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23/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 14, 7-14

7 Se Me conhecêsseis, também certamente conheceríeis Meu Pai; mas desde agora O conheceis e já O vistes». 8 Filipe disse-Lhe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta». 9 Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não Me conheces, Filipe? Quem Me viu, viu também o Pai. Como dizes, pois: Mostra-nos o Pai? 10 Não acreditais que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo. O Pai, que está em Mim, Esse é que faz as obras. 11 Crede em Mim: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. 12 Crede-o ao menos por causa das mesmas obras. «Em verdade, em verdade vos digo, que aquele que crê em Mim fará também as obras que Eu faço. Fará outras ainda maiores, porque Eu vou para o Pai. 13 Tudo o que pedirdes em Meu nome, Eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. 14 Se Me pedirdes alguma coisa em Meu nome, Eu a farei.

Comentário:

São João insiste repetidamente na Filiação Divina de Jesus Cristo.

Ou melhor, na identificação de Jesus Cristo como O Filho único de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Porquê?

Porque de facto se não acreditarmos nestas verdades da nossa Fé então nada valerá a pena.

Acreditar em Jesus Cristo é a base de toda a vida cristã e a justificação da nossa Fé.


(ama, comentário sobre Jo 14, 7-14, 2015.05.02)  


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

CAPÍTULO XXVII

A medida do passado

Insiste, ó minha alma, e presta grande atenção: Deus é nosso apoio. Ele é que nos criou, e não nós. Olha para lá, para o lado onde desponta a aurora da verdade.

Eis, por exemplo, que uma voz corpórea começa a ressoar, e soa, e continua vibrando e deixar de soar; faz-se silêncio, a voz calou-se, passou e deixa de existir. Antes de soar, era futura, e não podia ser medida, pois ainda não existia; e agora também não o pode, porque já não existe mais. Só poderíamos medi-la quando ressoava, porque então havia o que medir. Mas mesmo então não era estável, porque vinha e passava. E não seria isso que a tornava mensurável?

Porque enquanto passava, estendia-se por um espaço de tempo que a tornava capaz de ser medida, porque o presente não tem duração alguma.

Admitamos que foi possível medi-la; eis, suponhamos agora, uma outra voz que começa a fazer-se ouvir; vibra de modo contínuo, sem nenhuma interrupção. Meçamo-la enquanto vibra, porque no momento em que deixar de vibrar será passada, e já não poderá ser medida. Meçamo-la, então, e avaliemos a sua duração. Mas ela vibra ainda, e só pode ser medida depois do início do fenómeno, quando começa a vibrar, até ao seu fim, quando deixa de vibrar. Porque é precisamente o intervalo que separa um começo de um fim que nós medimos. Por isso, uma voz, que ainda não terminou de ressoar, escapa à medida: é impossível dizer se ela será longa ou breve, se é igual a outra, simples ou dupla, ou qual a relação que tem com essa outra.

Mas quando terminar de soar, deixará de existir. Como, então, poderemos medi-la?

De facto, medimos o tempo; mas não o tempo que ainda não existe, nem o que já não existe, nem o que não tem duração alguma, nem o que está passando. Não é, portanto, nem o futuro, nem o passado, nem o presente, nem o que não tem limites que medimos: e, contudo, medimos o tempo.

Deus creator omnium (Deus, criador de tudo quanto existe): este verso é formado de oito sílabas, alternativamente breves e longas. As quatro breves, a primeira, a terceira, a quinta e a sétima – são simples em relação às quatro longas: a segunda, a quarta, a sexta e a oitava. Cada sílaba longa tem uma duração duas vezes maior que a breve. Eu pronuncio e percebo que é assim pelo testemunho claro dos meus sentidos. E por este testemunho que é fidedigno, meço uma longa por uma breve, e noto que ela a contém duas vezes.

