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13/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Lc 11, 27-28

27 Aconteceu que, enquanto Ele dizia estas palavras, uma mulher, levantando a voz do meio da multidão, disse-Lhe: «Bem-aventurado o ventre que Te trouxe e os peitos a que foste amamentado». 28 Porém, Ele disse: «Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática».

Comentário:

Que extraordinária resposta do Senhor!

Coloca-nos a todos os homens no mesmo nível, posição e categoria da Sua Santíssima Mãe!

Além da honra excepcional que nos concede - sem qualquer mérito da nossa parte - atribui-nos a responsabilidade dessa mesma honra: pôr em prática as Suas palavras.

Não o esqueçamos!

(ama, comentário sobre Lc 11, 27-28, 2015.10.10)


Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO


“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO PRIMEIRO

Fé no Mundo Hodierno

  1. Dúvida e Fé Situação do homem frente ao problema "Deus”

…/6

Verum quia faciendum – quer dizer que o domínio do "facto" foi substituído mais e mais, a partir do meado do século XIX, pelo domínio do factível, do a-ser-feito e do passível-de-fazer, com o que a preponderância da história cede lugar à techne, à técnica. Pois, quanto mais o homem avança pela rota nova, concentrando-se no "facto" e nele buscando certeza, tanto mais se vê obrigado a reconhecer que o "facto", ou seja a obra de suas mãos, lhe foge sempre mais das mãos. A comprovação visada pelo historiador, surgida apenas no século XIX como grande triunfo da história contra a especulação, conserva sempre algo de problemático, um momento de reconstrução, de exegese e de equívoco, de modo que arrastou a história, já no começo deste século, para uma crise, tornando duvidoso o historicismo na sua orgulhosa pretensão científica. Revelou-se sempre mais claramente a impossibilidade do "facto" em estado puro, cercado de certeza inabalável, pois também nele se encerram sempre o sentido e a sua duplicidade. Tornou-se sempre mais difícil ocultar que não se detinha entre as mãos aquela certeza que inicialmente se tinha esperado conseguir da pesquisa dos factos, voltando-se as costas à especulação.

Assim impôs-se forçosamente e gradativamente a convicção de que, em última análise, é acessível ao conhecimento humano somente aquilo que o homem pode reproduzir quantas vezes quiser, através da experiência. Tudo o que ele consegue perceber apenas mediante provas secundárias torna-se passado e, mau-grado todas as provas, não é plenamente conhecível. Com isto surge o método das ciências naturais, resultante da matemática (Descartes) e do retorno à facticidade em forma de experiência repetível, como único e seguro portador de certeza. Da fusão do pensamento matemático e dos factos resulta a nova realidade espiritual, determinada pelas ciências naturais, do homem moderno, o lugar novo que conota retorno à realidade na sua feição de facticidade. O facto fez sair de dentro de si o factível; o repetível é o comprovável e existe por sua causa. Chega-se ao primado do factível sobre o facto, pois realmente de que servirá ao homem o que meramente existiu? Querendo ser dono do seu presente, o homem não pode encontrar sentido em ser guarda de museu do seu próprio passado.

Com o que, como antes a história, agora a técnica cessa de ser um degrau subordinado da evolução espiritual do homem, mesmo conservando ainda certo ar de barbárie dentro de uma consciência orientada expressamente para as ciências naturais. A situação alterou-se substancialmente sob o ponto de vista da situação espiritual no seu conjunto: a técnica deixou de ser uma exilada na câmara das ciências; ou, mais exactamente: a câmara surge aqui como o elemento determinante diante do qual o "senado" não passa de residência de nobres aposentados. A técnica tornou-se poder e possibilidade peculiar do homem. O que, até aí, estava em baixo, passou para cima: simultaneamente torna a deslocar-se a perspectiva: na antiguidade e na Idade Média, o homem estava voltado para o eterno; a seguir, durante o domínio efémero do historicismo, para o passado; agora, o factível polariza-o para o futuro daquilo que ele mesmo pode criar. Se antes, por exemplo, mediante os resultados do evolucionismo, o homem constatava resignado que, sob a luz do seu passado, não ia além de pó e mero acaso da evolução, sentindo-se desiludido e degradado por um tal conhecimento, isto não mais deve preocupá-lo, pois agora, qualquer que tenha sido a sua origem, tem meios de enfrentar com decisão o futuro, contando com recursos para transformá-lo no que quiser; não lhe é preciso mais parecer impossível transformar-se a si mesmo num Deus, que se encontra no fim como o factível, o a-ser-feito, e não mais, como logos, como sentido, no início. Aliás, isto tudo já está actuando hoje de maneira concreta em forma de problema antropológico. Mais importante do que o evolucionismo, que já ficou atrás de nós como algo evidente, surge hoje a cibernética, a planificação do homem a ser re-criado (homem novo, homem do futuro), de modo tal que, também sob o ponto de vista teológico, a maleabilidade do homem de acordo com o seu próprio plano, se apresenta como um problema mais importante do que a questão do passado humano embora ambas as questões não possam ser separadas e se inter-determinem no seu rumo: a redução do homem a um "facto" é a suposição para compreendê-lo como "factível", a ser guiado, moldado, do seu actual domínio, para um futuro novo.

