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21/02/2015

Os filhos de Deus têm de ser contemplativos

Nunca compartilharei a opinião – ainda que a respeite – dos que separam a oração da vida activa, como se fossem incompatíveis. Os filhos de Deus têm de ser contemplativos: pessoas que, no meio do fragor da multidão, sabem encontrar o silêncio da alma em colóquio permanente com Nosso Senhor: e olhá-lo como se olha um Pai, como se olha um Amigo, a quem se quer com loucura. (Forja, 738)

Não duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das honestas realidades diárias é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa oposta à vontade de Deus.

Pelo contrário, deveis compreender agora – com uma nova clareza – que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares da vida humana: Deus espera-nos todos os dias no laboratório, no bloco operatório, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a saber: escondido nas situações mais comuns há um quê de santo, de divino, que toca a cada um de vós descobrir.

Eu costumava dizer àqueles universitários e àqueles operários que vinham ter comigo por volta de 1930 que tinham que saber materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, tão frequente então como agora, de viver uma vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas.

Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se queremos ser cristãos, não podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus, deste Deus invisível que encontramos nas coisas mais visíveis e materiais.


Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos Por isso posso dizer-vos que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu sentido nobre e original, colocá-las ao serviço do Reino de Deus, espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro permanente com Jesus Cristo. (Temas Actuais do Cristianismo, n. 114)

Evangelho L espirit. (Santíssima Virgem)

Tempo de Cinzas

São Pedro Damião – Doutor da Igreja

Evangelho: Lc 5 27-32

27 Depois disto, Jesus saiu, e viu sentado no banco de cobrança um publicano, chamado Levi, e disse-lhe: «Segue-Me». 28 Ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-O. 29 E Levi ofereceu-Lhe um grande banquete em sua casa, e havia grande número de publicanos e outros, que estavam à mesa com eles. 30 Os fariseus e os seus escribas murmuravam dizendo aos discípulos de Jesus: «Porque comeis e bebeis com os publicanos e os pecadores?». 31 Jesus respondeu-lhes: «Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os doentes. 32 Não vim chamar os justos, mas os pecadores à penitência».

Comentário

Podemos dizer que este trecho do Evangelho é muito apropriado para este início da Quaresma: «Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os doentes. Não vim chamar os justos, mas os pecadores à penitência».

Quem de nós ousará considerar-se “justo” que quer dizer: Santo?

Então… o caminho para a santidade que apresenta sempre dificuldades e obstáculos, avanços e retrocessos e, talvez, quedas frequentes, tem de ser pontuado pela penitência voluntária atitude muito útil para os vencer e as evitar.

(ama, comentário sobre Lc 5, 27-32, 2014.03.08)


Leitura espiritual



Santíssima Virgem
Vida de Maria (IX)

A adoração dos Magos

A Sagrada Família regressou a Belém. As palavras do velho Simeão ressoavam nos ouvidos de Maria e de José. À memória da Virgem viriam os textos de alguns profetas que, falando do Messias, seu Filho, afirmam que não só seria Rei de Israel, mas receberia as honras de todos os povos da terra. Isaías já o tinha anunciado com particular eloquência: À tua luz caminharão os povos e os reis andarão ao brilho do teu esplendor. Lança um olhar em volta e observa: todos se reuniram e vieram procurar-te (...). Uma grande multidão de camelos te invade, camelos de Madiã e Efa; vêm todos de Sabá, trazendo ouro e incenso e anunciando os louvores de Javé[1].

Entretanto, o tempo decorria na mais absoluta normalidade. Nada fazia pressagiar qualquer acontecimento fora do comum. Até que um dia aconteceu algo extraordinário.

Tendo nascido Jesus em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que uns Magos vieram do Oriente a Jerusalém, perguntando: Onde está o Rei dos judeus que acaba de nascer? Porque nós vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O[2]. São Mateus anota que, ao ouvir essa pergunta, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele[3].
Sabemos muito pouco sobre estas personagens. De qualquer forma, o texto evangélico oferece algumas certezas: tratava-se de uns viajantes procedentes do Oriente, onde tinham descoberto uma estrela de extraordinário fulgor, que os impeliu a deixar as suas casas e partir em busca do Rei dos judeus. Tudo o resto — o seu número, o país de origem, a natureza da luz celestial, o caminho que seguiram — não passa de mera conjectura, mais ou menos fundada.
A tradição ocidental fala de três personagens, a quem inclusive dá um nome — Melchior, Gaspar e Baltasar — enquanto outras tradições cristãs elevam o seu número para sete e até para doze. O facto de que procedessem do Oriente aponta para as longínquas regiões de além Jordão: o deserto siro-árabe, Mesopotâmia, Pérsia. A favor da origem persa pesa um episódio historicamente comprovado. Quando, nos princípios do século VII, o rei persa Cosroes II invadiu a Palestina, destruiu as basílicas que a piedade cristã tinha edificado em memória do Salvador, excepto uma: a Basílica da Natividade, em Belém. E isto por uma simples razão: na sua entrada figurava a representação de uns personagens vestidos com indumentária persa, numa atitude de prestar homenagem a Jesus nos braços de Sua Mãe.

