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16/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 6, 60-69

60 Muitos dos Seus discípulos ouvindo isto, disseram: «Dura é esta linguagem! Quem a pode ouvir?». 61 Jesus, conhecendo em Si mesmo que os Seus discípulos murmuravam por isto, disse-lhes: «Isto escandaliza-vos? 62 Que será quando virdes subir o Filho do Homem para onde estava antes? 63 É o Espírito que vivifica; a carne para nada aproveita. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida. 64 Mas há alguns de vós que não creem». Com efeito Jesus sabia desde o princípio quais eram os que não acreditavam, e quem havia de O entregar. 65 Depois acrescentou: «Por isso Eu vos disse que ninguém pode vir a Mim se não lhe for concedido por Meu Pai». 66 Desde então muitos dos Seus discípulos retiraram-se e já não andavam com Ele. 67 Por isso Jesus disse aos doze: «Também vós quereis retirar-vos?». 68 Simão Pedro respondeu-Lhe: «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna. 69 E nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

Comentário:

A declaração de São Pedro é a que todos os homens gostaríamos fazer, deveríamos fazer!

Não há outro caminho para a salvação, não existe outro meio para atingir o Reino de Deus.

Esta é a verdade mais intrínseca da nossa fé.

(ama, comentário sobre Jo 6, 60-69 2015.08.23)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

LIVRO DÉCIMO

CAPÍTULO XXXV

A curiosidade

Às anteriores acrescente-se outra tentação, que oferece maiores perigos. Além da concupiscência da carne, que consiste no deleite voluptuoso de todos os sentidos, e cuja servidão dana os que ela afasta de ti, insinua-se na alma um outro desejo, que se exerce pelos mesmos sentidos corporais, mas tende menos a uma satisfação carnal do que a tudo conhecer por meio da carne.

É a vã curiosidade, que se disfarça sob o nome de conhecimento e de ciência. Como nasce do apetite de tudo conhecer, e como entre os sentidos os olhos são os mais aptos para o conhecimento, a Sagrada Escritura chamou-a de concupiscência dos olhos.

De facto, ver é função própria dos olhos; mas muitas vezes nós usamos essa expressão mesmo quando se trata de outros sentidos, aplicados ao conhecimento. Nós não dizemos: “Ouve como isto brilha” – nem: “Sente como isso resplandece” – nem: “Apalpa como isto cintila”. – Para exprimir tudo isso dizemos “ver ou olhar”. E até não nos limitamos a dizer: “Olha que luz!”, pois apenas os olhos nos podem dar esta sensação – mas, dizemos ainda: “Olha que som! Olha que cheiro! Olha que gosto! Olha como é duro!” Por isso toda experiência que é obra dos sentidos é chamada, como disse, concupiscência dos olhos. Essa função da visão, que pertence aos olhos, é usurpada metaforicamente pelos outros sentidos, quando buscam conhecer alguma coisa.

Daqui podemos distinguir claramente o papel da volúpia e o da curiosidade na acção dos sentidos. O prazer procura o que é belo, melodioso, suave, saboroso, agradável ao todo; a curiosidade por sua vez deseja o contrário, não para se expor ao sofrimento, mas pela paixão de conhecer por meio da experiência. Que prazer se pode ter na visão de um cadáver dilacerado, que causa horror? E todavia onde há um cadáver, para lá corre toda a gente para se entristecer e empalidecer. E temem depois revê-lo em sonhos, como se alguém os tivesse obrigado a contemplá-lo, ou como se a fama de alguma beleza os tivesse atraído. O mesmo acontece com os outros sentidos, o que seria enfadonho enumerar.

É esse quê de curiosidade mórbida que faz com que se exibam monstruosidades nos espectáculos. É ela que nos induz a perscrutar os segredos da natureza exterior, cujo conhecimento de nada serve, mas que os homens buscam conhecer apenas pelo prazer de conhecer. É ela também que inspira o homem a pesquisar, com fim semelhante, a ciência perversa, que é a arte da magia.

E é ela, enfim, que, até na religião, nos induz a tentar a Deus, pedindo-lhe sinais e prodígios, não para a salvação da alma, mas apenas pela ânsia de vê-los.

Nessa imensa floresta, cheia de insídias e perigos, cortei e lancei para fora do meu coração muitos males, graças à força que me concedeste para tanto, Deus da minha salvação.

Contudo, no turbilhão diário de tantas e tão variadas tentações que atormentam a minha vida, quando ousarei dizer que nenhuma delas atrai mais a minha atenção e não cativa a minha vã curiosidade? Certamente que o teatro já não me atrai, nem me importo mais em conhecer o curso dos astros; jamais, para obter uma resposta, consultei as sombras, pois detesto todos os ritos sacrílegos.

Mas quantos artifícios inventa o inimigo para me tentar a que te peça algum milagre, a ti, Senhor, meu Deus, a quem devo servir humilde e simplesmente! Eu te suplico, por nosso Rei, pela nossa pátria, a pura e casta Jerusalém, que o perigo de consentir nessas coisas, que até agora esteve longe de mim, se afaste cada vez mais! Mas quando te peço a salvação de uma alma, a finalidade do meu intento é bem diferente: ouve-me pois, e concede-me a graça de seguir de bom grado a tua vontade.

