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14/01/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual



Tempo Comum
Semana I

Evangelho: Mc 1, 40-45

40 Foi ter com Ele um leproso que, suplicando e pondo-se de joelhos, Lhe disse: «Se quiseres podes limpar-me». 41 Jesus, compadecido dele, estendeu a mão e, tocando-o, disse-lhe: «Quero, fica limpo». 42 Imediatamente desapareceu dele a lepra e ficou limpo. 43 E logo mandou-o embora, dizendo-lhe com tom severo: 44 «Guarda-te de o dizer a alguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela purificação o que Moisés ordenou, para que lhes sirva de testemunho». 45 Ele, porém, retirando-se, começou a contar e a divulgar o sucedido, de modo que Jesus já não podia entrar abertamente numa cidade, mas ficava fora nos lugares desertos, e de toda a parte vinham ter com Ele.

Comentário:

Aqui está o Reino de Deus que Jesus Cristo anuncia:

Um Reino próximo dos homens por mais miseráveis que possam apresentar-se.

Tocou-o com a mão!

Podia tê-lo curado de longe, como fará com outros dez leprosos, mas não, quis tocá-lo com a Sua própria mão.

Cristo não se afasta do homem, mesmo quando coberto com a lepra de muitos pecados; espera-o, acolhe-o, toca-o com a Sua mão divina e dá-lhe, assim, vida nova e limpa para que recomece a viver.

(ama, Comentário, Mc 2, 40-45, 2007.01.08)


Leitura espiritual



CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM


CAPÍTULO V

ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO

4. Política e economia em diálogo para a plenitude humana

193. Assim, se nalguns casos o desenvolvimento sustentável implicará novas modalidades para crescer, noutros casos – face ao crescimento ganancioso e irresponsável, que se verificou ao longo de muitas décadas – devemos pensar também em abrandar um pouco a marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde.
Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda não podem viver de acordo com a sua dignidade humana.
Por isso, chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes.
Bento XVI dizia que «é preciso que as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando as condições da sua utilização».[i]

194. Para que apareçam novos modelos de progresso, precisamos de «converter o modelo de desenvolvimento global»[ii], e isto implica reflectir responsavelmente «sobre o sentido da economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações».[iii]
Não é suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado da natureza com o ganho financeiro, ou a preservação do meio ambiente com o progresso.
Neste campo, os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso.
Trata-se simplesmente de redefinir o progresso.
Um desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso.
Além disso, muitas vezes a qualidade real de vida das pessoas diminui – pela deterioração do ambiente, a baixa qualidade dos produtos alimentares ou o esgotamento de alguns recursos – no contexto dum crescimento da economia.
Então, muitas vezes, o discurso do crescimento sustentável torna-se um diversivo e um meio de justificação que absorve valores do discurso ecologista dentro da lógica da finança e da tecnocracia, e a responsabilidade social e ambiental das empresas reduz-se, na maior parte dos casos, a uma série de acções de publicidade e imagem.

195. O princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção conceptual da economia: desde que aumente a produção, pouco interessa que isso se consiga à custa dos recursos futuros ou da saúde do meio ambiente; se o derrube duma floresta aumenta a produção, ninguém insere no respectivo cálculo a perda que implica desertificar um território, destruir a biodiversidade ou aumentar a poluição.
Por outras palavras, as empresas obtêm lucros calculando e pagando uma parte ínfima dos custos.
Poder-se-ia considerar ético somente um comportamento em que «os custos económicos e sociais derivados do uso dos recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira transparente e plenamente suportados por quem deles usufrui e não por outras populações nem pelas gerações futuras».[iv]
A mentalidade utilitária, que fornece apenas uma análise estática da realidade em função de necessidades actuais, está presente tanto quando é o mercado que atribui os recursos como quando o faz um Estado planificador.

4. Política e economia em diálogo para a plenitude humana

196. Qual é o lugar da política?

Recordemos o princípio da subsidiariedade, que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis, mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais poder.
É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados.
Mas não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise actual.
A lógica que não deixa espaço para uma sincera preocupação pelo meio ambiente é a mesma em que não encontra espaço a preocupação por integrar os mais frágeis, porque, «no modelo “do êxito” e “individualista” em vigor, parece que não faz sentido investir para que os lentos, fracos ou menos dotados possam também singrar na vida».[v]

197. Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise.
Muitas vezes, a própria política é responsável pelo seu descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas públicas.
Se o Estado não cumpre o seu papel numa região, alguns grupos económicos podem-se apresentar como benfeitores e apropriar-se do poder real, sentindo-se autorizados a não observar certas normas até se chegar às diferentes formas de criminalidade organizada, tráfico de pessoas, narcotráfico e violência muito difícil de erradicar.
Se a política não é capaz de romper uma lógica perversa e perde-se também em discursos inconsistentes, continuaremos sem enfrentar os grandes problemas da humanidade.
Uma estratégia de mudança real exige repensar a totalidade dos processos, pois não basta incluir considerações ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura actual.
Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio.

