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17/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 10, 27-30

27 As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz, e Eu conheço-as, e elas seguem-Me. 28 Eu dou-lhes a vida eterna; elas jamais hão-de perecer, e ninguém as arrebatará da Minha mão. 29 Meu Pai, que Mas deu, é maior que todas as coisas; e ninguém pode arrebatá-las da mão de Meu Pai. 30 Eu e o Pai somos um».

Comentário:

A segurança que deve sentir o cristão guiado por tão excelente Pastor!

Pertencer a este rebanho unido, coeso, que Jesus Cristo cuida com desvelo e entranhado amor é o maior bem a que se pode aspirar.

De facto, é a certeza da salvação eterna, nada mais.

Que fazer, pois?

Deixar-se conduzir com a docilidade e a confiança absolutas que tudo quanto o Senhor quer é para nosso bem.

(ama, comentário sobre Jo 10, 27-30, 2014.04.21)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

LIVRO DÉCIMO

CAPÍTULO XXXVII

A tentação do orgulho

Todos os dias somos acometidos por estas tentações, Senhor, somos tentados sem trégua. Os louvores dos homens são a fornalha onde todos os dias somos postos à prova.

Também nisso mandas que sejamos continentes. Concede-nos o que mandas, e manda o que quiseres.

A esse respeito, conheces os lamentos que meu coração te dirige, e os rios de lágrimas que brotam dos meus olhos. É-me difícil distinguir o quanto estou purificado dessa peste; tenho muito medo da minhas faltas ocultas, que os teus olhos conhecem, e os meus ignoram. Nos outros géneros de tentação, tenho recursos para me examinar, mas quanto a este, quase nenhum.

Posso avaliar o quanto dominei a minha alma a respeito dos prazeres da carne e das vãs curiosidades, quando me vejo privado de tais coisas por minha vontade ou por necessidade.

Então me indago se é pena maior ou menor o ver-me privado desses dons.

Quanto à riqueza, ambicionada apenas para satisfazer a uma, duas ou todas as três paixões, no caso em que a alma não perceba se as despreza quando as possui, depende só dela renunciar a elas para provar seu desapego. Todavia, para nos privar dos louvores e provar nosso poder sobre eles, será talvez necessário levar uma vida má, infame, horrível, a ponto de ninguém nos conhecer sem nos detestar? Pode-se dizer ou conceber maior insanidade?

Se o louvor deve habitualmente acompanhar uma vida boa e de boas obras, não será por isso que deveremos abandonar a vida exemplar. Contudo, para distinguir se a privação de um bem me é indiferente ou penosa, é preciso que me prive desse bem.

Então, Senhor, que devo confessar-te quanto a tais tentações? Que tenho em grande apreço o louvor? Mas agrada-me mais a verdade. Pois, se tivesse que escolher entre duas situações: ser louvado pela minha loucura ou por meus erros ou ser escarnecido por todos pela minha firme certeza da verdade, bem sei o que escolheria. Contudo, não gostaria que a aprovação alheia aumentasse para mim a alegria que sinto pelo pouco bem que faço. Mas tenho de te confessar que não só o louvor a aumenta, mas também que o vitupério a diminui.

Quando me sinto perturbado por essa miséria, uma desculpa surge em mim. Só tu sabes, Senhor, se ela é válida, porque a mim me deixa perplexo. De facto, não nos ordenaste apenas a continência, que nos ensina a afastar certas coisas de nós, mas também a justiça, que direcciona nosso amor. Não quiseste que amássemos somente a ti, mas também o nosso próximo. Ora, às vezes me parece que é o aproveitamento e as esperanças de que o próximo dá mostra que me encantam, quando me regozijo com um elogio inteligente; e que, pelo contrário, é sua maldade que me entristece quando o ouço censurar o que ignora ou o que é bom.

Às vezes também me entristeço com os elogios que me fazem, quando louvam em mim qualidades que me desagradam, ou quando dão muita importância a qualidade medíocres e secundárias.

Mas, repito-o, como saber se o desagrado não provém da minha repugnância pelo louvor que destoa do meu juízo a respeito de mim mesmo – não que seu interesse me preocupe – mas pelo maior agrado que sinto quando o bem que amo em mim é amado pelos outros? De algum modo, não me considero louvado quando o elogio contradiz a opinião que tenho de mim mesmo, quer o encómio seja para o que me desagrada, quer exagerando o valor do que pouco me agrada.

Serei, pois, sobre isso tudo um enigma para mim mesmo?