c) A questão do lugar da Fé. Com o segundo passo do espírito moderno, com a volta à facticidade, fracassou, simultaneamente, uma primeira investida da teologia na resposta às novas realidades. Pois a teologia tentou enfrentar a problemática do historicismo, ou seja, a redução da verdade ao facto, construindo a mesma fé como história. E, à primeira vista, poderia sentir-se plenamente satisfeita com sua manobra. Afinal, a fé cristã, no seu conteúdo, está essencialmente vinculada à história; as declarações da Bíblia não têm carácter metafísico, mas factivo. Por isso, a teologia, aparentemente, devia ser substituída pela história, porquanto parecia realmente estar soando a sua hora: e até, quiçá, pudesse contabilizar essa nova evolução como resultado de seu próprio ponto de partida.

Esperança depressa abafada e desiludida pela desentronização crescente da história, substituída pela técnica. Em seu lugar vai-se firmando um outro pensamento – os teólogos sentem-se tentados a colocar a fé, não mais no plano do facto, mas do factível, explicando-a como instrumento de mudanças do mundo mediante uma "teologia política". Creio que assim se repete, na situação actual, o que a reflexão teológica já empreendera, unilateralmente, em relação ao historicismo. Percebe-se que o mundo moderno é determinado pela perspectiva do factível e responde-se, transferindo a fé para o mesmo plano. Não tenho em mente apontar meramente como irracionais ambas estas tentativas, para não correr o risco de cometer uma injustiça. Revela-se, antes, num e outro caso, substancialmente, o que havia sido omitido, mais ou menos, noutras constelações. Com efeito, a fé cristã tem nexo com o "facto", movimenta-se de modo específico na esfera da história, e não foi por acaso que historicismo e história cresceram no âmbito da fé cristã. Indubitavelmente a fé também tem relação com a evolução do mundo, com a formação do mundo, com a pretensão contra a inércia das instituições humanas e contra os que delas se aproveitam. Também seria difícil considerar acaso o facto de a compreensão do mundo se ter desenvolvido como facticidade no âmbito da tradição judaico-cristã e das suas inspirações até mesmo em Marx, muito embora imaginada e formulada em antítese ao cristianismo. Em todo caso é indiscutível que, em ambos os casos, transparece um pouco da verdadeira mentalidade da fé cristã, antes excessivamente oculta. A fé cristã tem nexo decisivo com as correntes essenciais do tempo moderno. Com efeito o actual momento histórico apresenta a chance de poder compreender de modo todo novo a estrutura da fé, colocada entre o facto e o factível. "É tarefa da teologia aceitar esse convite e essa possibilidade para descobrir e preencher os vazios deixados pelos tempos idos.
Mas, ninguém deve deixar-se arrastar por julgamentos precipitados, como também a correr o risco de curtos circuitos. Onde as duas tentativas citadas se tornam exclusivas, relegando a fé, totalmente, para a esfera do "facto" ou da "facticidade", ali desaparece sob o entulho o significado último, o sentido último de um homem que diz: "Credo" – eu creio. Pois, ao declarar-se crente, o homem não elabora um programa de modificação activa do mundo, nem adere simplesmente a uma corrente de eventos históricos. Tentando ilustrar o meu pensamento, diria que o fenómeno da fé não pertence à relação "saber – fazer", típica para a constatação da mentalidade factível, mas a uma outra relação muito diversa "estar – compreender". Parece-me que assim se tornam visíveis duas mentalidades e duas possibilidades da existência humana, que não se acham sem nexo mútuo e que, contudo, devem ser distinguidas.

