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30/01/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


 Tempo Comum
Semana III

Evangelho: Mc 4, 35-41

35 Naquele mesmo dia, ao cair da tarde, disse-lhes: «Passemos à outra margem». 36 Eles, deixando a multidão, levaram-n'O consigo, assim como estava, na barca. Outras embarcações O seguiram. 37 Então levantou-se uma grande tempestade de vento, e as ondas lançavam-se sobre a barca, de tal modo que a barca se enchia de água. 38 Jesus estava na popa a dormir sobre um travesseiro. Acordaram-n'O e disseram-Lhe: «Mestre, não Te importas que pereçamos?». 39 Ele levantou-Se, ameaçou o vento e disse para o mar: «Cala-te, emudece». O vento amainou e seguiu-se uma grande bonança. 40 Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?». Ficaram cheios de grande temor, e diziam uns para os outros: 41 «Quem será Este, que até o vento e o mar Lhe obedecem?».

Comentário:

De facto parece que a Fé tem a ver com o medo!
Muita gente tem, realmente, medo de ter Fé porque adivinha que, ao tê-la, a sua vida “se complica” inevitavelmente.
A pessoa com Fé tem um sentido diferente da vida daquele que a não possui e, mais, obriga-se a proceder de acordo com essa mesma fé que, de modo simples, se pode traduzir:
Acreditar em Jesus Cristo.
(ama, comentário sobre Mc 4, 35-41, 2013.12.17)


Leitura espiritual



Vida cristã

Uma vida em diálogo com os outros


“O forno prova os vasos do oleiro, e a prova do homem está na sua conversa. O fruto mostra como se cultivou uma árvore; do mesmo modo, a palavra, os pensamentos do coração humano” [i].

Uma nota essencial da maturidade pessoal é a capacidade de diálogo, uma atitude de abertura aos outros que se manifesta na cordialidade do trato e num sincero desejo de aprender de cada pessoa.

“Conhecer a outras pessoas, outras culturas, faz-nos sempre muito bem, faz-nos crescer (…).
O diálogo é muito importante para a própria maturidade, porque na confrontação com outra pessoa, no confronto com as outras culturas, mesmo no confronto com as demais religiões, cresce-se: cresce, amadurece.
Certamente, existe um perigo: se no diálogo nos fechamos e zangamos, pode-se discutir; é o perigo de discutir, e isto não está bem porque nós dialogamos para nos encontrarmos, não para discutir.
E, qual é a atitude mais profunda que devemos ter para dialogar e não discutir?
A mansidão, a capacidade de ir ao encontro das pessoas, de ir ao encontro das culturas, com paz; a capacidade de fazer perguntas inteligentes:
‘Porque é que pensas assim?
Porque é que esta cultura faz deste modo?’

Escutar os outros e depois falar.

Primeiro escutar, depois falar” [ii].


Saber escutar


A Sagrada Escritura cobre de elogios os que sabem escutar, e, pelo contrário, desdenha da atitude dos que não prestam atenção aos outros.

“Ouvido que escuta a repreensão sadia, habita entre os sábios” [iii], diz o livro dos Provérbios; e o apóstolo Santiago aconselha “que cada um seja diligente para escutar, lento para falar e lento para a ira” [iv].

Por vezes, os hagiógrafos recorrem inclusive a uma fina ironia:
“falar a quem não escuta, é como despertar alguém de um sono profundo” [v].

Um problema frequente para escutar é que, enquanto outro fala, recordamos algo que tem que ver com o que nos conta, e estamos pendentes de dizer “a nossa” logo que haja uma pausa.
Produzem-se então conversas, talvez, animadas, em que se retira a palavra uns aos outros, mas em que se escuta pouco.

Outras vezes, o problema é que a conversa não surge de modo espontâneo e é preciso pôr empenho em procurá-la, com inteligência. Nesses casos, tem de se evitar a presunção, ou seja, a tendência para mostrar, a cada momento a nossa agudeza ou os nossos conhecimentos; pelo contrário, convém mostrar-se aberto e receptivo, desejoso de aprender dos outros, de modo que ampliemos todos os dias o nosso leque de interesses.
Deste modo escutaremos com atenção coisas que, talvez, inicialmente não nos interessavam demasiado, sem que isso implique hipocrisia da nossa parte, trata-se muitas vezes de um esforço sincero por se sobrepor ao critério próprio e para agradar e aprender.

Saber conversar requer conjugar a audácia com a prudência, o interesse com a discrição, o risco com a oportunidade.
É preciso não cair na ligeireza, estar disposto a rectificar palavras precipitadas ou inoportunas que nos possam ter escapado, ou uma afirmação um pouco categórica que deveríamos ter ponderado melhor.

