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18/12/2015

Evangelho, comentário, L. espiritual



Tempo de Advento


Evangelho: Mt 1, 18-25

18 A geração de Jesus Cristo foi deste modo: Estando Maria, Sua mãe, desposada com José, antes de coabitarem achou-se ter concebido por obra do Espírito Santo. 19 José, seu esposo, sendo justo, e não querendo expô-la a difamação, resolveu repudiá-la secretamente. 20 Pensando ele estas coisas, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo. 21 Dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o Seu povo dos seus pecados».22 Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito pelo Senhor por meio do profeta que diz: 23 “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, e Lhe porão o nome de Emanuel, que significa: Deus connosco”. 24 Ao despertar José do sono, fez como lhe tinha mandado o anjo do Senhor, e recebeu em sua casa Maria, sua esposa. 25 E, sem que ele a tivesse conhecido, deu à luz um filho, e pôs-Lhe o nome de Jesus.

Comentário:

Uma vez mais, a liturgia, desta vez por São Mateus, coloca à nossa consideração o acontecimento maior da história humana.
Tem, naturalmente, uma intenção declarada: que todos gravem no seu coração estes momentos e, meditando neles, encontremos o exemplo que necessitamos imitar para fortalecer a nossa fé, confirmar a nossa esperança, aumentar o nosso amor. 

(ama, comentário sobre Mt 1, 18-24, Monte Real, 2013.12.22)


Leitura espiritual


Existe Deus?

Verdade do cristianismo? - 3

A unidade fundamental (embora crítica) com a racionalidade filosófica, presente na noção de Deus, confirma-se e concretiza-se agora na unidade igualmente crítica com a moral filosófica.
Assim como no campo do religioso o cristianismo superava os limites de uma escola de sabedoria filosófica, justamente porque o Deus pensado se deixava encontrar como um Deus vivo, assim também aqui ocorreu uma superação da teoria ética numa práxis moral, vivida em comum e feita concreta, na qual a perspectiva filosófica é transcendida e transposta para a acção real, sobretudo graças à concentração de toda a moral no duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo.
Simplificando, poderíamos dizer que o cristianismo convencia pela união da fé com a razão e pela orientação da acção para a caritas, para a solicitude amorosa pelos que sofrem, pelos pobres e pelos fracos, para lá de toda a diferença de condição.

Esta força íntima do cristianismo pode ver-se, com clareza, no modo como o imperador Juliano tentou restabelecer o paganismo numa forma renovada.
Como pontifex maximus da religião restaurada dos antigos deuses, procurou instituir – o que nunca antes existira – uma hierarquia pagã, feita de sacerdotes e metropolitas.
Os sacerdotes deviam ser exemplos de moralidade; deviam dedicar-se ao amor de deus (a divindade suprema entre os deuses) e do próximo.
Eram obrigados a realizar actos de caridade para com os pobres, já não lhes era permitido ler as comédias licenciosas e os romances eróticos, e deviam pregar nos dias de festa sobre um tema filosófico para instruir e formar o povo.
Teresio Bosco diz justamente, a este respeito, que o imperador tentava deste modo, não restabelecer o paganismo, mais cristianizá-lo – numa síntese limitada ao culto dos deuses, de racionalidade e religião.

Olhando retrospectivamente, podemos dizer que a força que transformou o cristianismo numa religião mundial consistiu na sua síntese entre razão, fé e vida; esta síntese condensou-se precisamente na expressão religio vera.
Impõe-se, por isso, cada vez mais a questão:  porque é que, hoje, esta síntese já não convence? 
Porque é que, hoje, ao invés, surgem contraditórios e até reciprocamente exclusivos a racionalidade e o cristianismo? 
Que é que na racionalidade? 
Que é que mudou no cristianismo?

