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05/01/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo de Natal
Epifania

Evangelho: Mc 6, 34-44

34 Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas. 35 Fazendo-se tarde chegaram-se a Ele os discípulos, dizendo: «Este lugar é solitário e a hora é já adiantada; 36 despede-os, a fim de que vão às quintas e povoados próximos e comprem alguma coisa para comer». 37 Ele respondeu-lhes: «Dai-lhes vós de comer». Eles disseram: «Iremos, pois, com duzentos denários comprar pão para lhes darmos de comer?». 38 Jesus perguntou-lhes: «Quantos pães tendes? Ide ver». Depois de se terem informado, disseram-Lhe: «Temos cinco pães e dois peixes». 39 Então mandou-lhes que os fizessem sentar a todos, em grupos, sobre a relva verde. 40 E sentaram-se em grupos de cem e de cinquenta. 41 Jesus, tomando os cinco pães e os dois peixes, elevando os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e os deu a Seus discípulos para que os distribuíssem; igualmente repartiu os dois peixes por todos. 42 Comeram todos e ficaram saciados. 43 E recolheram doze cestos cheios das sobras dos pães e dos peixes. 44 Os que tinham comido dos pães eram cinco mil homens.

Comentário:

Pela primeira vez os discípulos de Jesus parecem tomar publicamente consciência daquilo que o Senhor lhes tem falado com regularidade: amar o próximo!

Esse amor traduz-se em coisas concretas como seja, neste caso, preocupação pelo longo tempo passado sem terem comido e não haver naquele local possibilidade de o fazer.

O Senhor tinha consciência disso mesmo mas esperou que fossem os Seus seguidores mais próximos a tomar a iniciativa para daí tirar um bem maior: o extraordinário milagre da multiplicação dos peixes e do pão.

(ama, comentário sobre Mc 6, 34-44, 12-17, 2015.01.07)


Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM


CAPÍTULO III

A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA

2. A globalização do paradigma tecnocrático

109. O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política.
A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano.
A finança sufoca a economia real.
Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a lição do deterioramento ambiental.
Nalguns círculos, defende-se que a economia actual e a tecnologia resolverão todos os problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não académicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente com o crescimento do mercado.
Não é uma questão de teorias económicas, que hoje talvez já ninguém se atreva a defender, mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia.
Aqueles que não o afirmam em palavras defendem-no com os factos, quando parece não preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras.
Com os seus comportamentos, afirmam que é suficiente o objectivo da maximização dos ganhos.
Mas o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social.[i]
Entretanto temos um «super-desenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora»,[ii] mas não se criam, de forma suficientemente rápida, instituições económicas e programas sociais que permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos básicos.
Não temos suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos desequilíbrios actuais: estes têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e económico.

110. A especialização própria da tecnologia comporta grande dificuldade para se conseguir um olhar de conjunto.
A fragmentação do saber realiza a sua função no momento de se obter aplicações concretas, mas frequentemente leva a perder o sentido da totalidade, das relações que existem entre as coisas, do horizonte alargado: um sentido, que se torna irrelevante.
Isto impede de individuar caminhos adequados para resolver os problemas mais complexos do mundo actual, sobretudo os do meio ambiente e dos pobres, que não se podem enfrentar a partir duma única perspectiva nem dum único tipo de interesses.
Uma ciência, que pretenda oferecer soluções para os grandes problemas, deveria necessariamente ter em conta tudo o que o conhecimento gerou nas outras áreas do saber, incluindo a filosofia e a ética social.
Mas este é actualmente um procedimento difícil de seguir.
Por isso também não se consegue reconhecer verdadeiros horizontes éticos de referência.
A vida passa a ser uma rendição às circunstâncias condicionadas pela técnica, entendida como o recurso principal para interpretar a existência.
Na realidade concreta que nos interpela, aparecem vários sintomas que mostram o erro, tais como a degradação ambiental, a ansiedade, a perda do sentido da vida e da convivência social.
Assim se demonstra uma vez mais que «a realidade é superior à ideia».[iii]

111. A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição.
Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático.
Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada.
Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial.

112. Todavia é possível voltar a ampliar o olhar, e a liberdade humana é capaz de limitar a técnica, orientá-la e colocá-la ao serviço doutro tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social, mais integral.
De facto verifica-se a libertação do paradigma tecnocrático nalgumas ocasiões.
Por exemplo, quando comunidades de pequenos produtores optam por sistemas de produção menos poluentes, defendendo um modelo não-consumista de vida, alegria e convivência.
Ou quando a técnica tem em vista prioritariamente resolver os problemas concretos dos outros, com o compromisso de os ajudar a viver com mais dignidade e menor sofrimento.
E ainda quando a busca criadora do belo e a sua contemplação conseguem superar o poder objectivo numa espécie de salvação que acontece na beleza e na pessoa que a contempla.
A humanidade autêntica, que convida a uma nova síntese, parece habitar no meio da civilização tecnológica de forma quase imperceptível, como a neblina que filtra por baixo da porta fechada.
Será uma promessa permanente que, apesar de tudo, desbrocha como uma obstinada resistência daquilo que é autêntico?