Em todo o caso, as boas conversas deixam sempre rasto: vêm depois de novo à memória as ideias, os argumentos expostos por uns e por outros, surgem novas intuições e nasce o entusiasmo de continuar esse intercâmbio.



Abertura aos outros


É chamativo comprovar como o espírito de algumas pessoas envelhece prematuramente e, pelo contrário, outras permanecem jovens e decididas até ao fim dos seus dias.
Há que pensar que todos temos dentro muitos recursos ainda por utilizar, talentos que não aproveitámos, forças que nunca pusemos à prova e, por muito ocupados ou cansados que estejamos, não podemos deixar de avançar, de aprender e de ser receptivos às ideias dos outros.

Convém que saiamos de nós próprios; que nos abramos a Deus e, por Ele, aos outros.
Superaremos então esse egocentrismo que às vezes leva a acomodar-nos à realidade, à estreiteza dos nossos interesses ou à nossa particular visão das coisas e estaremos mais em guarda diante de certas deficiências que criam distâncias com as pessoas e que, portanto, revelam imaturidade:
Expressar-nos de uma forma categórica que muitas vezes não corresponde ao nosso conhecimento das coisas; manifestar as nossas opiniões com um tom de censura para com os outros;
Servir-nos de soluções pre-fabricadas ou de conselhos repetitivos e triviais;
Irritar-nos quando alguém não pensa como nós, ainda que depois nos manifestemos a favor da diversidade e da tolerância;
Encher-nos de ciúmes quando alguém sobressai á nossa volta;
Exigir a outros um nível de perfeição que os ultrapassa e que talvez nós próprios não atinjamos; pedir sinceridade e franqueza, quando, pelo contrário, talvez resistamos às correcções.



Maturidade e sentido crítico


Quando olhamos os outros com afecto, muitas vezes apercebemo-nos de que podemos ajudá-los com um conselho de amigo; dir-lhes-emos com confiança o que outros talvez também tenham visto mas não tiveram a lealdade de lho comentar.
Só esse fundamento, a caridade, faz com que a correção ou a crítica seja verdadeiramente útil e construtiva:

“Quando tenhas que corrigir, fá-lo com caridade, no momento oportuno, sem humilhar..., e com vontade de aprender e de melhorar tu próprio naquilo que corriges” [vi].

A chave da nossa capacidade de fazer mudar os outros está, de certa forma, ligada à nossa capacidade de nós próprios mudarmos.
Quando se sabe o que custa melhorar, o difícil que é e, ao mesmo tempo, o importante e libertador que é, então é mais fácil observar os outros com certa objectividade e ajudá-los realmente.
Quem sabe dizer as coisas claras a si próprio, sabe como e quando dizê-las aos outros e é também capaz de as escutar com boa disposição.

Saber receber e aceitar a crítica é prova de grandeza espiritual e de profunda sabedoria:

“Quem ama a instrução, ama o saber, e quem detesta a correção torna-se um imbecil” [vii].

No entanto, aceitar o que os outros nos dizem não implica viver sempre pendentes da crítica na nossa vida profissional ou social, balouçando ao som do que se diga ou deixe de se dizer sobre o que fazemos ou somos, porque essa preocupação acabaria por ser patológica.
Por vezes, aquele que faz bem as coisas pode ser bastante criticado; censuram-no talvez os que nada fazem, porque vêm a sua vida e o seu trabalho como uma acusação [viii];
Ou aqueles que agem de modo contrário, porque o consideram um inimigo;
Ou às vezes também os que fazem as mesmas coisas ou parecidas, porque ficam com ciúmes.

Não faltam casos assim, em que há que fazer-se “perdoar” por aqueles que nada fazem e pelos que não concebem que se possa fazer nada bom sem contar com eles.
Nesses casos, como nos aconselhava S. Josemaria,

“Temos que saber calar, rezar, trabalhar, sorrir... e esperar. Não deis importância a essas insensatezes: amai de veras todas essas almas. Caritas mea cum omnibus vobis in Christo Iesu!” [ix]



A responsabilidade de dar exemplo


A maturidade combina a abertura aos outros com a fidelidade ao próprio caminho e aos próprios princípios, mesmo quando quase não se encontra eco ou aceitação no próprio ambiente.

É verdade que a indiferença de que nos apercebemos à nossa volta pode indicar-nos que também nós talvez tenhamos algo que mudar ou, pelo menos, que explicar ou apresentar melhor.
Mas há algumas coisas que nunca devem mudar em nós, aconteça o que acontecer, escutem-nos ou não, louvem-nos ou insultem-nos, agradeçam-no ou rejeitem-no, aprovem-no ou reprovem-no:

“Esse contraste, ao confirmar com as tuas obras a tua fé, é precisamente a naturalidade que te peço” [x].