OS CORAÇÕES DE MARIA E DE JOSÉ DEVEM TER-SE ENCHIDO DE ALEGRIA E GRATIDÃO. ALEGRIA PORQUE OS ANÚNCIOS PROFÉTICOS SOBRE JESUS COMEÇAVAM A CUMPRIR-SE.

A palavra magos, com que os designa o Evangelho, não tem nada que ver com o que hoje em dia se entende por esse nome. Não eram pessoas dadas à magia, mas homens cultos, muito provavelmente pertencentes a uma casta de estudiosos dos fenómenos celestes, discípulos de Zoroastro, já conhecidos por numerosos autores da Grécia clássica. Por outro lado, é um facto comprovado que a expectativa messiânica de Israel era conhecida nas regiões orientais do Império Romano e inclusive na própria Roma. Não é estranho, pois, que alguns sábios pertencentes à casta dos magos, ao descobrir um astro de extraordinário fulgor, o tivessem interpretado — iluminados interiormente por Deus — como um sinal do nascimento do esperado Rei dos Judeus.

Embora a piedade popular una, de modo quase imediato, o nascimento de Jesus com a chegada dos Magos à Palestina, não se conhece com precisão a época em que teve lugar; sabemos, sim, que Herodes, sentindo-se ameaçado, inquiriu deles cuidadosamente, acerca do tempo em que lhes tinha aparecido a estrela[4]. Depois perguntou aos doutores da Lei pelo lugar de nascimento do Messias e os escribas responderam citando o profeta Miqueias: e tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá um chefe que apascentará Israel, Meu povo[5]. Usando uma mentira, Herodes pôs os Magos a caminho de Belém: ide, informai-vos bem acerca do Menino, e, quando O encontrardes, comunicai-mo, a fim de que também eu O vá adorar[6]. O seu propósito era bem diverso, pois propunha-se assassinar todos os meninos nascidos na cidade e na sua comarca, menores de dois anos, para assim se assegurar da morte daquele que — segundo o seu curto entender — lhe vinha disputar o trono. Deduz-se destes dados que a chegada dos Magos ocorreu algum tempo após o nascimento de Jesus; talvez um ano ou ano e meio.
Depois de receberem essa informação os Magos dirigiram-se apressadamente para Belém, cheios de alegria ao ver reaparecer a estrela, que tinha desaparecido misteriosamente em Jerusalém. Este mesmo facto advoga em favor da suposição de que o astro que os guiava não era um fenómeno natural — um cometa, uma conjunção, etc., como se procurou muitas vezes demonstrar — mas um sinal sobrenatural dado por Deus a esses homens escolhidos, e só a eles.

Mal saíram de Jerusalém — prossegue São Mateus — a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que chegando ao local onde estava o Menino, parou. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, Sua mãe e prostrando-se O adoraram; e abrindo os seus tesouros ofereceram-Lhe presentes de ouro, incenso e mirra[7].
Os corações de Maria e de José devem ter-se enchido de alegria e gratidão. Alegria porque os anúncios proféticos sobre Jesus começavam a cumprir-se; agradecimento porque os presentes daqueles homens generosos — predecessores na fé dos cristãos procedentes dos gentios — possivelmente, contribuíram para aliviar uma situação económica precária. José e Maria não puderam corresponder à sua generosidade. Eles, no entanto, consideraram-se suficientemente recompensados pelo olhar e o sorriso de Jesus, que iluminou de novo as suas almas e pelas doces palavras de agradecimento de Sua Mãe, Maria. [8]

***
Consideremos por momentos este extraordinário episódio ocorrido nos primeiros dias de vida de Jesus Cristo.
Quem são estes personagens tradicionalmente chamados “Magos” que se apressam em vir prestar a sua homenagem e oferecer presentes valiosos ao Menino?