Mas como uma sílaba só se faz ouvir depois da outra, se a breve vem primeiro, e a longa a seguir, como poderei reter a breve, como aplicá-la à longa, para compará-las e ver que esta contém aquela duas vezes, uma vez que a longa só começa a soar quando a breve deixou de se ouvir? E a própria sílaba longa, não me é possível medi-la enquanto está soando, porque eu só poderia medi-la quando se calasse. Mas ela, ao terminar, passou. Que é pois que eu meço? Onde está a breve, que seria minha medida? Onde está a longa, que meço? Apenas vibraram, foram-se, passaram, e não existem mais. Não obstante, eu meço-as e respondo com a segurança que me pode dar um sentido bem educado, que evidentemente uma é de duração simples e a outra dupla. Mas só poderei fazê-lo depois que ambas passaram e terminaram.

Logo, eu não meço as sílabas, que não existem mais, mas algo que permanece gravado na minha memória.

É em ti, meu espírito, que meço o tempo. Não me objectes nada, pois é assim. Não te perturbes com as ondas desordenadas das tuas emoções. É em ti, digo, que meço o tempo. A impressão que as coisas na sua passagem gravam em ti, perduram ainda depois que os factos passam. O que eu meço é esta impressão presente, e não as vibrações que a produziram e se foram. É ela que meço quando meço o tempo. Portanto, ou essa impressão é o tempo, ou eu não meço o tempo.

Mas quando medimos silêncios, e dizemos que o silêncio teve a mesma duração que certa palavra, não estamos dirigindo a nossa atenção para a medida dessa palavra, como se ainda pudéssemos ouvi-la, para podermos avaliar no espaço de tempo, o intervalo do silêncio? Com efeito, por vezes, sem abrir a boca ou dizer palavra, fazemos mentalmente poemas, versos, discursos; avaliamos a extensão do seu movimento, a sua duração, uns em relação aos outros, exactamente como se usássemos a voz.

Se alguém quisesse pronunciar um som prolongado, e regular antecipadamente, em pensamento, a sua duração, estima em silêncio a medida dessa duração e, confiando à memória, começa a emitir o som, que vibra até atingir o limite fixado. Ou melhor: esse som vibrou e vibrará, porque a parte que passou soou; a que ainda resta, soará e chegará ao seu fim. A atenção presente vai lançando o futuro para o passado, e o passado cresce com a diminuição do futuro, até que, esgotado o futuro, não haja mais que passado.

CAPÍTULO XXVIII

A medida do futuro

Mas o futuro, que ainda não existe, como pode diminuir ou consumir-se? E o passado, que já não existe, como pode aumentar, a não ser por existirem no espírito, autor dessas três transformações: a espera, a atenção e a lembrança? O objecto da sua espera passa pela atenção e se transforma em lembrança.

De facto, quem ousará negar que o futuro ainda não existe? Todavia, a espera do futuro já está no espírito. E quem poderá negar que o passado não mais existe? Contudo, a lembrança do passado ainda está no espírito. Enfim, haverá alguém que negue que o presente carece de duração, porque é um instante que passa? No entanto, perdura a atenção, diante da qual o seu objecto presente se retira continuamente. O futuro, portanto, não é longo, porque não existe.
 Um futuro longo seria apenas uma longa espera do futuro. Nem pode o passado ser longo, que também não existe. Um passado longo é uma longa lembrança do passado.

Digamos que eu queira cantar uma canção que conheço: antes de iniciar, a minha expectativa estende-se pela melodia como um todo. Quando começo, tudo o que se torna passado é armazenado na memória. A actividade do meu espírito divide-se em memória, onde guardo o que já disse, e em expectativa em relação ao que vou dizer. Contudo, a atenção está presente, e por seu intermédio o futuro torna-se passado. Quanto mais se aproxima o fim da canção, tanto menos se torna a expectativa e tanto maior a memória, até que aquela se esgota e a acção cumprida passa inteiramente para a memória.

E o que acontece com a canção tomada no seu conjunto, também ocorre com cada uma das suas partes, com cada sílaba; e também acontece com uma acção mais longa, da qual essa melodia talvez faça parte. O mesmo acontece com toda a vida do homem, da qual seus actos são partes. Sucede, enfim, com toda a história dos filhos do homem, da qual cada existência é apenas uma parte.

