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29/03/2016

Tratado da vida de Cristo 89

Questão 44: De cada uma das espécies de milagres.

Art. 2 — Se Cristo fez convenientemente milagres em relação aos corpos celestes.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não fez convenientemente milagres em relação aos corpos celestes.

1. — Pois, como diz Dionísio, não é próprio da divina providência destruir, mas conservar. Ora, os corpos celestes são de natureza incorruptível e inalterável, como prova Aristóteles. Logo, Cristo não devia fazer nenhuma mudança na ordem dos corpos celestes.

2. Demais. — Pelo movimento dos corpos celestes é que se demarca o curso dos tempos, segunda a Escritura: Façam-se uns luzeiros no firmamento do céu e sirvam de sinais para mostrar os tempos, os dias e os anos. Assim, pois, mudado o curso dos corpos celestes, muda-se também a distinção e a ordem dos tempos. Ora, não há notícia que essa mudança fosse percebida pelos astrólogos, que contemplavam os astros e contavam os meses, no dizer da Escritura. Logo, parece que Cristo não fez nenhuma mudança relativamente ao curso dos corpos celestes.

3. Demais. — Era mais curial que Cristo fizesse milagres, quando vivia e ensinava, que na sua morte. Ou porque, como diz o Apóstolo. Foi crucificado por enfermidade, mas vive pelo poder de Deus, pelo qual fazia milagres; e quer também por os milagres serem a confirmação da sua doutrina. Ora, o Evangelho não nos diz, que durante a sua vida Cristo fizesse algum milagre relativo aos corpos celestes; ao contrário, aos fariseus que lhe pediam um sinal do céu, recusou dar-lhes, como lemos no Evangelho. Logo, parece que na ocasião da sua morte também não devia fazer nenhum milagre relativamente aos corpos celestes.

Mas, em contrário, o Evangelho: Toda a terra ficou coberta de trevas até a hora nona e escureceu-se também o sol.

Como dissemos os milagres de Cristo deviam ser tais que lhe patenteassem suficientemente a divindade. Ora, não a manifestam evidentemente as transmutações dos corpos inferiores, que também podem ser alterados por outras causas, como pela transmutação do curso dos corpos celestes, o qual só por Deus foi ordenado de maneira imutável. E é o que diz Dionísio: Devemos saber que se alguma mudança pode haver na ordem e no movimento dos céus, só o poderá ser pela causa que fez e muda todas as causas por uma simples palavra. Por isso houve conveniência em Cristo fazer milagres mesmo em relação aos corpos celestes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como é natural aos corpos inferiores serem movidos pelos corpos celestes, que lhes são superiores na ordem da natureza, assim também é natural a qualquer criatura ser mudada por Deus conforme os decretos da sua vontade. Por isso diz Agostinho, e também se lê na Glosa o dito pelo Apóstolo — Contra a natureza foste enxertado etc. Deus, Criador e Autor de todas as naturezas, nada faz contra a natureza, pois a natureza de cada ser tem nele a sua fonte. Por isso, não se corrompe a natureza dos campos celestes quando Deus lhes altera o curso; corromper-se-ia porém se fosse alterado por alguma outra causa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O milagre feito por Cristo não perverteu a ordem dos tempos. Pois, segundo alguns, essas trevas ou obscurecimento do sol, que se verificaram na paixão de Cristo, tiveram a sua causa na retracção dos raios solares, sem nenhuma mudança causada no movimento dos corpos celestes, pelo qual se medem os tempos. Donde o dizer Jerónimo: O Lampadário maior retraiu os seus raios ou para que não visse o Senhor pendente da cruz, ou para que não lhe gozassem dos raios ou ímpios blasfemadores. — Essa retracção dos raios porém não deve entender-se como significando que o sol tenha o poder de emitir ou retrair raios, pois, ele os emite não por eleição, mas por natureza, como diz Dionísio. Mas se diz que o sol retraiu os raios por não terem eles, por virtude do poder divino, chegado até a terra. Orígenes, porém explica esse facto pela interposição das nuvens. Devemos por consequência entender, diz, que muitas e grandes nuvens tenebrosissímas se acumulavam sobre o céu de Jerusalém, terra da Judeia donde resultaram as trevas profundas desde a sexta até a nona hora. Penso, pois, que assim como o ter-se cindido o véu do templo, o tremor da terra e outros fenómenos que se verificaram durante a paixão, só se deram em Jerusalém, assim também no caso vertente. Podemos, porém, tomando o texto - Toda a terra ficou coberta de trevas num sentido mais lato, aplicá-lo a toda a terra da Judeia pois, em tal sentido a tal se aplica, como quando, conforme lemos na Escritura, disse Abdias a Elias — Viva o Senhor teu Deus, que não há nação nem reino onde meu amo te não tenha mandado buscar — mostrando que o buscara entre as gentes que habitavam perto da Judeia.