5. Fé como "estar" e "compreender"

Ao contrapor o par de conceitos "estar – compreender" àquele outro "saber – fazer", aludo a uma expressão bíblica fundamental, intraduzível, sobre a fé, cujo profundo jogo de palavras Lutero tentara reproduzir na fórmula: "Se não crerdes, não ficareis"; mais literalmente poder-se-ia traduzir: "Se não crerdes (se não vos agarrardes a Jahvé), não tereis apoio algum" [1]. A única raiz 'mn abrange uma multiplicidade de sentidos cuja interdependência e diferenciação perfaz a grandiosidade desta frase. A raiz 'mn (amen) inclui os sentidos de: verdade, firmeza, fundamento sólido, solo, conotando ainda: fidelidade, fiel, confiar-se, apoiar-se em alguma coisa, crer em alguém ou nalguma coisa. Deste modo a fé em Deus surge como um apoiar-se em Deus, mediante o qual o homem consegue base sólida para a sua vida. Com o que a fé é descrita como adesão, como um colocar-se confiante no terreno da palavra de Deus. A versão grega (Septuaginta) reproduziu a citada frase não só idiomaticamente, mas também conceitualmente, para o mundo grego, formulando-a: "Se não crerdes, não compreendereis". Afirmou-se, por vezes, que nesta tradução se patenteia o processo de helenização, o afastamento do sentido bíblico original. A fé teria sido intelectualizada: em vez de exprimir: estar postado no terreno firme da palavra de Deus digna de fé, teria sido criado um nexo com a compreensão e a razão, desalojando assim a fé para um plano que, de modo algum lhe condiz. No que, talvez, haja um pouco de razão. Apesar disto, julgo que, no seu conjunto, se conservou a ideia básica, embora com os sinais alterados. "Estar colocado", como vem indicado no texto hebraico, como conteúdo da fé, tem algo em comum com "compreender". Dentro em pouco teremos de reflectir mais sobre isto. Por enquanto basta-nos reatar o fio das anteriores considerações, dizendo que a fé conota uma esfera totalmente outra do que a do "fazer" e da facticidade. É precisamente o confiar-se ao não-feito-por-nós e ao jamais factível por nós, que sustenta e possibilita todo o nosso agir ou fazer. Isto significa ainda que a fé não se encontra, nem pode encontrar-se no plano do verum quia factum seu faciendum e que qualquer tentativa de apresentá-la ali, "num cardápio", e de querer prová-la no sentido do conhecimento do factível necessariamente estaria fadada ao fracasso. Não se deve procurar nesta espécie de estrutura de conhecimento e quem, apesar disto, ali a apresentar, estará servindo uma coisa falsa. O penetrante "talvez" com que a fé questiona o homem em toda parte e em todo lugar, não aponta para uma incerteza dentro do conhecimento do factível, mas representa o questionamento do carácter absoluto deste âmbito, a sua relativização como uma das esferas da existência humana e do ser em geral, relativização e âmbito capazes de conservarem apenas o carácter de algo penúltimo. Expresso por outras palavras: as nossas considerações levaram-nos apenas a um lugar onde se torna visível a existência de duas formas básicas de atitude humana face à realidade, das quais uma não pode ser reduzida a outra, por se movimentarem as duas em planos completamente separados.