Houve um tempo em que o neoplatonismo, sobretudo Porfírio, contrapôs à síntese cristã uma outra interpretação da relação entre filosofia e religião, uma interpretação que tentava ser uma refundação filosófica da religião politeísta.
Ora, hoje, este modo de harmonizar a religião e a racionalidade parece impor-se, de novo, como a forma de religiosidade ajustada à consciência moderna.

Porfírio formula assim a sua primeira ideia fundamental: latet omne verum, “oculta está toda a verdade”.
Recordemos a parábola do elefante, atestada justamente pela concepção em que budismo e neoplatonismo se encontram. 
De acordo com ela, sobre a verdade, sobre Deus, não há certeza alguma, apenas opiniões.
Na crise de Roma, no final do século IV, o senador Símaco – imagem especular de Varrão e da sua teoria da religião – resumiu a concepção neoplatónica em algumas fórmulas simples e pragmáticas, que podemos encontrar no seu discurso perante o imperador Valentiniano II, no ano 384, em defesa do paganismo e da reposição da deusa Vitória no Senado romano.
Cito apenas a frase decisiva, e que se tornou célebre: “Todos veneramos o mesmo, todos pensamos o mesmo, contemplamos as mesmas estrelas, um só é o céu sobre as nossas cabeças, o mesmo mundo nos circunda; que importam os diversos tipos de sabedoria pelos quais cada um busca a verdade? Não se pode chegar por um único caminho a um mistério tão grande”.

É tal e qual o que, hoje, afirma a racionalidade: não conhecemos a verdade como tal; nas imagens mais diversas contemplamos, no fundo, a mesma coisa.
Mistério ingente, o divino não se pode reduzir a uma só figura que exclua todas as outras, a um único caminho que a todos vincularia. Há muitos caminhos, há muitas imagens, todas reflectem algo do todo e nenhuma é, por si mesma, o todo.
O ethos da tolerância é próprio de quem reconhece em cada uma delas uma parte de verdade, de quem não põe a sua acima das outras e se insere tranquilamente na sinfonia polimorfa do eterno Inacessível.
Este oculta-se por detrás de símbolos, mas estes símbolos afiguram-se como a nossa única possibilidade de chegar, de algum modo, à divindade.

Foi, portanto, superada pelo progresso da racionalidade a pretensão do cristianismo de ser a religio vera?
Estará ele, pois, obrigado a abandonar esta pretensão e a ingressar na visão neoplatónica ou budista ou hinduísta da verdade e do símbolo, a contentar-se, como propusera Troeltsch, com mostrar do rosto de Deus a parte virada para a Europa?
Será necessário, porventura, ir além de Troeltsch, que via ainda no cristianismo a religião mais adequada para a Europa, tendo em conta que esta põe em dúvida tal adequação?
Eis a verdadeira questão que, hoje, a Igreja e a teologia têm de enfrentar.
Todas as crises que agora observamos no seio do cristianismo só de modo secundário se baseiam em aspectos institucionais.

Na Igreja, os problemas das instituições e das pessoas derivam, em última instância, desta questão e do enorme peso que ela tem.
Ninguém esperará, no final do segundo milénio cristão, que esta provocação fundamental encontre, mesmo só de longe, uma resposta definitiva num artigo.
Não pode de modo algum encontrar respostas puramente teóricas, tal como a religião, enquanto atitude última do homem, nunca é só teoria.
Exige a combinação de conhecimento e de acção em que assentava a força persuasiva do cristianismo dos Padres da Igreja.

Não quer isto dizer que nos possamos subtrair à urgência que o problema tem sob o ponto de vista intelectual, remetendo para a necessidade da práxis.
Para terminar, tentarei apenas abrir uma perspectiva que possa indicar a direcção.
Vimos que a originária unidade relacional, embora nunca de todo alcançada, entre racionalidade e fé, a que Tomás de Aquino deu uma forma sistemática, se rompeu não tanto pela evolução da fé quanto pelos novos progressos da racionalidade.
Poderiam apontar-se como etapas desta mútua separação Descartes, Espinosa, Kant.
A nova síntese integradora tentada por Hegel não restitui à fé o seu lugar filosófico, mas tende a convertê-la em razão e a suprimi-la como fé.
A esta absolutização do espírito contrapõe Marx  a unicidade da matéria; a filosofia deve então circunscrever-se inteiramente à ciência exacta.
Só o rigoroso conhecimento científico é conhecimento.
E assim se diz adeus à ideia do divino.