Mas, nesta matéria, devemos seguir antes a Dionísio, que, como testemunha ocular, compreendeu que tal facto foi possível pela interposição da lua entre nós e o sol. Assim, diz: Vimos — estava então no Egipto — inopinadamente a lua ocultar o sol. E descobre aí quatro milagres. — O primeiro é que naturalmente o eclipse do sol, por interposição da lua, nunca se dá senão quando esses astros estão em conjunção. Ora, então a lua estava em oposição com o sol, pois era o décimo quinto dia, depois da lua nova, quando se celebrou a Páscoa dos Judeus. Por isso: Pois, não era o tempo oportuno. — O segundo milagre consistiu em a lua ter sido vista simultaneamente com o sol, no meio do céu, cerca da hora sexta; e de tarde apareceu no seu lugar, isto é, no oriente, oposta ao sol. Por isso diz: E de novo a vimos, isto é, a lua, desde a hora nona, quando se afastou do sol e cessaram as trevas, até à tarde, imposta por uma ação sobrenatural na linha dia me trai do sol, isto é, diametralmente oposta do sol. Donde se concluiu que não foi perturbado o curso habitual dos tempos, pois o poder divino fez com que a lua, sobrenaturalmente, se aproximasse do sol no tempo oportuno, e depois, afastando-se do sol, no tempo devido se colocasse de modo no seu lugar próprio. — O terceiro milagre esteve no seguinte. Um eclipse natural sempre com cada parte ocidental do sol para acabar na parte oriental; porque a lua tem o seu movimento próprio, do ocidente para o oriente, mais veloz que o próprio movimento do sol; por isso, vindo do ocidente, alcança o sol e o ultrapassa, tendendo para o oriente. Mas, no caso vertente, a lua já tinha ultrapassado o sol e distava dele a metade do círculo, estando-lhe em oposição. Donde havia necessariamente de voltar para o oriente em direcção ao sol e alcançá-lo primeiro pela parte oriental, dirigindo-se para o ocidente. E é o que diz Dionísio: Também vimos a eclipse, começando da parte oriental, chegar ao termo do sol, porque eclipsou-o todo, e depois retroceder. — O quarto milagre consistiu no seguinte. No eclipse natural o sol começa a reaparecer pela parte que principiou primeiro a obscurecer-se: porque a lua, pondo-se na frente do sol, pelo seu movimento natural o ultrapassa em direcção ao oriente; e assim, a parte ocidental do sol, que ocupou primeiro, é também a que primeiro abandona. Mas, no caso em discussão, a lua, voltando milagrosamente do oriente para o ocidente, não ultrapassou o sol, de modo a ficar mais ao ocidente, que ele. Mas, depois de ter chegado ao termo do sol, voltou para a parte oriental; e assim, a parte do sol, que por ocupou último, foi também a que primeiro abandonou. Donde, o eclipse começou pela parte oriental, mas a claridade começou primeiro a manifestar-se pela parte ocidental. E é o que diz Dionísio: E de novo vimos, não do mesmo lugar, isto é, não da mesma parte do sol, mas ao contrário no sentido do diâmetro, o eclipse começar e acabar. — Crisóstomo acrescenta ainda um quinto milagre dizendo, que as trevas duraram três horas, apesar do eclipse solar se ter consumado num instante; pois, não foi demorado, como o sabem os que o observaram. Pelo que dá a entender que a lua parou diante do sol. A não ser que preferíssemos dizer que o tempo das trevas deve ser contado desde o instante em que o sol começou a obscurecer-se até o momento em que ficou de novo totalmente livre. Mas, diz Orígenes, os filhos deste século objectam contra um tal prodígio, perguntando: — Como é que um facto tão admirável nenhum dos gregos nem dos bárbaros o descreveu? E refere que um certo Flegonte escreveu, nas suas Crónicas, que esse facto se deu no principado de Tibério César; mas não especificou que foi por ocasião de uma lua cheia. E isso podia ter acontecido, porque os astrólogos de todas as terras, que viviam nesse tempo, não se preocupavam em observar nenhum eclipse por não ser então ocasião de nenhum; de modo que atribuíram as trevas que presenciavam, a algum fenómeno atmosférico. Mas no Egipto, onde raramente aparecem nuvens, por causa da serenidade do ar, Dionísio e os seus companheiros foram levados a observar o eclipse referido, causa da obscuridade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo devia, sobretudo, manifestar a sua divindade por milagres, quando mais se lhe faziam sentir as necessidades da natureza humana. Por isso, na sua natividade apareceu uma nova estrela no céu. Donde o dizer Máximo: Se desprezas o presépio, levanta um pouco os olhos e contempla a nova estrela do céu, anunciando ao mundo a natividade do Senhor. — Mas na paixão a humanidade de Cristo foi sujeita a uma miséria ainda maior. Por isso era necessário que maiores milagres se realizassem no tocante aos principais Luzeiros do mundo. E, como diz Crisóstomo, esse foi o sinal prometido aos que o pediam, quando disse, aludindo à sua cruz e ressurreição: Esta geração perversa e adúltera pede um prodígio e não lhe será dado outro prodígio senão o prodígio do profeta Jonas. Pois, isso era muito mais admirável que o fizesse, quando crucificado, do que quando andava na terra.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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