Mas incontáveis são as pequenas e desprezíveis bagatelas que tentam cada dia nossa curiosidade! E quem poderá contar as nossas quedas? Quantas vezes ouvimos contar banalidades!

Toleramo-las, de início, para não magoar os fracos, e depois, aos poucos, ouvimo-las com atenção sempre crescente!

Não vou mais ao circo, para ver um cão correr atrás de uma lebre; mas, passando casualmente pelo campo e vendo algo assim, eis-me interessado pela caçada, talvez até distraindo-me de algum pensamento profundo. E, se não chega a fazer-me mudar o caminho do meu cavalo, desvio o curso do meu coração. Se após tal demonstração da minha fraqueza tu não me alertares para que abandone esse espectáculo, elevando-me a ti por meio de alguma reflexão, ou desprezando tudo e passando adiante, ficaria ali, absorvido como um tonto.

E que dizer quando, sentado na minha casa, observando uma lagartixa à caça de moscas, ou uma aranha que as enreda na sua teia? Acaso, por serem animais pequenos, a curiosidade que despertam em mim não é a mesma? É verdade que depois passo a louvar-te; Criador admirável, ordenador do universo, mas não foi esse o pensamento que primeiro me moveu. Uma coisa é levantar-se depressa, e outra é não cair.

Dessas quedas está repleta minha vida, e minha única esperança está na tua infinita misericórdia. O nosso coração é o receptáculo de tais misérias, e traz em si grande quantidade de vaidades, que muitas vezes até interrompem e perturbam as nossas orações; e enquanto na tua presença levantamos a voz da nossa alma até aos teus ouvidos, tais pensamentos fúteis, vindos não sei de onde, vêm perturbar um acto tão importante.

CAPÍTULO XXXVI

O orgulho

Terei também essa miséria como desprezível? Haverá algo que possa restituir-me a esperança, a não ser a tua conhecida misericórdia, que começou a transformar-me? Sabes o quanto já me transformaste; curaste-me primeiro da paixão da vingança, para perdoar-me também todos os meus pecados, curar as minhas fraquezas, resgatar a minha vida da corrupção, conservar-me na piedade e misericórdia, e saciar dos teus bens o meu desejo. Derrubaste o meu orgulho pelo temor, dobrando a minha cerviz ao teu jugo. Agora eu trago o teu jugo, e sinto-o suave, como prometeste e cumpriste. Na verdade, o teu jugo já era suave, mas eu não o sabia quando receava tomá-lo sobre mim.

Mas, Senhor, tu és o único que sabe mandar sem orgulho, porque és o único Senhor verdadeiro, que não tem senhor! Diz-me, terá cessado em mim, se isso pode acontecer nesta vida, esta terceira espécie de tentação, que consiste em querer ser temido e amado pelos homens, com o único fim de obter uma alegria que não é alegria? Que vida miserável, que arrogância indigna! Aí está o principal motivo porque não te amamos e tememos piamente. Por isso resistes aos soberbos, enquanto dás a tua graça aos humildes. Trovejas contra as ambições do mundo, e fazes abalar as montanhas até às suas raízes.

Ora, como é necessário, para se adequar à sociedade, fazer-se amar e temer pelos homens, o inimigo da nossa verdadeira felicidade alicia-nos, e por toda parte semeia os seus laços gritando: “Bravo! Muito bem!” – para que, ávidos, recolhamos as lisonjas e nos deixemos incautamente enredar. O seu intento é que deixemos de encontrar a nossa alegria na verdade, para buscá-la na mentira dos homens; estimula em nós o prazer em nos fazer temer e amar, não pelo teu amor, mas no teu lugar. Com isso nos tornamos semelhantes a ele, não unidos na caridade, mas partilhando das suas penas. Ele quis fixar sua morada no aquilão (vento gelado do norte), para que nós, nas trevas e no frio, servíssemos o perverso e sinuoso imitador do teu poder.

Nós, Senhor, somos o teu pequeno rebanho: sê o nosso dono. Estende as tuas asas, para nosso refúgio. Sê a nossa glória; que nos amem por tua causa, e que a tua palavra seja observada por nós.

Quem busca o louvor dos homens, quando tu o reprovas, não será por estes defendido quando o julgares, nem se poderá subtrair à tua condenação. Mas quando não se louvam os pecados pelos desejos da sua alma, nem se abençoa quem pratica iniquidades, mas te louva um homem pelos dons que lhe concedeste, se ele se compraz mais no louvor do que no dom que lhe atrai os louvores, tu o reprovas, a despeito dos louvores que recebe dos homens. E quem o louva é melhor do que é louvado, porque um se agradou com o dom de Deus, e o outro alegrou-se com o dom do homem.

(Revisão de versão portuguesa por ama)


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