Não se sabe exactamente quem são ou donde vieram.
Os textos sagrados falam vagamente que seriam pessoas de categoria social relevante, talvez dedicados ao estudo e à pesquisa dos astros. Podemos inferi-lo porque, obviamente conhecem as Escrituras e o que nelas se dizia dos sinais que haveriam de surgir quando do nascimento do Salvador e, também, porque detectam nos céus um desses sinais – a Estrela cintilante rara – que identificam como guia seguro para os levar ao seu destino.
A longa distância que têm de percorrer não é obstáculo, a identificação do local onde encontrariam o objecto da sua busca, tão pouco. Visto e avaliado o sinal nada os faz desistir nem sequer a matreira actuação de Herodes.

Encontrar Cristo é tarefa difícil quando não se sabe onde está nem se conhece o caminho para O encontrar. Há que pôr os meios disponíveis e tentar com perseverança, vencendo os obstáculos que sempre se levantam no caminho, sejam quais forem.
A alegria do encontro finalmente conseguido “pagará” todo o esforço e incómodos da busca.

Não temos – nós – que fazer tão grandes esforços para O encontrar, bastará seguir os sinais tão evidentes e claros que de tantas formas nos vão aparecendo ao longo da vida; temos, isso sim, de estar atentos a esses sinais e ter o coração limpo de preconceitos e disponível; com rectidão de intenção e o sincero desejo de encontrar o Senhor do Mundo.
Não nos preocupemos com os “presentes”, Ele não espera de nós outra coisa que nós mesmos de lama e coração dispostos a segui-lo e, seguindo-o, encontrarmos a verdadeira finalidade da nossa vida: assumir a nossa qualidade ímpar de Filhos de Deus, candidatos à Vida Eterna no Seu Reino.
Não importa se somos tão “importantes” como os Magos do oriente ou tão “simples" como os pastores de Belém; somos o que somos e não o que pretendemos – ou talvez gostássemos – ser.

O Senhor conhece-nos a todos e a cada um em particular com todas as nossas capacidades, fraquezas e desejos e o “presente” que espera de nós é que nos entreguemos confiadamente certos que a Sua “paga” será incomensuravelmente maior que quanto possamos oferecer-lhe.

O Menino abre os Seus braços a todos os homens porque veio salvar e redimir a todos dando a própria vida na Cruz. Desde o Seu berço está disponível para nos acolher e guiar como “Luz do Mundo” que ilumina mais – muito mais – que qualquer estrela.

Este Menino que parece inerme e indefeso face a um mundo de controvérsias, lutas fratricidas, vencerá sempre porque Ele é o Rei dos Reis, tem todo o Poder e Glória para todo o sempre.

Vamos a Belém com o coração nas mãos, aberto e disposto a receber a “chuva” de graças e bênçãos que com magnanimidade divina está pronto a conceder-nos.
A Seu lado estará a Sua Santíssima Mãe, enlevada na contemplação do seu Filho e “encantada” com a nossa presença que – podemos estar certos - nunca esquecerá porque, como dizem os Evangelhos, “guarda todas estas coisas no seu coração” e, uma Mãe como Ela é jamais esquece os seus filhos.[9]





[1] Is 60, 3-6
[2] Mt 2, 1-2
[3] Mt 2, 3
[4] Mt 2, 7
[5] Mt 2, 6
[6] Mt 2, 8
[7] Mt 2, 9-11
[8] j.a. loarte
[9] ama, reflexão sobre os Magos.

O horror do Estado Islâmico desmascara 4 mitos sobre as Cruzadas

Os recentes, constantes e estarrecedores ataques cometidos pelos radicais do Estado Islâmico, entre os quais a decapitação de 21 cristãos egípcios no último fim-de-semana, têm levado muita gente, no mundo inteiro, a se perguntar: o que é que pode ou deve ser feito, afinal de contas, para dar um basta a essas aberrações?

Vários países já puseram operações militares em andamento. Grande parte das pessoas entrevistadas pela televisão ou que se manifestam nas redes sociais não apenas considera justificada a intervenção militar contra um grupo terrorista capaz de tamanha selvajaria; muita gente inclusive pede mais esforços concertados para eliminar os fanáticos que parecem não conhecer piedade alguma, razão alguma e limite algum.

