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23/02/2016

Tempos de silêncio

Cultivar a interioridade na era digital - 4 

Proteger os tempos de silêncio

A temperança prepara o caminho para a santidade, pois constrói uma ordem interior que permite empregar a inteligência e a vontade naquilo que se tem entre mãos: Queres deveras ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento, faz o que deves e está no que fazes [i]. Para receber a graça divina, para crescer em santidade, o cristão tem de se meter na actividade que é a sua matéria de santificação.

As novas tecnologias favorecem a superficialidade? Dependerá, sem dúvida, do modo como se utilizem. No entanto, é necessário estar prevenido contra a dissipação: Deixas que os teus sentidos e potências se embebam em qualquer charco. - Assim andas tu depois: sem te fixares em nada, dispersa a atenção, adormecida a vontade, e desperta a concupiscência. [ii].

Evidentemente, quando se cede à dissipação por um emprego desordenado do telefone ou da internet, a vida de oração encontra obstáculos para o seu desenvolvimento. Não obstante, o espírito cristão leva a conservar a calma enquanto nos movemos com facilidade nas diversas circunstâncias da vida moderna: Os filhos de Deus têm de ser contemplativos: pessoas que, no meio do fragor da multidão, sabem encontrar o silêncio da alma em colóquio permanente com Nosso Senhor [iii].

S. Josemaria salientava que o silêncio é como que o porteiro da vida interior [iv], e nesta linha encorajava os fiéis que vivem no meio do mundo a ter momentos de maior recolhimento, compatíveis com um trabalho intenso. Dava especial importância à preparação da Santa Missa. Num ambiente penetrado pelas novas tecnologias, os cristãos sabem encontrar tempos para o trato com Deus, onde os sentidos, a imaginação, a inteligência, a vontade se podem recolher. Como o profeta Elias, descobrimos o Senhor não no ruído dos elementos e no ambiente, mas num sussurro de brisa suave [v].

O recolhimento que abre espaço ao colóquio com Jesus Cristo exige deixar para segundo plano outras atividades que reclamam a nossa atenção. A oração pede para que nos desliguemos do que nos possa distrair e, com frequência, será oportuno que esse desligar seja físico, desativando as notificações de um dispositivo, fechando os programas em execução ou, eventualmente, desligando o equipamento. É o momento de dirigir o olhar para o Senhor, e deixar nas Suas mãos o resto.

Por outro lado, o silêncio leva a estar atento aos outros e reforça a fraternidade, para descobrir pessoas que necessitam de ajuda, caridade e carinho [vi]. Numa época em que contamos com recursos tecnológicos que parecem empurrar-nos para encher o nosso dia de iniciativas, de atividades, de ruído, é bom fazer silêncio fora e dentro de nós. Neste sentido, ao refletir sobre o papel dos meios de comunicação social na cultura atual, o Papa Francisco convidou a «recuperar um certo sentido de pausa e de calma. Isto requer tempo e capacidade de guardar silêncio para escutar. (…) Se temos o genuíno desejo de escutar os outros, então aprenderemos a olhar o mundo com olhos diferentes e a apreciar a experiência humana tal como se manifesta nas diferentes culturas e tradições» [vii]. O esforço por formar uma atitude pessoal de escuta, e a promoção de espaços de silêncio, abre-nos aos outros e, de modo especial, à acção de Deus nas nossas almas e no mundo.

j.c. vásconez ‒ r. valdés





[i] Caminho, n. 815.
[ii] Ibid., n. 375.
[iii] Forja, n. 738.
[iv] Caminho, n. 281.
[v] Cfr.1 Re19, 11-13.
[vi] Temas actuais do cristianismo, n. 96.
[vii] Francisco, Mensagem para a XLVIII Jornada Mundial das comunicações sociais, 24 de Janeiro de 2014.

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