabular que não podemos reproduzir na nossa língua, com um termo só – que tais palavras encerram, transparece a rede inteira de coordenadas em que a fé cristã contempla o mundo e se lhe apresenta. E isso também significa que a fé, na sua essência, não é um amontoado de paradoxos cegos. Significa ainda que é loucura aduzir mistério como desculpa para o fracasso da inteligência, como não poucas vezes tem acontecido. Se a teologia apresenta uma série de irregularidades, querendo não só desculpá-las, mas, se possível, canonizá-las, apelando para o mistério, aí estamos diante de um abuso da autêntica ideia de "mistério", cuja finalidade não é destruir a inteligência, mas, antes, possibilitar a fé, como acto racional. Por outras palavras: a não é fé certamente conhecimento no sentido de conhecer o factível e de sua forma de calculabilidade. A fé jamais pode ser algo assim e tornar-se-ia ridícula, se tentasse estabelecer-se nestas formas experimentais. Mas vale também o contrário: o conhecimento experimental do factível, por natureza, está limitado ao fenómeno e ao funcional, não representando o caminho para encontrar a verdade da qual desistiu em razão do seu método. O caminho que o homem recebe para preocupar-se com a verdade do ser não é o conhecimento, mas a compreensão: compreensão do sentido ao qual aderiu. Sem dúvida devemos acrescentar que a compreensão só se patenteia no "estar-em-pé" e não fora daí. Uma coisa não acontece sem a outra, porque compreender significa agarrar e conceber como tal o sentido aceite como fundamento. Creio ser isto o sentido exacto de "compreender": que aprendamos a conceber a base sobre a qual nos colocamos, como sentido e como verdade; que aprendamos a reconhecer que o fundamento representa um sentido.

Assim sendo, compreender não conota contradição à fé, mas representa os seus mais lídimos interesses. Pois o conhecimento da funcionalidade do mundo, transmitido de modo tão grandioso pelo hodierno pensamento técnico-científico, ainda não traz consigo uma compreensão do mundo e do ser. A compreensão nasce da fé. Por isso a teologia, como tratado compreensível, lógico (= racional, intelectual-compreensivo) de Deus, é uma das tarefas originais da fé cristã. É nesta situação que se baseia o indiscutível direito do grego no cristão. Estou convencido de não se tratar de mera coincidência quando, ao realizar-se, a mensagem cristã penetrou primeiro no mundo grego, fundindo-se ali com a busca da compreensão, da verdade. Fé e compreensão pertencem-se mutuamente não menos do que fé e estar, simplesmente porque compreender e estar são inseparáveis. Neste sentido a versão grega do versículo de Isaías sobre a fé e a permanência, revela uma dimensão que não pode ser retirada à frase bíblica, se não se quer ser relegado ao âmbito do fanatismo e do sectarismo.

Aliás, é próprio do entendimento avançar sempre, além da compreensão, até à constatação de que somos totalmente apreendidos. Ora, se entendimento é compreensão da nossa apreensão, isto significa que não estamos em condições de concebê-lo novamente, porquanto nos dá o sentido pelo facto de conceber-nos. Neste sentido é com razão que falamos de mistério, como de uma base que nos prende e sempre nos ultrapassa, que jamais pode ser alcançada ou ultrapassada por nós. Ora, é exactamente na total apreensão pelo ainda não compreendido que se processa a responsabilidade do entendimento, sem a qual a fé seria indigna e se destruiria a si mesma.

7. "Creio em Ti"

Apesar de tudo o que se disse, ainda não foi expresso o carácter mais profundo da fé cristã, o seu carácter pessoal. A fé cristã é mais do que uma opção por uma base espiritual do mundo; a sua fórmula central não diz: "Creio alguma coisa", mas: "creio em Ti". É o encontro com o homem Jesus, experimentando nesse encontro o sentido do mundo, como pessoa. Na vida de Jesus que vem do Pai, no imediatismo e na espessura do seu trato orante, – que digo! – contemplador com o Pai, Jesus é testemunha de Deus, através da qual o impalpável se tornou tangível, o distante, próximo. E mais: não se trata apenas de testemunha à qual damos fé sobre o que ela viu numa existência que realmente concretizou o regresso do falso destino ao de primeiro plano, rumo à profundeza da verdade inteira; não; Jesus é a presença do próprio eterno neste mundo. Na sua vida, na irrestrição do seu ser para os homens está presente o sentido do mundo; ele doa-se-nos como amor, que também me ama a mim, tomando amável a vida mediante dádiva, tão inconcebível, de um amor não ameaçado por nenhuma transitoriedade, por nenhuma perturbação egoística. O sentido do mundo é o "tu", naturalmente somente aquele "tu" que não é pergunta aberta, mas o fundamento da totalidade que dispensa outro fundamento.

Assim a fé é a descoberta de um "tu" que me carrega e me transmite a promessa de um amor indestrutível dentro de toda a insatisfação e da derradeira incapacidade do humano encontro, um "tu" que não só aspira à eternidade, mas que a concede. A Fé cristã vive do facto de não apenas haver um sentido objectivo, mas de esse sentido conhecer e amar-me: de eu poder entregar-me a ele num gesto de criança que sabe todas as suas perguntas bem abrigadas no "tu" materno. Assim fé, confiança e amor, em última análise, são uma única coisa e todos os conteúdos em torno dos quais gira a fé são meras concretizações da reviravolta que a tudo sustenta, do "creio em Ti" – da descoberta de Deus no rosto do homem Jesus de Nazaré.

Naturalmente isto tudo não dispensa a reflexão, como já vimos. És tu realmente? – tal foi a pergunta nascida em negra hora do coração do Baptista, ou seja, do profeta que orientou para Jesus os próprios discípulos e se dobrou diante dele, como o maior, ao qual só lhe restava prestar serviços de preparador. És tu realmente? O crente tornará sempre a passar por esta treva na qual a contradição da descrença o cerca como sombria e fatal prisão, e a indiferença do mundo, que continua a rodar imperturbável como se nada tivesse acontecido, parecer-lhe-á cruel zombaria da sua esperança. És tu realmente pergunta que se nos impõe, não apenas por causa da honestidade do pensamento e da responsabilidade da inteligência, mas também de dentro da própria lei do amor que quereria conhecer mais e mais àquele ao qual deu o seu "sim", para o amar mais. És tu realmente? – todas as considerações deste livro estão subordinadas a esta questão, girando assim em torno da forma fundamental da afirmação: "creio em Ti", Jesus de Nazaré, como sentido (Logos) do mundo e da minha vida.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)




[1] Mt 26,  38 Disse-lhes então: «A Minha alma está numa tristeza mortal; ficai aqui e vigiai comigo».

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