Diante de uma ameaça tão brutal e real, volta à tona o conceito de "guerra justa": em casos tão extremos, o uso da força é uma possibilidade aceitável ou, mais ainda, é uma obrigação de justiça, voltada a parar o injusto agressor e a defender os direitos humanos das vítimas cobardemente agredidas?

A chocante experiência que estamos vivendo diante do grau assassino de fanatismo dos agressores faz com que venha ao caso reavaliar com outros olhos um contexto muito semelhante: o dos cristãos da Idade Média, que também sofreram atrocidades de todo tipo e se viram diante da urgência de reagir, ainda que fosse pela força.

Foi nesse contexto que a cristandade empreendeu as Cruzadas: em reação a uma ameaça horrenda, que já durava mais de 400 anos e que precisava ser vigorosamente repelida. Não teria sido por pouca coisa, afinal, que a maioria dos grandes santos da época apoiou as Cruzadas: entre eles, ninguém menos que São Bernardo, Santa Catarina de Sena e São Francisco de Assis. Isso mesmo: o São Francisco de Assis que, até hoje, é símbolo de luta heroica pela paz. Mesmo ele se viu obrigado a acompanhar os cruzados; pregando a reconciliação e a paz, é claro, mas sabendo, ao mesmo tempo, que a cristandade tinha o direito e o dever de se defender das agressões sofridas.

Obviamente, a resposta dos cruzados não deve nem pode ser vista como coisa plenamente adequada e isenta de pecados. É muito raro que algum conflito armado termine sem atrocidades (o que é uma óptima razão para que sempre consideremos a guerra somente como último e extremo recurso). No entanto, a maioria das ideias populares sobre as Cruzadas é muito mais influenciada pelo fanatismo anticatólico do que pela verdade histórica.

Um artigo de Paul Crawford, publicado alguns anos atrás, apresenta “Quatro mitos sobre as Cruzadas”. O artigo original, que é longo, mas excelente, pode ser lido na íntegra aqui (em inglês).

Eu me permito, a seguir, fazer um resumo do que Paul Crawford nos relata com base em suas pesquisas.

MITO 1: “As cruzadas foram um ataque gratuito dos cristãos ocidentais contra os muçulmanos”.

Uma revisão cronológica honesta derruba esta mentira. Até o ano 632, o Egipto, a Palestina, a Síria, a Ásia Menor, o Norte da África, a Espanha, a França, a Itália e as ilhas da Sicília, da Sardenha e da Córsega eram todos territórios cristãos. Dentro das fronteiras do Império Romano, que ainda existia no Mediterrâneo oriental, o cristianismo ortodoxo era a religião oficial e esmagadoramente maioritária. Fora daquelas fronteiras, ainda havia outras grandes comunidades cristãs, não necessariamente ortodoxas e católicas, mas, ainda assim, cristãs: a maioria da população cristã da Pérsia, por exemplo, era nestoriana. Também havia várias comunidades cristãs espalhadas pela Arábia.

Apenas um século mais tarde, em 732, os cristãos já tinham perdido o Egipto, a Palestina, a Síria, o Norte da África, a Espanha, a maior parte da Ásia Menor e o sul da França. A Itália e suas ilhas associadas também estavam sob ameaça; tanto que as ilhas acabariam sob o domínio islâmico no século seguinte. Logo após o ano de 633, as comunidades cristãs da Arábia foram inteiramente destruídas. Tanto os judeus quanto os cristãos foram expulsos da península arábica. Os da Pérsia estavam sob forte pressão. Dois terços do antigo mundo cristão romano se viam agora governados pelos muçulmanos.
O que é que tinha acontecido? Cada uma dessas regiões listadas acima foi tomada pelos muçulmanos no espaço de apenas cem anos. Cada uma delas foi arrancada do controle cristão por meio da violência, em campanhas militares deliberadamente concebidas para expandir o território do islão. E o programa de conquistas do islão não terminou por aí. Carlos Magno bloqueou o avanço muçulmano rumo à Europa ocidental por volta do ano 800, mas as forças islâmicas simplesmente mudaram seu foco para a Itália e para a costa francesa, atacando a Itália continental em 837. Uma luta confusa pelo controle do sul e do centro da Itália prosseguiu durante o resto do século IX e continuou no século X. O próprio interior italiano chegou a ser atacado. Com a urgência de proteger as vítimas cristãs, os papas do século X e do início do século XI se envolveram diretamente na defesa do território. Os bizantinos levaram muito tempo para reunir as forças necessárias para a reação armada. Em meados do século IX, eles montaram um contra-ataque. Mas os muçulmanos responderam com novas e ainda mais afiadas investidas.

