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30/01/2016

Tratado da vida de Cristo 72

Questão 40: Do género de vida que Cristo levou

Em seguida, depois do pertencente a vinda de Cristo ao mundo ou ao seu princípio, resta tratar do mais da sua vida. E primeiro devemos considerar o género de vida que levou. Segundo, a sua tentação. Terceiro, a doutrina. Quarto, os milagres.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:


Art. 1 — Se Cristo devia participar da sociedade humana ou viver uma vida solitária.
Art. 2 — Se Cristo devia viver neste mundo uma vida austera.
Art. 3 — Se Cristo devia viver neste mundo uma vida pobre.
4 — Se Cristo viveu segundo a lei.

Art. 1 — Se Cristo devia participar da sociedade humana ou viver uma vida solitária.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia participar da natureza humana, mas viver uma vida solitária.


1. — Pois, Cristo, na sua vida, devia mostrar que era não somente homem, mas também Deus. Ora, não cabe a Deus participar da sociedade humana, como diz a Escritura: Excepto os deuses, que não tem comércio com os homens. E o Filósofo diz que quem vive solitário, ou é um animal feroz, isto é, se o fizer por selvageria, ou é Deus, se o fizer a fim de contemplar a verdade. Logo, parece que Cristo não devia participar da sociedade humana.

2. Demais. — Cristo enquanto viveu a vida mortal devia tê-la vivido perfeitíssima. Ora a perfeitíssima das vidas é a contemplativa, como se estabeleceu na Segunda Parte. Ora, a vida contemplativa é por excelência uma vida solitária, segundo a Escritura: Eu o levarei à solidão e lhe falarei ao coração. Logo, parece que Cristo devia viver uma vida solitária.

3. Demais. — O género de vida de Cristo devia ser uniforme, pois, devia sempre aparecer como a mais perfeita. Ora, às vezes Cristo procurava lugares solitários, fugindo à multidão; donde o dizer Remígio: Como lemos no Evangelho, o Senhor tinha três refúgios - a barca, o monte, o deserto, e a um deles se acolhia sempre que a multidão o cercava. Logo, devia viver sempre uma vida solitária.

Mas, em contrário, a Escritura: Depois disto foi ele visto na terra e conversou com os homens.

O género de vida de Cristo devia ser tal que se enquadrasse nos fins da Encarnação para a qual veio ao mundo. Pois, veio ao mundo: primeiro, para manifestar a verdade, como ele próprio o disse: Eu para isso nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Logo, não devia ocultar-se, levando uma vida solitária, mas aparecer em público, pregando publicamente. Por isso, diz no Evangelho aos que queriam retê-lo: Às outras cidades é necessário também que eu anuncie o reino de Deus; que para isso é que fui enviado. - Segundo, veio para livrar os homens do pecado, segundo o Apóstolo: Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores. Donde o dizer Crisóstomo: Embora fixando-se num lugar qualquer, Cristo pudesse atrair todos a si para lhe ouvirem a pregação, contudo não o fez, dando-nos o exemplo, a fim de perambularmos na busca dos que correm o risco de perecer, como o pastor procura a ovelha perdida e o médico procura curar o doente. - Terceiro, veio para nos fazer entrar na posse de Deus, no dizer do Apóstolo. Por isso, vivendo na familiaridade dos homens era conveniente que lhes inspirasse a confiança para se aproximarem dele. Donde o dizer o Evangelho: E aconteceu que estando Jesus sentado à mesa numa casa, eis que, vindo muitos publicanos e pecadores, se sentaram a comer com ele e com os seus discípulos. Expondo o que, diz Jerónimo: Os pecadores, vendo o publicano converter-se dos seus pecados para uma vida melhor, tendo feito penitência a eles também não desesperavam da sua salvação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Cristo quis pela sua humanidade manifestar a divindade. Por isso, convivendo com os homens, como é próprio do homem, manifestou a todos a sua divindade, pregando e fazendo milagres, e vivendo uma vida inocente e justa no meio deles.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos na Segunda Parte, a vida contemplativa, absolutamente considerada, é melhor que a activa, cuja actividade versa sobre coisas materiais. Mas a vida activa, pela qual, pregando e ensinando, se transmite aos outros o fruto da contemplação, é mais perfeita que a puramente contemplativa; porque uma tal vida pressupõe as riquezas da contemplação. Por isso Cristo escolheu tal vida.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A actividade de Cristo foi para nossa instrução. E assim, a fim de dar exemplo aos pregadores, que nem sempre devem se apresentar em público, às vezes o Senhor se retraía da multidão. E assim procedeu por três razões, como lemos no Evangelho. - Umas vezes, para o seu repouso corporal. Assim, lemos que o Senhor disse aos seus discípulos =  Vinde, retirai-vos a algum lugar deserto e descansai um pouco. Porque eram muitos os que entravam e saíam e não tinham tempo para comerem. - Outras vezes, porém, por causa de oração, conforme aquele passo: E aconteceu naqueles dias, que saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Ao que diz Ambrósio: Leva-nos pelo seu exemplo aos preceitos da virtude. - Enfim, outras vezes, para nos ensinar a evitar os favores humanos. Donde o Evangelho - Vendo Jesus a grande multidão do povo, subiu a um monte - diz Crisóstomo: Preferindo o monte e a solidão à cidade e à praça pública, ensinou-nos a não fazer nada por ostentação e a fugir da agitação, sobretudo quando devermos tratar das coisas necessárias segundo a lei.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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