CAPÍTULO XXIX

A eternidade de Deus

Mas porque a tua misericórdia é superior a todas as vidas, e eis que a minha vida não é mais que distensão, e a tua destra me acolheu no meu Senhor, o Filho do homem, mediador entre ti, que és uno, e nós, que somos muitos e vivemos divididos por diversas paixões.

Por ele me unirei àquele, que por ele se uniu a nós, e liberto dos antigos dias, recolherei o meu ser seguindo a tua Unidade. Esquecido do passado, sem me preocupar com as coisas futuras e transitórias, atento apenas àquilo que é eterno, não com dispersão mas com todas as minhas forças buscarei a palma da vocação celeste, onde ouvirei a voz do teu louvor, e onde contemplarei a tua alegria, que não conhece futuro nem passado.

Agora, porém, os meus anos transcorrem em lamentos, e tu, meu consolo, ó Senhor, meu Pai, tu és eterno. Mas eu me dispersei no tempo, cuja ordem ignoro; tumultuosas vicissitudes despedaçam os meus pensamentos, entranhas da minha alma, até o dia em que, purificado pelo fogo do teu amor, me una a ti.

CAPÍTULO XXX

Deus e o tempo

E repousarei imutável em ti, na tua verdade, na minha forma. Não mais tolerarei as perguntas das pessoas que, pela enfermidade que é a pena do seu pecado, tem mais sede de saber do que lhes permite a sua capacidade, que dizem: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?” – ou ainda: “Como lhe veio a ideia de criar algo, se antes nunca fizera nada” – Concede-lhes, Senhor, que reflictam no que dizem, que compreendam que não se pode falar nunca onde não há tempo. Quando se diz que alguém nunca fez nada, que se quer dizer senão que esse tal nada fez em tempo algum? Que eles compreendam que não pode existir tempo na ausência da criação, e se deixem de semelhantes falácias.

Que também atentem para o que têm diante de si, para compreender que tu, antes de todos os tempos, és o Criador eterno de todos os tempos, e que nenhum tempo te é co-eterno, nem criatura alguma, embora algumas estejam acima dos tempos. [1]

CAPÍTULO XXXI

Conclusão

Senhor, meu Deus, que abismos profundos os dos teus segredos, e quão longe deles me levaram as consequências dos meus pecados! Cura os meus olhos, para que eu me alegre com a tua luz!

Se houvesse de facto um espírito de ciência e de presciência tão grandes para conhecer o passado e o futuro, como conheço qualquer canto popular, esse espírito nos encheria de extraordinária admiração e espanto. Nada, com efeito, lhe seria oculto no passado e nos séculos vindouros, exactamente como, ao entoar essa melodia, sei tudo o que cantei desde o começo, e tudo o que falta cantar até o fim. Mas longe de mim a ideia de identificar um tal conhecimento àquele que tens de todas as coisas futuras e passadas, ó Criador do Universo, Criador dos espíritos e dos corpos. A tua ciência é incomparavelmente mais admirável e mais misteriosa.

Porque aquele que canta ou escuta uma melodia conhecida, dividido entre a expectativa das notas por vir e a lembrança das notas passadas, passa por impressões diferentes. Mas contigo não se dá nada semelhante, tu que és imutável e eterno, Criador verdadeiramente eterno dos espíritos. Como no princípio, conheceste o céu e a terra, sem que o teu espírito mudasse o seu saber, assim criaste o céu e a terra, sem que a tua acção passasse por etapas distintas. Que aquele que compreende isto te louve, assim como o que não compreende. Oh! Como és sublime! E os de coração humildes são a tua morada! Levantas os que caíram, e os que graças a ti continuam erectos, não caem nunca.

(Revisão de versão portuguesa por ama)





[1] (Agostinho se refere aqui, aos anjos e demónios)

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