Em 1009, um governante muçulmano mentalmente perturbado destruiu a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, e lançou grandes perseguições contra cristãos e judeus. As peregrinações à Terra Santa se tornavam cada vez mais difíceis e perigosas. Os peregrinos ocidentais começaram a se unir e a portar armas para se proteger quando tentavam visitar os lugares mais sagrados do cristianismo na Palestina.

Desesperados, os bizantinos apelaram pela ajuda do Ocidente, direccionando os seus pedidos de socorro principalmente à pessoa que eles viam como a maior autoridade ocidental: o papa, que, como vimos, já tinha organizado a resistência cristã aos ataques muçulmanos na Itália. Finalmente, em 1095, o papa Urbano II atendeu ao desejo do papa Gregório VII. Começou a Primeira Cruzada.

Longe de ser “gratuitas” e de não terem sido provocadas de fora, as Cruzadas representam o primeiro grande contra-ataque cristão ocidental em defesa própria diante dos ataques muçulmanos ocorridos continuamente durante mais de 400 anos, desde o início do islão, no século VII, até o final do século XI, e que ainda continuariam depois também. Três das cinco principais sedes episcopais do cristianismo (Jerusalém, Antioquia e Alexandria) tinham sido capturadas já no século VII; as outras duas (Roma e Constantinopla) tinham sido atacadas ao longo dos séculos anteriores às Cruzadas. Constantinopla seria tomada em 1453, deixando em mãos cristãs apenas uma das cinco (Roma). E Roma foi novamente ameaçada no século XVI. Isto é ausência de provocação ou é uma ameaça mortal e persistente que exigia uma defesa vigorosa, caso os cristãos quisessem exercer o seu direito de sobreviver?

É difícil subestimar as perdas sofridas pela Igreja nas várias ondas de conquistas muçulmanas. Todo o Norte da África, antigamente repleto de cristãos, foi conquistado. Chegou a haver 500 bispos cristãos no Norte da África. Hoje, as ruínas da Igreja estão enterradas na areia. Há bispos titulares, mas não residentes. Toda a Ásia Menor, tão amorosamente evangelizada por São Paulo, foi perdida. Grande parte do sul da Europa esteve a ponto de ser tomado também. É mesmo possível afirmar categoricamente que os cristãos deviam assistir impávidos ao próprio extermínio sem se defender?

MITO 2: “Os cristãos do Ocidente foram às Cruzadas por ganância, para saquear os muçulmanos e enriquecer”.

Poucos cruzados tinham dinheiro suficiente para bancar as próprias obrigações em casa e, em paralelo, sustentar-se decentemente durante uma cruzada. Desde o início, as considerações financeiras tiveram papel muito importante no planeamento dos contra-ataques. Os primeiros cruzados venderam tantos bens para financiar suas expedições que provocaram inflação generalizada na Europa. Os cruzados posteriores levaram este fato em conta e começaram a poupar dinheiro muito antes de partirem, mas os custos ainda eram quase proibitivos.
Uma das principais razões para o fracasso da Quarta Cruzada e do seu desvio para Constantinopla foi justamente a falta de dinheiro antes mesmo do início das batalhas. A Sétima Cruzada, de Luís IX, em meados do século XIII, custou mais de seis vezes a receita anual da coroa.

Os papas recorreram a manobras cada vez mais desesperadas para levantar fundos, desde instituir o primeiro imposto de renda, no começo do século XIII, até implantar uma série de ajustes na maneira de se concederem as indulgências (o que acabou gerando os gritantes abusos condenados por Martinho Lutero).

Em suma: as Cruzadas levaram à falência muito mais evidentemente do que à riqueza. Os cruzados eram bastante cientes disso e não viam nas Cruzadas uma forma de melhorar a sua situação, e sim uma escolha entre lutar assumindo o risco de perder tudo e não lutar e ter a certeza de ser destruídos.

Crawford confirma que as pilhagens eram de fato permitidas ou toleradas quando os exércitos cristãos venciam. Os saques, infelizmente, eram comuns nos tempos antigos e medievais, mas é relevante observar que não eram exclusividade dos cruzados. Uma guerra dificilmente se mantém ordenada, já que os motivos de cada soldado individual não podem ser perfeitamente controlados.

