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21/02/2016

Cultivar a interioridade na era digital

Cultivar a interioridade na era digital - 2 

A virtude da temperança, uma aliada

S. Josemaria indica uma experiência com a qual é fácil identificar-se: "Os assuntos fervilham-me na cabeça nos momentos mais inoportunos...", dizes. Por isso te recomendei que procurasses conseguir uns tempos de silêncio interior... e a guarda dos sentidos externos e internos. [i]. Para conseguir um recolhimento que leve a envolver as potências na tarefa que realizamos, e assim poder santificá-la, é preciso exercitar-se na guarda dos sentidos. E isto aplica-se de modo especial ao uso dos recursos informáticos, que ‒ como todos os bens materiais ‒ se devem empregar com moderação.

A virtude da temperança é uma aliada para conservar a liberdade interior ao movimentar-se pelos ambientes digitais. Temperança é senhorio [ii], porque ordena as nossas inclinações para o bem no uso dos instrumentos com que contamos. Leva a agir de maneira que se empreguem retamente as coisas, porque se lhes dá o seu justo valor, de acordo com a dignidade de filhos de Deus.

Se quisermos acertar na escolha de aparelhos electrónicos, na contratação de serviços, ou, mesmo, ao utilizar um recurso informático gratuito, é lógico que consideremos o seu atractivo ou utilidade, mas também verificar se corresponde a um estilo temperado de viver: isto leva-me a aproveitar mais o tempo, ou vai-me causar distracções inoportunas? As funcionalidades adicionais justificam uma nova compra, ou é possível continuar a utilizar o aparelho que já possuo?

O ideal da santidade implica ir mais além do que é meramente lícito ‒ se se pode… ‒ para perguntar-se: isto, aproximar-me-á mais de Deus? Dá muita luz aquela resposta de São Paulo aos de Corinto: «Tudo me é lícito». Mas nem tudo me convém. «Tudo me é lícito». Mas não me deixarei dominar por nada [iii]. Esta afirmação de autodomínio do Apóstolo tem nova actualidade, quando consideramos alguns produtos ou serviços informáticos que, ao procurar uma recompensa imediata ou relativamente rápida, estimulam a repetição. Saber pôr um limite ao seu uso evitará fenómenos como a ansiedade ou, em casos extremos, uma espécie de dependência. Pode servir-nos neste campo aquele breve conselho: Acostuma-te a dizer que não [iv], atrás do qual se encontra uma chamada a lutar com sentido positivo, como o próprio S. Josemaria explicava: Porque desta vitória interna sai a paz para o nosso coração, e a paz que levamos para os nossos lares – cada um, ao seu – e a paz que levamos à sociedade e ao mundo inteiro [v].

O uso das novas tecnologias dependerá das circunstâncias e necessidades próprias. Por isso, neste âmbito cada um ‒ ajudado pelo conselho dos outros ‒ deve encontrar a sua medida. Deve-se sempre perguntar se o uso é moderado. As mensagens, por exemplo, podem ser úteis para manifestar proximidade a um amigo, mas se fossem tão numerosas que implicassem interrupções contínuas no trabalho ou no estudo, é porque, provavelmente, estaríamos a cair na banalidade e na perda de tempo. Neste caso, o autodomínio ajudar-nos-á a vencer a impaciência e a deixar a resposta para mais tarde, de modo que possamos ocupar-nos de uma actividade que exigia concentração, ou, simplesmente, prestar atenção a uma pessoa com quem estávamos a conversar.

Certas atitudes ajudam a viver a temperança neste âmbito. Por exemplo, conectar o acesso às redes a partir de uma hora determinada, fixar um número de vezes por dia para olhar para a conta de uma rede social ou para ver o correio eletrónico, desligar os dispositivos à noite, evitar o seu uso durante as refeições e nos momentos de maior recolhimento, como são os dias dedicados a um retiro espiritual. A Internet pode consultar-se em momentos e locais apropriados, de modo a não se colocar numa situação de navegar pela internet sem um objectivo concreto, com o risco de deparar com conteúdos que contradizem uma postura cristã da vida ou, pelo menos, perder o tempo com trivialidades.

O convencimento de que as nossas aspirações mais elevadas estão para além das satisfações rápidas que nos poderia dar um click, dá sentido ao esforço por viver a temperança. Através desta virtude, forja-se uma personalidade sólida e a vida ganha então as perspectivas que a intemperança esbate; ficamos em condições de nos preocuparmos com os outros, de compartilhar com todos o que nos pertence, de nos dedicarmos a tarefas grandes [vi].

j.c. vásconez ‒ r. valdés





[i] Sulco, n. 670.
[ii] Amigos de Deus, n. 84.
[iii] 1 Cor 6, 12.
[iv] Caminho, n. 5.
[v] S. Josemaria, Apontamentos tomados numa tertúlia, 28-X-1972.
[vi] Amigos de Deus, n. 84.

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