198. A política e a economia tendem a culpar-se reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação ambiental.
Mas o que se espera é que reconheçam os seus próprios erros e encontrem formas de interacção orientadas para o bem comum. Enquanto uns se afanam apenas com o ganho económico e os outros estão obcecados apenas por conservar ou aumentar o poder, o que nos resta são guerras ou acordos espúrios, onde o que menos interessa às duas partes é preservar o meio ambiente e cuidar dos mais fracos. Vale aqui também o princípio de que «a unidade é superior ao conflito».[vi]

5. As religiões no diálogo com as ciências

199. Não se pode sustentar que as ciências empíricas expliquem completamente a vida, a essência íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade.
Isto seria ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos limitados.
Se se reflecte dentro deste quadro restrito, desaparecem a sensibilidade estética, a poesia e ainda a capacidade da razão perceber o sentido e a finalidade das coisas.[vii]
Quero lembrar que «os textos religiosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas, possuem uma força motivadora que abre sempre novos horizontes (...).
Será razoável e inteligente relegá-los para a obscuridade, só porque nasceram no contexto duma crença religiosa?»[viii]
Realmente, é ingénuo pensar que os princípios éticos possam ser apresentados de modo puramente abstracto, desligados de todo o contexto, e o facto de aparecerem com uma linguagem religiosa não lhes tira valor algum no debate público.
Os princípios éticos que a razão é capaz de perceber, sempre podem reaparecer sob distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes, incluindo a religiosa.

200. Além disso, qualquer solução técnica que as ciências pretendam oferecer será impotente para resolver os graves problemas do mundo, se a humanidade perde o seu rumo, se esquece as grandes motivações que tornam possível a convivência social, o sacrifício, a bondade.
Em todo o caso, será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas acções; será necessário insistir para que se abram novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor, a justiça e a paz.
Se às vezes uma má compreensão dos nossos princípios nos levou a justificar o abuso da natureza, ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que devíamos guardar.
Muitas vezes os limites culturais de distintas épocas condicionaram esta consciência do próprio património ético e espiritual, mas é precisamente o regresso às respectivas fontes que permite às religiões responder melhor às necessidades actuais.

201. A maior parte dos habitantes do planeta declara-se crente, e isto deveria levar as religiões a estabelecerem diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a construção duma trama de respeito e de fraternidade.
De igual modo é indispensável um diálogo entre as próprias ciências, porque cada uma costuma fechar-se nos limites da sua própria linguagem, e a especialização tende a converter-se em isolamento e absolutização do próprio saber.
Isto impede de enfrentar adequadamente os problemas do meio ambiente.
Torna-se necessário também um diálogo aberto e respeitador dos diferentes movimentos ecologistas, entre os quais não faltam as lutas ideológicas.
A gravidade da crise ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência, ascese e generosidade, lembrando-nos sempre que «a realidade é superior à ideia».[ix]


CAPÍTULO VI

EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS

202. Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar.
Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos.
Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida.
Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração.

1. Apontar para outro estilo de vida

203. Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os seus produtos, as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos.
O consumismo obsessivo é o reflexo subjectivo do paradigma tecno-económico.
Está a acontecer aquilo que já assinalava Romano Guardini: o ser humano «aceita os objectos comuns e as formas habituais da vida como lhe são impostos pelos planos nacionais e pelos produtos fabricados em série e, em geral, age assim com a impressão de que tudo isto seja razoável e justo».[x]
O referido paradigma faz crer a todos que são livres pois conservam uma suposta liberdade de consumir, quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro.
Nesta confusão, a humanidade pós-moderna não encontrou uma nova compreensão de si mesma que a possa orientar, e esta falta de identidade é vivida com angústia.
Temos demasiados meios para escassos e raquíticos fins.

204. A situação actual do mundo «gera um sentido de precariedade e insegurança, que, por sua vez, favorece formas de egoísmo colectivo».[xi]
Quando as pessoas se tornam auto-referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objectos para comprar, possuir e consumir.
Em tal contexto, parece não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe assinale limites; neste horizonte, não existe sequer um verdadeiro bem comum.
Se este é o tipo de sujeito que tende a predominar numa sociedade, as normas serão respeitadas apenas na medida em que não contradigam as necessidades próprias.
Por isso, não pensemos só na possibilidade de terríveis fenómenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca.


(cont)





[i] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 9: AAS 102 (2010), 46.
[ii] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 9: AAS 102 (2010), 46.
[iii] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 5: o. c., 43.
[iv] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 50: AAS 101 (2009), 686.
[v] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 209: AAS 105 (2013), 1107.
[vi] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 228: o. c., 1113.
[vii] Cf. Francisco, Carta enc. Lumen fidei (29 de Junho de 2013), 34 [AAS 105 (2013), 577]: «Enquanto unida à verdade do amor, a luz da fé não é alheia ao mundo material, porque o amor vive-se sempre com corpo e alma; a luz da fé é luz encarnada, que dimana da vida luminosa de Jesus. A fé ilumina também a matéria, confia na sua ordem, sabe que nela se abre um caminho cada vez mais amplo de harmonia e compreensão. Deste modo, o olhar da ciência tira benefício da fé: esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade, em toda a sua riqueza inesgotável. A fé desperta o sentido crítico, enquanto impede a pesquisa de se deter, satisfeita, nas suas fórmulas e ajuda-a a compreender que a natureza sempre as ultrapassa. Convidando a maravilhar-se diante do mistério da criação, a fé alarga os horizontes da razão para iluminar melhor o mundo que se abre aos estudos da ciência».
[viii] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 256: AAS 105 (2013), 1123.
[ix] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 231: o. c., 1114.
[x] Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 66-67.
[xi] João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 1: AAS 82 (1990), 147.

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