MITO 3: “Os cruzados eram cínicos que não acreditavam na própria propaganda religiosa: eles tinham segundas intenções e motivações materialistas”.

Esta é uma afirmação muito popular, pelo menos a partir de Voltaire, e parece convincente para a modernidade e a contemporaneidade, mergulhadas em visões de mundo materialistas. Não há dúvida de que havia cínicos e hipócritas na Idade Média, assim como os há em qualquer época.

No entanto, mito é mito e é preciso esclarecer as coisas.

Os riscos das Cruzadas eram muito altos. Muitos cruzados, se não a maioria, sequer voltava das batalhas. Um historiador militar estimou que os índices de baixas na Primeira Cruzada foram de espantosos 75%.

Além disso, a participação nas Cruzadas era voluntária: os participantes precisavam ser persuadidos a ir, e por sua conta. O principal meio de persuasão eram os sermões, repletos de advertências de que as Cruzadas implicavam privações, sofrimentos e, muitas vezes, a morte; as Cruzadas afetariam gravemente as vidas dos seus participantes, provavelmente os empobreceriam e mutilariam e certamente provocariam grandes inconvenientes para as suas famílias.

E como é que um discurso desses funcionou? Funcionou precisamente porque EMPREENDER uma cruzada em defesa da própria fé e do próprio povo era entendido como uma penitência valiosa para a alma e uma forma de purificação, além de um ato de amor desinteressado que levava a dar a vida pelos amigos.

As evidências disponíveis sugerem que a maioria dos cruzados foi motivada pelo desejo de defender o nome de Deus, colocar a própria vida a serviço da protecção dos cristãos ameaçados e expiar os pecados pessoais.

São conceitos difíceis para os ocidentais de hoje, tão laicos e tão cépticos diante de motivos espirituais. Acontece que, entre o nosso actual Ocidente e a Idade Média, existe uma grande divisão cartesiana, com seu reducionismo materialista. São outros contextos, nos quais os parâmetros são muito diferentes. Naquela época, a vida na terra era curta e brutal; era "um vale de lágrimas" a ser suportado como tempo de purificação para o encontro com Deus. Os princípios espirituais exerciam uma influência quase incompreensível para as mentes imediatistas de hoje.

MITO 4: “Foram as Cruzadas que ensinaram os muçulmanos a odiar e atacar os cristãos”.

Os muçulmanos já vinham atacando os cristãos continuamente fazia mais de 450 anos quando o papa Urbano reagiu declarando a Primeira Cruzada. Os muçulmanos não precisavam de “incentivo” algum para atacar a cristandade. De qualquer forma, a resposta para este mito é complexa.

A primeira história muçulmana sobre as Cruzadas só apareceu em 1899. O mundo muçulmano estava na época redescobrindo as Cruzadas, mas com um “toque” de modernidade ocidental. No período moderno, havia duas principais linhas europeias de pensamento sobre as Cruzadas. Uma delas, simbolizada por pessoas como Voltaire, Gibbon e Sir Walter Scott, além de Sir Steven Runciman no século XX, via os cruzados como bárbaros gananciosos e agressivos que atacavam os muçulmanos civilizados e amantes da paz. A outra linha via as Cruzadas como um episódio glorioso da longa batalha em que os cavaleiros cristãos detiveram o avanço das hordas muçulmanas.

Não foram as Cruzadas que ensinaram o islã a odiar e atacar os cristãos. Foi o Ocidente laico que ensinou o islã a odiar uma visão parcial e manipulada das Cruzadas.

Aliás, esta é uma estranha tendência do nosso Ocidente moribundo: abastecer os nossos detractores com amplos motivos, inclusive falsos ou no mínimo parciais, para nos odiar...

Não acho necessário defender com veemência as Cruzadas, até porque há nelas muitas coisas profundamente lamentáveis, sem dúvida alguma. Mas o justo é o justo: também há nas Cruzadas muitos elementos que a agenda anticatólica não apenas não quer admitir, mas até procura esconder.

Aos laicistas e ateus que gostam de exclamar "Olhem quantos morreram em nome das guerras e da violência religiosa!", eu respondo: "Olhem também quantas pessoas foram assassinadas no século XX em nome de ideologias laicas e ateias". O historiador britânico Paul Johnson, em seu livro “Modern Times”, estima este número em nada menos que 100 milhões.

