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19/04/2016

Tratado da vida de Cristo 95

Questão 45: Da transfiguração de Cristo

Art. 3 — Se foram escolhidas testemunhas convenientes da transfiguração.

O terceiro discute-se assim. — Parece que não foram escolhidas testemunhas convenientes da transfiguração.

1. — Pois, cada um só pode testemunhar o que conhece. Ora, no tempo da transfiguração de Cristo, ninguém, a não ser os anjos, conhecia por experiência o que fosse a glória futura. Logo, testemunhas da transfiguração deviam ter sido antes os anjos que os homens.

2. Demais. — Testemunhas da verdade só podem ser pessoas reais e não fictícias. Ora, na transfiguração Moisés e Elias não estiveram presentes senão ficticiamente. Assim, do Evangelho — Eis que ali estavam Moisés e Elias — diz uma Glosa: Devemos saber que Moisés e Elias não apareceram, nessa ocasião, em corpo e alma, mas com corpos formados numa criatura ocasional. E podemos crer também que isso foi feito por ministério angélico, de modo que os anjos lhes assumissem as pessoas. Logo, não foram testemunhas convenientes.

3. Demais. — A Escritura diz, que todos os profetas dão testemunho de Cristo. Logo, não somente Moisés e Elias deviam ter estado presentes como testemunhas, mas também todos os profetas.

4. Demais. — A glória de Cristo era prometida a todos os seus fiéis, nos quais quis acender, pela sua transfiguração, o desejo dessa glória. Logo, não devia ter assumido só Pedro, Tiago e João como testemunhas da sua transfiguração, mas todos os discípulos.

Mas, em contrário, a autoridade da Escritura Evangélica.

SOLUÇÃO. — Cristo quis transfigurar-se, para mostrar a sua glória aos homens e para despertar-lhes o desejo dela, como dissemos. Ora, os homens são levados por Cristo à glória da eterna beatitude, não só os que existiram antes, como também depois dele. Por isso, quando caminhava para a sua paixão, tanto as gentes que iam adiante, como as que iam atrás, gritavam dizendo — Hossana, como esperando dele a salvação. Por isso era conveniente que, dentre os que o precederam, estivessem como testemunhas Moisés e Elias; e dos que existiram depois, Pedro, Tiago e João, para que por boca de duas ou três testemunhas ficasse confirmada essa palavra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Isto, pela sua transfiguração, manifestou aos discípulos a glória do seu corpo, que só aos homens respeita. Por isso e convenientemente, foram trazidos como testemunhas dela, não anjos, mas homens.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa glosa considera-se como extraída do livro intitulado - Dos milagres da Sagrada Escritura, que não é um livro autêntico, mas falsamente atribuído o Agostinho. Por isso não devemos apoiar-nos nela. Pois, Jerónimo diz expressamente: Devemos notar que aos escribas e aos fariseus, que lhe pediam um sinal do céu, Cristo não lhes quis dar; mas, na sua transfiguração, para aumentar a fé dos discípulos, dá-lhes um sinal do céu, a saber, o descida de Elias, do lugar para onde ascendera; e a ressurreição de Moisés, dos mortos. Mas não o devemos entender como significando que a alma de Moisés retomasse o seu corpo; mas que a sua alma se manifestou, como o fazem os anjos, por um corpo assumido. Mas Elias apareceu com o seu próprio corpo, não vindo do céu empíreo, mas de um lugar elevado, para o qual foi arrebatado num carro de fogo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Crisóstomo, Moisés e Elias foram trazidos como testemunhas, por muitas razões. — A primeira é a seguinte: Porque como as turbas consideravam-no como Elias ou Jeremias, ou um dos profetas, fez aparecerem os principais dos profetas, para ao menos assim manifestar a diferença entre os servos e o Senhor. — A segunda razão é, porque Moisés deu a lei e Elias foi o zelador da glória do Senhor. Assim, aparecendo simultaneamente com Cristo, ficava aniquilada a calúnia dos judeus, que acusavam a Cristo de transgressor da lei, e de blasfemo por usurpar para si a glória de Deus. — A terceira razão é: mostrar que tinha poder sobre a vida e a morte, que era o juiz dos mortos e dos vivos, por ter tido ao seu lado Moisés, que já morrera, e Elias, ainda vivo. — A quarta razão é que: como diz o Evangelho falavam da sua saída deste mundo que havia de cumprir em Jerusalém, isto é, da sua paixão e da sua morte. E assim, para fortalecer, nesse ponto, a alma dos discípulos, fá-los apresentarem-se em sua companhia os que se expuseram à morte por Deus; pois, Moisés, com perigo de morte, apresentou-se perante o Faraó e Elias, perante Acab. — A quinta razão é porque queria que os seus discípulos fossem imitadores da mansidão de Moisés e do zelo de Elias. — A sexta razão, acrescentada por Hilário, era mostrar que foi anunciado pela lei de Moisés e pelos profetas, entre os quais era Elias o principal.

RESPOSTA À QUARTA. — Os mistérios sublimes não devem ser revelados a todos imediatamente mas devem oportunamente chegar aos outros homens por meio dos chefes. Por isso, como diz Crisóstomo, Cristo levou consigo os três discípulos mais principais: Pois, Pedro foi executado pelo amor, que teve para com Cristo e também pelo poder que lhe foi cometido; João, pelo privilégio do amor com que, por causa da sua virgindade, era amado de Cristo, e também pela prerrogativa de ter pregado a doutrina Evangélica: e Tiago enfim, pela prerrogativa do martírio. E contudo Cristo não quis que esses mesmos anunciassem, o que viram antes da sua ressurreição. A fim de como explica Jerónimo o facto de tão grande magnitude não ser tido como incrível; nem viesse, depois de tão grande glória, a causar escândalo, entre almas rudes, a cruz, que lhe havia de suceder; ou também a fim de o povo não se lhe opor invencivelmente; e para que, quando estivessem cheios do Espírito Santo, então fossem testemunhas desses factos espirituais.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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