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21/02/2015

Tratado do verbo encarnado 128

Questão 20: Da sujeição de Cristo ao Pai

Em seguida devemos tratar do que convém a Cristo relativamente ao Pai. E nessa matéria algumas coisas se lhe atribuem relativamente ao Pai, por exemplo, o ser-lhe sujeito, ter orado a ele, tê-lo servido como sacerdote. Outras são-lhe atribuídas ou podem sê-lo pela relação do Pai para com ele, por exemplo, o Pai o ter adotado e predestinado.

Em primeiro lugar, pois, devemos tratar da sujeição de Cristo ao Pai. Segundo, da sua oração. Terceiro, do seu sacerdócio. Quarto, se lhe convém a adopção. Quinto, da sua predestinação.

Na primeira questão discutem-se dois artigos:

Art. 1 — Se devemos dizer que Cristo era sujeito ao Pai.
Art. 2 — Se Cristo estava sujeito a si próprio.

Art. 1 — Se devemos dizer que Cristo era sujeito ao Pai.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não devemos dizer que Cristo fosse sujeito ao Pai.

1 — Pois, tudo o sujeito a Deus Pai é criatura, porque, como foi dito, na Trindade nada serve nem é sujeito. Ora, não podemos dizer, em sentido absoluto, que Cristo seja uma criatura, como dissemos. Logo, também não devemos dizer, em sentido absoluto, que Cristo fosse sujeito a Deus Pai.

2. Demais. — Dissemos que está sujeito a Deus o que lhe serve ao domínio. Ora, não podemos atribuir nenhuma servidão à natureza humana de Cristo. Pois, diz Damasceno: Devemos saber, que não podemos considerar sujeita à servidão a natureza humana de Cristo. Pois, as denominações de servidão e de domínio não designam a natureza nem são sinais de conhecimento, mas exprimem relações, como os nomes de paternidade e de filiação. Logo, Cristo, pela sua natureza humana, não está sujeito a Deus Pai.

3. Demais. — O Apóstolo diz: E quando tudo lhe estiver sujeito, então ainda o mesmo Filho estará sujeito aquele que sujeitou a ele todas as coisas. Ora, como diz ainda o Apóstolo, nós ainda não vemos que tudo lhe esteja sujeito. Logo, Cristo ainda não está sujeito ao Pai, que lhe sujeitou tudo.

Mas, em contrário, o Senhor diz: O Pai é maior que eu. E Agostinho: Não impropriamente diz a Escritura ser o Filho igual ao Pai e o Pai, maior que o Filho. Entendendo-se sem nenhuma confusão que é igual, pela forma de Deus, e maior, por ter o Filho se revestido da forma de servo. Ora, o menor é sujeito ao maior. Logo, Cristo, pela forma de servo, é sujeito ao Pai.

Ao ser de uma determinada natureza convêm-lhe as propriedades dessa natureza. Ora, a natureza humana, pela sua condição, está sujeita a Deus, de três modos. — Primeiro, pelo grau de bondade. Pois, ao passo que a natureza divina é por essência a própria bondade, como diz Dionísio, a natureza criada tem uma certa participação da bondade divina, sendo como um raio projectado por ela. — Segundo, a natureza humana está sujeita a Deus, quanto ao poder divino, isto é, enquanto a natureza humana, como qualquer outra criatura, está sujeita ao ato da disposição divina. — Terceiro, especialmente a natureza humana está sujeita a Deus, pelo seu acto próprio, isto é, enquanto que, por vontade própria, lhe obedece aos mandamentos.

E essa tríplice sujeição ao Pai, Cristo a confessa, de si mesmo. — A primeira, quando diz: Por que me perguntas tu o que é bom? Bom só Deus o é. O que comenta Jerónimo: Aquele que chamara ao mestre, bom e não o proclamara Deus ou Filho de Deus, fica sabendo que, apesar de ser um homem santo, não é bom em comparação com Deus. Com o que quis significar que Cristo, pela sua natureza humana, não chegava ao grau da bondade divina. E como, quando não se trata da grandeza material, ser maior é o mesmo que ser melhor, na expressão de Agostinho, por isso, o Pai é considerado maior que Cristo, quanto à natureza humana deste. — A segunda espécie de sujeição é atribuída a Cristo, por crermos que o que Cristo praticou, na sua humanidade, o fez por disposição divina. Donde o dizer Dionísio, que Cristo está sujeito às ordens de Deus Padre. E esta é uma sujeição de servidão, pela qual toda criatura serve a Deus, sujeitando-se-lhe às ordens, conforme a Escritura: A criatura servindo-te a ti, seu Criador. E neste sentido também o Apóstolo diz, que o Filho de Deus recebeu a forma de servo. — A terceira sujeição, Cristo a si mesmo se atribui, quando diz: Eu faço sempre o que é do seu agrado. E essa é a sujeição da obediência. Donde o dizer o Apóstolo: Feito obediente ao Pai até a morte.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como não devemos pensar que Cristo seja Criatura, absolutamente falando, mas só em virtude da sua natureza humana, quer lhe acrescentemos, quer não, qualquer restrição, como dissemos, assim também não devemos pensar, em sentido absoluto, que Cristo fosse sujeito ao Pai, senão só pela sua natureza humana, mesmo se não lhe acrescentarmos essa restrição. É conveniente porém acrescentarmos-lha, para cortar o erro de Ario, que dizia ser o Filho menor que o Pai.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A relação de servidão e do domínio funda-se na acção e na paixão, enquanto é próprio do servo ser movido pelo império do Senhor. Agir, porém, não o atribuímos à natureza como agente, mas à pessoa, pois, o acto é próprio do suposto e do indivíduo, segundo o Filósofo. Mas, a secção é atribuída à natureza como o meio pelo qual a pessoa ou a hipóstase age. Donde, embora não possamos dizer, propriamente, que a natureza é senhora ou serva podemos porém afirmar com propriedade, que qualquer hipóstase ou pessoa seja senhora ou serva, segundo esta natureza determinada, ou aquela outra. E assim, nada impede dizermos que Cristo está sujeito ao Pai ou é seu servo, pela sua natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz Agostinho: Então Cristo transmitirá o seu reino a Deus e ao Pai, quando conduzir a plena visão os justos sobre os quais reina pela fé, de modo que contemplem a essência comum do Pai e do Filho. E então estará totalmente sujeito ao Pai não só em si mesmo, mas também nos seus membros, pela plena participação da vontade divina. Embora, pois, actualmente todas as causas lhe estejam sujeitas, quanto ao seu poder, conforme o Evangelho: Tem-se me dado o poder no céu e na terra.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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