E por acaso isso justifica que uma única pessoa morra em decorrência de uma guerra religiosa? Não. É claro que não. Mas a violência, a guerra, a conquista e as disputas territoriais são problemas humanos, não necessariamente religiosos e não apenas religiosos.

O brutal sofrimento actual de cristãos aterrorizados por radicais ligados a uma visão deformada do islão nos desafia a tomar alguma decisão. Numa vida complexa, nem toda decisão é perfeita.

Ajudai-nos, Senhor, e, por milagre, convertei o coração daqueles que se proclamam nossos inimigos.

Pe. Charles Pope [1]





[1]
Pastor of Holy Comforter-St. Cyprian parish and popular blogger for the Archdiocese of Washington, the Catechism of the Catholic Church, the Pastoral Constitution "Gaudium et Spes" and the pastoral letter "Marriage: Love and Life in the Divine Plan" written by the United States Conference of Catholic Bishops.

Tratado do verbo encarnado 128

Questão 20: Da sujeição de Cristo ao Pai

Em seguida devemos tratar do que convém a Cristo relativamente ao Pai. E nessa matéria algumas coisas se lhe atribuem relativamente ao Pai, por exemplo, o ser-lhe sujeito, ter orado a ele, tê-lo servido como sacerdote. Outras são-lhe atribuídas ou podem sê-lo pela relação do Pai para com ele, por exemplo, o Pai o ter adotado e predestinado.

Em primeiro lugar, pois, devemos tratar da sujeição de Cristo ao Pai. Segundo, da sua oração. Terceiro, do seu sacerdócio. Quarto, se lhe convém a adopção. Quinto, da sua predestinação.

Na primeira questão discutem-se dois artigos:

Art. 1 — Se devemos dizer que Cristo era sujeito ao Pai.
Art. 2 — Se Cristo estava sujeito a si próprio.

Art. 1 — Se devemos dizer que Cristo era sujeito ao Pai.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não devemos dizer que Cristo fosse sujeito ao Pai.

1 — Pois, tudo o sujeito a Deus Pai é criatura, porque, como foi dito, na Trindade nada serve nem é sujeito. Ora, não podemos dizer, em sentido absoluto, que Cristo seja uma criatura, como dissemos. Logo, também não devemos dizer, em sentido absoluto, que Cristo fosse sujeito a Deus Pai.

2. Demais. — Dissemos que está sujeito a Deus o que lhe serve ao domínio. Ora, não podemos atribuir nenhuma servidão à natureza humana de Cristo. Pois, diz Damasceno: Devemos saber, que não podemos considerar sujeita à servidão a natureza humana de Cristo. Pois, as denominações de servidão e de domínio não designam a natureza nem são sinais de conhecimento, mas exprimem relações, como os nomes de paternidade e de filiação. Logo, Cristo, pela sua natureza humana, não está sujeito a Deus Pai.

3. Demais. — O Apóstolo diz: E quando tudo lhe estiver sujeito, então ainda o mesmo Filho estará sujeito aquele que sujeitou a ele todas as coisas. Ora, como diz ainda o Apóstolo, nós ainda não vemos que tudo lhe esteja sujeito. Logo, Cristo ainda não está sujeito ao Pai, que lhe sujeitou tudo.

Mas, em contrário, o Senhor diz: O Pai é maior que eu. E Agostinho: Não impropriamente diz a Escritura ser o Filho igual ao Pai e o Pai, maior que o Filho. Entendendo-se sem nenhuma confusão que é igual, pela forma de Deus, e maior, por ter o Filho se revestido da forma de servo. Ora, o menor é sujeito ao maior. Logo, Cristo, pela forma de servo, é sujeito ao Pai.

Ao ser de uma determinada natureza convêm-lhe as propriedades dessa natureza. Ora, a natureza humana, pela sua condição, está sujeita a Deus, de três modos. — Primeiro, pelo grau de bondade. Pois, ao passo que a natureza divina é por essência a própria bondade, como diz Dionísio, a natureza criada tem uma certa participação da bondade divina, sendo como um raio projectado por ela. — Segundo, a natureza humana está sujeita a Deus, quanto ao poder divino, isto é, enquanto a natureza humana, como qualquer outra criatura, está sujeita ao ato da disposição divina. — Terceiro, especialmente a natureza humana está sujeita a Deus, pelo seu acto próprio, isto é, enquanto que, por vontade própria, lhe obedece aos mandamentos.