Não é raro que uma pessoa se sinta sozinha e sem apoio nalguns dos seus melhores empenhos.
A tentação de desistir pode ser muito forte.
Poderá parecer-lhe, então, que o seu exemplo ou o seu testemunho não servem para muito, mas não é assim; um fósforo aceso talvez não ilumine toda a sala, mas todos na sala o podem ver.
Talvez haja muitas pessoas que se sintam incapazes de imitar esse exemplo, mas sabem que querem segui-lo na medida em que possam, e esse testemunho puxa-os para cima.

Todos recordamos como nos ajudou a melhorar o bom exemplo de tantas pessoas.
E, no entanto, é provável que muitas delas saibam muito pouco acerca do seu real efeito sobre nós.
É grande a responsabilidade que temos de influir positivamente nos outros.

“Não podes destruir, com a tua negligência ou com o teu mau exemplo, as almas dos teus irmãos os homens” [xi].

Devemos falar, aconselhar, exortar, animar mas, sobretudo, procurar que as nossas palavras estejam avalizadas pelas nossas obras, pelo testemunho da nossa própria vida.
É impossível consegui-lo sempre, e mesmo na maioria das vezes, mas temos que querer ser uma ajuda para todos, e saber pedir perdão do coração se demos mau exemplo.


Uma luta de toda a vida


A abertura aos outros vai muito unida ao nosso avanço numa tarefa que nos ocupará toda a vida: reconhecer o rosto da soberba e lutar por ser mais humildes.

A soberba mete-se pelos resquícios mais surpreendentes da nossa relação com os outros.
Se se nos mostrasse de frente, o seu aspeto seria repulsivo e, por isso, uma das suas estratégias mais habituais é ocultar o rosto, disfarçar-se.
A soberba costuma esconder-se dentro de outra atitude aparentemente positiva, que a contamina subtilmente.
Depois, quando se torna forte, crescem as suas manifestações mais simples e primárias, próprias da personalidade imatura:

A suscetibilidade enfermiça;
O contínuo falar de si próprio;
A vaidade e afectação nos gestos e no modo de falar;
As atitudes prepotentes ou presunçosas, juntamente com o decaimento profundo ao aperceber-se da sua própria debilidade.

A soberba umas vezes disfarça-se de sabedoria, daquilo que poderíamos chamar uma soberba intelectual que toma a aparência de rigor.
Outras, oculta-se atrás de um apaixonado desejo de fazer justiça ou de defender a verdade quando, no fundo, há sobretudo um sentimento de vingança, ou uma ortodoxia altiva que avassala: um afã de precisar tudo, de julgar tudo.
Trata-se de atitudes que, em lugar de servir a verdade, se servem dela – de uma sombra dela – para alimentar o desejo de ficar acima dos outros.

Do mesmo modo que não existe a saúde total e perfeita, tão pouco podemos acabar por completo com as argúcias da soberba.
Mas podemos detetá-la melhor e não deixar que ganhe terreno. Haverá ocasiões em que nos enganará, porque tende a entrincheirar-nos, faz-nos reticentes a que os outros nos façam ver os nossos defeitos.
Mas se nós não vemos o seu rosto, oculto de diversas maneiras, talvez os outros o tenham podido ver.
Se somos capazes de escutar a advertência fraterna, a crítica construtiva, ser-nos-á muito mais fácil desmascará-la.
É preciso ser humilde para aceitar a ajuda dos outros.
E é também necessário ser humilde para ajudar os outros sem humilhar.

A maturidade cifra-se, afinal, no “são preconceito psicológico” de pensar habitualmente nos outros” [xii].

A personalidade que Deus quer para nós – e a que todos aspiramos, ainda que às vezes a procuremos noutra parte – é a de quem chegou a ter “um coração que ama, um coração que sofre, um coração que se alegra com os outros” [xiii].

(Revisão da versão portuguesa por ama)




[i] Si 27, 6-7
[ii] Francisco, Discurso, 21-VIII-2013.
[iii] Pr 15, 31.
[iv] St 1, 19.
[v] Si 22, 8.
[vi] S. Josemaria, Forja, n. 455.
[vii] Pr 12, 1.
[viii] Cfr. Sb 2, 10-20.
[ix] S. Josemaria, Carta aos seus filhos da Holanda, 20-III-1964 (Cfr. Vázquez de Prada, A. El Fundador del Opus Dei (III), Madrid: Rialp, 2003, p. 530.
[x] S. Josemaria, Caminho, n. 80.
[xi] S. Josemaria, Forja, n. 955.
[xii] S. Josemaria, Forja, n. 861.
[xiii] Francisco, Discurso, 17-VI-2013.

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