113. Além disso, as pessoas parecem já não acreditar num futuro feliz nem confiam cegamente num amanhã melhor a partir das condições actuais do mundo e das capacidades técnicas.
Tomam consciência de que o progresso da ciência e da técnica não equivale ao progresso da humanidade e da história, e vislumbram que os caminhos fundamentais para um futuro feliz são outros.
Apesar disso, também não se imaginam renunciando às possibilidades que oferece a tecnologia.
A humanidade mudou profundamente, e o avolumar de constantes novidades consagra uma fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direcção.
Torna-se difícil parar para recuperarmos a profundidade da vida.
Se a arquitectura reflecte o espírito duma época, as mega-estruturas e as casas em série expressam o espírito da técnica globalizada, onde a permanente novidade dos produtos se une a um tédio enfadonho. Não nos resignemos a isto nem renunciemos a perguntar-nos pelos fins e o sentido de tudo.
Caso contrário, apenas legitimaremos o estado de facto e precisaremos de mais sucedâneos para suportar o vazio.

114. O que está a acontecer põe-nos perante a urgência de avançar numa corajosa revolução cultural.
A ciência e a tecnologia não são neutrais, mas podem, desde o início até ao fim dum processo, envolver diferentes intenções e possibilidades que se podem configurar de várias maneiras.
Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra, mas é indispensável abrandar a marcha para olhar a realidade doutra forma, recolher os avanços positivos e sustentáveis e ao mesmo tempo recuperar os valores e os grandes objectivos arrasados por um desenfreamento megalómano.

3. Crise do antropocentrismo moderno e suas consequências

115. O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade, porque este ser humano «já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente.
Sem se pôr qualquer hipótese, vê-a, objectivamente, como espaço e matéria onde realizar uma obra em que se imerge completamente, sem se importar com o que possa suceder a ela».[iv]
Assim debilita-se o valor intrínseco do mundo.
Mas, se o ser humano não redescobre o seu verdadeiro lugar, compreende-se mal a si mesmo e acaba por contradizer a sua própria realidade.
«Não só a terra foi dada por Deus ao homem, que a deve usar respeitando a intenção originária de bem, segundo a qual lhe foi entregue; mas o homem é doado a si mesmo por Deus, devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral de que foi dotado».[v]

116. Nos tempos modernos, verificou-se um notável excesso antropocêntrico, que hoje, com outra roupagem, continua a minar toda a referência a algo de comum e qualquer tentativa de reforçar os laços sociais.
Por isso, chegou a hora de prestar novamente atenção à realidade com os limites que a mesma impõe e que, por sua vez, constituem a possibilidade dum desenvolvimento humano e social mais saudável e fecundo.
Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma concepção errada da relação do ser humano com o mundo.
Muitas vezes foi transmitido um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse actividade de fracos.
Mas a interpretação correcta do conceito de ser humano como senhor do universo é entendê-lo no sentido de administrador responsável.[vi]

117. A falta de preocupação por medir os danos à natureza e o impacto ambiental das decisões é apenas o reflexo evidente do desinteresse em reconhecer a mensagem que a natureza traz inscrita nas suas próprias estruturas.
Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza.
Tudo está interligado.
Se o ser humano se declara autónomo da realidade e se constitui dominador absoluto, desmorona-se a própria base da sua existência, porque «em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza».[vii]

118. Esta situação leva-nos a uma esquizofrenia permanente, que se estende da exaltação tecnocrática, que não reconhece aos outros seres um valor próprio, até à reacção de negar qualquer valor peculiar ao ser humano.
Contudo não se pode prescindir da humanidade.
Não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo.
Não há ecologia sem uma adequada antropologia.
Quando a pessoa humana é considerada apenas mais um ser entre outros, que provém de jogos do acaso ou dum determinismo físico, «corre o risco de atenuar-se, nas consciências, a noção da responsabilidade».[viii]
Um antropocentrismo desordenado não deve necessariamente ser substituído por um «biocentrismo», porque isto implicaria introduzir um novo desequilíbrio que não só não resolverá os problemas existentes, mas acrescentará outros.
Não se pode exigir do ser humano um compromisso para com o mundo, se ao mesmo tempo não se reconhecem e valorizam as suas peculiares capacidades de conhecimento, vontade, liberdade e responsabilidade.

(cont)





[i] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 35: AAS 101 (2009), 671.
[ii] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 22: o. c., 657.
[iii] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 231: AAS 105 (2013), 1114.
[iv] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 63.
[v] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 38: AAS83 (1991), 841.
[vi] Cf. Declaração Love for Creation. An Asian Response to the Ecological Crisis: Colóquio promovido pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia, Tagaytay (31 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 1993), 3.3.2.
[vii] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991),37: AAS 83 (1991), 840.
[viii] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 2: AAS 102 (2010), 41.

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