E essa tríplice sujeição ao Pai, Cristo a confessa, de si mesmo. — A primeira, quando diz: Por que me perguntas tu o que é bom? Bom só Deus o é. O que comenta Jerónimo: Aquele que chamara ao mestre, bom e não o proclamara Deus ou Filho de Deus, fica sabendo que, apesar de ser um homem santo, não é bom em comparação com Deus. Com o que quis significar que Cristo, pela sua natureza humana, não chegava ao grau da bondade divina. E como, quando não se trata da grandeza material, ser maior é o mesmo que ser melhor, na expressão de Agostinho, por isso, o Pai é considerado maior que Cristo, quanto à natureza humana deste. — A segunda espécie de sujeição é atribuída a Cristo, por crermos que o que Cristo praticou, na sua humanidade, o fez por disposição divina. Donde o dizer Dionísio, que Cristo está sujeito às ordens de Deus Padre. E esta é uma sujeição de servidão, pela qual toda criatura serve a Deus, sujeitando-se-lhe às ordens, conforme a Escritura: A criatura servindo-te a ti, seu Criador. E neste sentido também o Apóstolo diz, que o Filho de Deus recebeu a forma de servo. — A terceira sujeição, Cristo a si mesmo se atribui, quando diz: Eu faço sempre o que é do seu agrado. E essa é a sujeição da obediência. Donde o dizer o Apóstolo: Feito obediente ao Pai até a morte.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como não devemos pensar que Cristo seja Criatura, absolutamente falando, mas só em virtude da sua natureza humana, quer lhe acrescentemos, quer não, qualquer restrição, como dissemos, assim também não devemos pensar, em sentido absoluto, que Cristo fosse sujeito ao Pai, senão só pela sua natureza humana, mesmo se não lhe acrescentarmos essa restrição. É conveniente porém acrescentarmos-lha, para cortar o erro de Ario, que dizia ser o Filho menor que o Pai.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A relação de servidão e do domínio funda-se na acção e na paixão, enquanto é próprio do servo ser movido pelo império do Senhor. Agir, porém, não o atribuímos à natureza como agente, mas à pessoa, pois, o acto é próprio do suposto e do indivíduo, segundo o Filósofo. Mas, a secção é atribuída à natureza como o meio pelo qual a pessoa ou a hipóstase age. Donde, embora não possamos dizer, propriamente, que a natureza é senhora ou serva podemos porém afirmar com propriedade, que qualquer hipóstase ou pessoa seja senhora ou serva, segundo esta natureza determinada, ou aquela outra. E assim, nada impede dizermos que Cristo está sujeito ao Pai ou é seu servo, pela sua natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz Agostinho: Então Cristo transmitirá o seu reino a Deus e ao Pai, quando conduzir a plena visão os justos sobre os quais reina pela fé, de modo que contemplem a essência comum do Pai e do Filho. E então estará totalmente sujeito ao Pai não só em si mesmo, mas também nos seus membros, pela plena participação da vontade divina. Embora, pois, actualmente todas as causas lhe estejam sujeitas, quanto ao seu poder, conforme o Evangelho: Tem-se me dado o poder no céu e na terra.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Temas para meditar - 372

Quaresma


José de Arimateia fez o maior pedido que jamais se fez: O Corpo de Jesus, o Filho de Deus, o tesouro da Igreja, a sua riqueza, o seu ensino e exemplo, o seu consolo, o Pão com que devia alimentar-se até à vida eterna. José, naquele momento, representava com a sua petição o desejo de todos os homens, de toda a Igreja, que necessitava d’Ele para se manter viva eternamente.



(luís de la palma, La pasión del Señor, pg. 244, trad ama)

Pequena agenda do cristão

SÁBADO


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Honrar a Santíssima Virgem.

A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva, de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, santo é o Seu nome. O Seu Amor se estende de geração em geração sobre os que O temem. Manifestou o poder do Seu braço, derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes, aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel Seu servo, lembrado da Sua misericórdia, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência para sempre.

Lembrar-me:

Santíssima Virgem Mãe de Deus e minha Mãe.

Minha querida Mãe: Hoje queria oferecer-te um presente que te fosse agradável e que, de algum modo, significasse o amor e o carinho que sinto pela tua excelsa pessoa.
Não encontro, pobre de mim, nada mais que isto: O desejo profundo e sincero de me entregar nas tuas mãos de Mãe para que me leves a Teu Divino Filho Jesus. Sim, protegido pelo teu manto protector, guiado pela tua mão providencial, não me desviarei no caminho da salvação.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?