Talvez venha ao caso lembrar aqui uma contraposição de Martin Heidegger que fala do dualismo do pensamento calculador e do pensamento reflexivo. Ambas as maneiras de pensar são legítimas e necessárias, mas, exactamente por isso, nenhuma delas pode dissolver-se na outra. Portanto, cumpre que existam ambas as coisas: o pensamento calculador subordinado à facticidade e o pensamento reflexivo que busca o sentido das coisas. Nem se deixaria de dar alguma razão ao pensador friburguense, ao exprimir o receio de que, numa época em que o pensamento calculador festeja os triunfos mais extraordinários, o homem, no entanto, quiçá mais do que nunca, esteja ameaçado pela fuga diante da reflexão, pela superficialidade e leviandade. Pondo no centro do seu pensamento exclusivamente o factível, corre o perigo de esquecer-se de reflectir sobre si mesmo e sobre o sentido da sua existência. Sem dúvida, esta tentação é comum a todos os tempos. Assim, no século XIII, o grande filósofo franciscano Boaventura julgava-se obrigado a lançar no rosto dos colegas da Faculdade de Filosofia de Paris a censura de que, tendo aprendido a medir o mundo, esqueceram a arte de medir-se a si mesmos. Repitamos o mesmo noutros termos: Fé, no sentido visado pelo "Credo", não é uma forma inacabada de conhecimento, uma opinião que se possa ou deva trocar em saber factível. É antes uma forma essencialmente diversa de comportamento espiritual, colocada ao lado dele como algo independente e próprio, não podendo ser-lhe reduzida, nem dele derivada. Pois a fé não se encontra no âmbito da facticidade e do "feito", tendo embora relações com ambos, mas localiza-se na esfera das decisões fundamentais, diante das quais o homem não pode furtar-se nem omitir-se, decisões que, que pela sua própria natureza, só podem ser feitas de uma forma, forma à qual chamamos fé. Parece-me imprescindível destacá-lo com toda a clareza: cada homem deve tomar uma posição, de qualquer forma, dentro do âmbito das decisões fundamentais; e nenhum homem pode fazê-lo de modo outro que não pela fé. Existe uma esfera que não admite outra resposta senão a da fé; e precisamente esta esfera não pode ser contornada por ninguém. Cada homem há de "crer" de qualquer modo.

A mais impressionante tentativa de subordinar a atitude da "fé" à atitude do conhecimento factível deve-se ao marxismo. Pois nele o "faciendum", o "a-ser-feito", o factível acoberta-se com o próprio futuro a ser criado, e, simultaneamente, com o mesmo sentido do homem, de modo que o esclarecimento que se realiza, e respectivamente se aceita pela fé, é transferido para o plano do factível. Com isto, sem dúvida, tirou-se a consequência extrema do pensamento moderno; parece ter sortido efeito relacionar o sentido do homem totalmente com o factível e até identificar um com o outro. Contudo, a uma análise mais demorada não escapará que também o marxismo não logrou fazer a quadratura do círculo. Pois nem ele é capaz de tornar cognoscível o factível enquanto sentido, mas apenas prometido, oferecendo-o à opção da fé. O que hoje torna a fé marxista tão atraente e facilmente acessível, é a impressão de harmonia com o conhecimento do factível que ela desperta.

Após esta breve digressão voltemos a uma pergunta que sintetiza tudo: que é a fé, afinal de contas? A nossa resposta poderia ser: a fé é a forma de o homem se firmar no conjunto da realidade, forma irredutível ao conhecimento e incomensurável pelo conhecimento; fé é o dar-sentido sem o que a totalidade do homem ficaria localizada, sentido que constitui a base do cálculo e da actividade humana e sem a qual, finalmente, não poderia nem calcular, nem agir, porque somente é capaz disto à luz de um sentido que o norteie. Com efeito, o homem não vive apenas do pão da facticidade; como homem, ele vive do amor, do sentido das coisas. O sentido é o pão que lhe possibilita subsistir, em sentido próprio, como homem. Sem a palavra, sem uma finalidade, sem o amor, o homem chega à situação de não poder mais viver, mesmo cercado de todo o conforto humano. Quem ignoraria até que ponto uma tal situação de fracasso (entregar os pontos... não poder mais...) pode surgir no meio da fartura exterior? Ora, sentido não deriva de saber. Querer torná-lo real através do conhecimento da facticidade seria como a absurda tentativa do barão de Münchhausen ao querer livrar-se a si mesmo do atoleiro, puxando-se pelos cabelos. O absurdo deste quadro expõe com exactidão a situação básica do homem. Ninguém está em condições de se arrancar a si mesmo do pantanal da incerteza, da incapacidade de viver. Nem nos salvamos de semelhante situação, como quiçá ainda poderia pensar Descartes com o seu cogito, ergo sum, mediante uma série de conclusões racionais. Sentido auto-fabricado não é sentido; sentido, ou seja, um solo, um pedaço de chão sobre o qual a existência possa firmar-se e desenvolver-se como um todo, um tal sentido não pode ser feito, só pode ser recebido.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.


(Revisão da versão portuguesa por ama)




[1] Is 7,9

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