Mas é em ti, ó Verdade, que percebo que devo me alegrar com os louvores que me dirigem, não no meu interesse, mas no interesse do próximo. Não sei se é este o meu caso, pois neste assunto me conheces melhor do que eu mesmo. Suplico-te, meu Deus, que me dês a conhecer a mim mesmo, para que eu possa confessar a meus irmãos, dispostos a orar por mim, as chagas que achar em mim. Faz que me examine com mais diligência. Se for de facto o bem do próximo que me alegra quando me louvam, porque sou menos sensível ao vitupério injustamente feito a outro, do que se fosse a mim? Porque o aguilhão da injúria me faz sofrer mais do que injúria igualmente injusta feita a uma outra pessoa diante de mim? Acaso também ignoro isto?

Deveria então concluir que me iludo, e que meu coração e minha língua burlam diante de ti a verdade?

Afasta de mim, Senhor, esta loucura, para que as minhas palavras não sejam para mim óleo de pecador para ungir a minha cabeça.

CAPÍTULO XXXVIII

A vanglória

Sou pobre e necessitado, e só melhoro quando, com gemidos íntimos e com desagrado de mim mesmo, busco a tua misericórdia, até que a minha indigência seja reparada e sanada com a paz que o olho soberbo ignora! Todavia, as palavras da nossa boca, ou nossos actos conhecidos dos homens, encerram uma tentação muito perigosa, filha do amor dos louvores que, para nos iludir com certa excelência, recolhe e mendiga os aplausos alheios. A vanglória tenta até quando a critico em mim, e é por isso mesmo que eu a desaprovo. Muitas vezes, por excesso de vaidade, há quem se glorie até mesmo do desprezo da vanglória; mas de facto não é mais do desprezo da vanglória que se orgulha, porque ninguém a despreza quando se gloria de a desprezar.

CAPÍTULO XXXIX

O amor-próprio

Há ainda entre nós, profundamente assente, outra tentação do mesmo género, que torna vãos aqueles que se comprazem consigo próprios, ainda que não agradem aos outros, ou até lhes desagradem, ou sequer procuram agradar-lhes. E quanto mais enfatuados estejam consigo mesmos, mais te desagradam a ti, não só ao gloriarem-se dos males como se fossem bens, mas sobretudo quando se gloriam dos teus bens como se fossem deles; ou quando, reconhecendo-os em si, eles os atribuem aos seus merecimentos; ou ainda quando, atribuindo-os à tua graça, não os gozam amigavelmente com os demais, gerando ciúmes e inveja.

Em todos estes perigos e provas, tu vês o temor do meu coração, e sinto que são mas as feridas que curas em mim do que as que inflijo a mim próprio.

CAPÍTULO XL

À procura de Deus

Quando deixaste de me acompanhar, ó Verdade, para me ensinar o que eu devia evitar ou procurar, sempre te consultei, a ti submetendo, dentro da minha limitação, os meus medíocres pontos de vista? Percorri com os sentidos, como pude, o mundo exterior. Observei a vida do meu corpo e os meus próprios sentidos. Depois adentrei nas profundezas da memória nos seus múltiplos domínios, tão maravilhosamente repletos de inúmeras riquezas; observei tudo isso, estupefacto. Sem o teu auxílio nada poderia distinguir, mas reconheci que nada disto eras tu. Nem era eu o descobridor de todas essas coisas; esforcei-me para distingui-las e avaliá-las no seu devido valor, recebendo-a através dos sentidos e interrogando-as. Senti outras coisas unidas a mim, e examinei-as, assim como aos sentidos que mas traziam; revolvi as vastas reservas da memória, analisando certas lembranças, guardando umas e trazendo outras à luz. Porque tu és a luz permanente que eu consultava sobre a existência, o valor e a qualidade de todas as coisas, e eu ouvia os teus ensinamentos e as tuas ordens. Costumo fazê-lo muitas vezes, pois essa é a minha alegria, e sempre que os meus trabalhos me permitem algum descanso, refugio-me nesse prazer.

Em nenhuma dessas coisas que percorro consultando-te, não encontro lugar seguro para a minha alma senão em ti; só em ti se reúno os meus pensamentos esparsos, sem que nada meu se aparte de ti. Às vezes, fazes-me conhecer uma extraordinária plenitude de vida interior, de inefável doçura que, se chegasse à contemplação, não seria certamente compatível com esta vida. Mas torno a cair nesta baixeza, cujo peso me acabrunha; volto a ser dominado pelos meus hábitos, que me têm cativo e, apesar das minhas lágrimas, não me libertam. Tão pesado é o fardo do hábito! Não quero estar onde posso e não posso estar onde quero: miséria em ambos os casos!


(Revisão de versão portuguesa por ama

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