A profecia de Auguste Comte de que, um dia, haveria uma física do homem e que as grandes questões, até agora confiadas à metafísica, seriam abordadas no futuro de um modo tão “positivo” como tudo o que, já hoje, é ciência positiva, encontrou, no nosso século, um eco impressionante nas ciências humanas.
Olvida-se cada vez mais a separação entre a física e a metafísica, introduzida pelo pensamento cristão.
Tudo deve voltar a ser “física”.

A teoria evolucionista foi-se cristalizando como o caminho para fazer desaparecer de vez a metafísica, para tornar supérflua a “hipótese de Deus” (Laplace) e formular uma explicação do mundo estritamente “científica”.
Uma teoria evolucionista que explique de modo englobante todo o real tornou-se uma espécie de “filosofia primeira” que representa, por assim dizer, o autêntico fundamento da compreensão racional do mundo.
Toda a tentativa de introduzir outras causas distintas das elaboradas por uma teoria “positiva”, toda a tentativa de “metafísica” surge necessariamente como uma recidiva no aquém da razão, como uma renúncia à pretensão universal da ciência.
Também a ideia cristã de Deus é tida por acientífica. A esta ideia já não corresponde nenhuma theologia physica: a única theologia naturalis é, nesta visão, a doutrina evolucionista, e esta não conhece nenhum Deus, nenhum Criador, no sentido do cristianismo (do judaísmo e do Islão), nenhuma alma do mundo ou dinamismo intrínseco, no sentido do estoicismo.
Quando muito, em sentido budista, poderia considerar-se o mundo inteiro como uma aparência, e o nada como a verdadeira realidade,  e justificar assim as formas místicas de religião que, pelo menos, não se estão em competição directa com a razão.

Ter-se-á dito com isto a última palavra?
Estarão definitivamente separados o cristianismo e a razão?
Seja como for, não se discute o alcance da doutrina evolucionista como filosofia primeira e a exclusividade do método positivo como único tipo de ciência e de racionalidade.
É necessário que esta discussão seja iniciada por ambas as partes com serenidade e disponibilidade para ouvir – o que até agora só aconteceu de modo muito reduzido.
Ninguém poderá pôr seriamente em dúvida as provas científicas dos processos micro-evolutivos.
Reinhard Junker e Sieghfried Scherer dizem, a este respeito, no seu Kritisches Lehrbuch sobre a evolução:
Tais fenómenos (os processos micro-evolutivos) são bem conhecidos a partir dos processos naturais de variação e de formação.
O seu exame por meio da biologia evolutiva levou a conhecimentos significativos acerca da capacidade maravilhosa de adaptação dos sistemas vivos”.
Dizem neste sentido que, com razão, se pode caracterizar a investigação sobre a origem como a disciplina régia da biologia.
A pergunta que um crente pode fazer em face da razão moderna não é acerca de isto, mas sobre a extensão de uma philosophia universalis que ambiciona tornar-se uma explicação geral do real e tende a não admitir qualquer outro nível de pensamento.
Na própria doutrina evolucionista, o problema apresenta-se quando se passa da micro à macro-evolução, passagem a cujo respeito Szamarthy e Maynard Smith, ambos defensores de uma teoria evolucionista omnicompreensiva, afirmam:
Não há motivos teóricos que permitam pensar que, com o tempo, linhas evolutivas aumentem em complexidade; nem sequer há provas empíricas de que tal aconteça”.

(cont)

joseph ratzinger (bento xvi)


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